O ex-senador Luiz Estevão paga sua dívida pela condenação no escândalo
dos desvios do TRT de São Paulo alugando imóveis para a União por meio de
laranjas
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Não é todo dia que um
político condenado concorda em devolver o que roubou com juros e multa. Por
isso, o acordo celebrado em 2012 entre a Advocacia Geral da União (AGU) e o
Grupo Ok, do ex-senador Luiz Estevão, surpreendeu a todos. Condenado pelo
desvio de R$ 169 milhões na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo,
Estevão aceitou devolver à União R$ 468 milhões. Do total, R$ 80 milhões à
vista e R$ 388 milhões em 96 vezes de R$ 4,1 milhões atualizados pela taxa
Selic. Ocorre que esse é justamente o valor que o político e empresário obtém
hoje com o aluguel mensal de dez imóveis ocupados por ministérios, autarquias e
por uma secretaria do governo do Distrito Federal. Por meio de reajustes de até
60% e da assinatura de novos contratos com empresas laranjas, Estevão
multiplicou sua renda extra de R$ 2,6 milhões para R$ 4,3 milhões. Com isso,
não precisa desembolsar um centavo para quitar sua dívida. Quem paga
é a
própria União e, em última análise, o cidadão. Ou seja, Luiz Estevão continua
aprontando das suas para obter vantagens, reeditando o comportamento que o
notabilizou durante toda a sua trajetória política e empresarial. Só que agora
sua jogada é mais do que inacreditável: ele repara os danos que ele mesmo
causou ao erário com dinheiro da própria União. ...
A AGU já identificou que
as empresas que alugam para a União são de laranjas de Luiz Estevão. Umas
delas, inclusive, é gerida por uma filha do ex-senador. Mesmo assim, para a
AGU, não há conflito ético em Estevão quitar sua dívida com dinheiro do próprio
erário, nem vê problemas no fato de o governo federal ter como senhorio um
ex-senador cassado, que responde por diferentes crimes e que já foi condenado
no Superior Tribunal de Justiça a 31 anos de prisão por crimes como corrupção
ativa, estelionato e formação de quadrilha. “A União precisa de imóveis para
abrigar suas repartições. Não dá para ficar escolhendo”, argumenta o
procurador-geral da União, Paulo Khun. Para ele, trocar os aluguéis pela dívida
foi a melhor solução. “Os processos poderiam se arrastar indefinidamente e
nunca recuperaríamos o que foi desviado”, diz. A AGU chegou a tentar tomar os
imóveis, mas Estevão conseguiu embargar a medida judicialmente. Khum ressalta
que o Grupo Ok também retirou todos os recursos judiciais que impediam o
andamento do processo.
Por ironia, um dos
principais inquilinos do ex-senador condenado é a Diretoria de Inteligência da
Polícia Federal, órgão que concentra todos os dados de operações policiais do
País. O contrato foi assinado em 2011, entre o diretor-geral da PF, Leandro
Daiello, e a jovem empresária Fernanda Meireles Estevão de Oliveira Resende,
filha do ex-senador que aparece como responsável e administradora da empresa
LCC Empreendimentos, uma das companhias que Estevão abriu em nome de laranjas,
entre eles Carlos Estevão Taffner. A PF paga por ano R$ 3 milhões e o contrato
é reajustado a cada 12 meses. No mesmo complexo, está o Instituto Chico Mendes,
que desembolsa R$ 716 mil mensais pelo espaço.
A LCC Empreendimentos
também recebe cerca de R$ 657 mil pelo aluguel de imóveis nas asas Sul e Norte
do Plano Piloto. Um conjunto de salas é ocupado pela Coordenação Geral de
Recursos Logísticos do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC),
responsável por todas as compras e licitações da pasta. Mas a maior parte dos
contratos de aluguel de imóveis de Estevão para a União foi firmada pela Inovar
Construções e Empreendimentos Imobiliários, registrada em nome de Guilherme e
Amanda Taffner. Para a Procuradoria-Geral da União, são claros os “indícios de
desvio patrimonial” por meio da formação de um grupo econômico informal.
“Quando houve o bloqueio dos bens em 2000, os filhos de Estevão eram
adolescentes. Não tinham condições de ser donos de empresas com esse
patrimônio”, explica um dos integrantes do grupo de investigação. Por meio do
cruzamento das matrículas dos imóveis e dos contratos sociais dessas empresas,
foram mapeados 1.388 imóveis de propriedade do ex-senador, incluindo
apartamentos residenciais, salas comerciais, fazendas e edifícios.
Até setembro deste ano, a
Inovar recebeu da União mais de R$ 17 milhões em contratos de aluguel com
órgãos federais. Muitos desses contratos foram firmados com dispensa de
licitação e tiveram aditivos de até 25%, pois foram feitos com base na Lei
8.666. O mercado imobiliário usa o IGP-M com índice de reajuste. Por meio da
Inovar, um dos maiores contratos de Estevão com o poder público foi celebrado
com a Funai: R$ 16,8 milhões. Em maio, foram empenhados de uma só vez cerca de
R$ 8,4 milhões. Nesse mesmo mês, o diretor de Administração do órgão, Antonio
Carlos Futuro, nomeou como fiscais do contrato da Funai com a Inovar a agente
em indigenismo Maria Tereza Passarela e o motorista Elizeu Edílson Vasconcelos
dos Santos. Como cabe a cada órgão firmar e gerir seus próprios contratos de
locação, não há como a AGU saber se os valores são justos ou superfaturados.
Muito menos checar se há desvios. Luiz Estevão sabe bem disso.
Fotos: Daniel Ferreira/CB;
Adriano Machado
Fonte:
Claudio Dantas Sequeira - Revista ISTOÉ - N° Edição: 2299 - 07/12/2013