Por Piero
Locatelli
Em entrevista a CartaCapital, o ministro-chefe da
CGU, Jorge Hage, se diz otimista com a legislação que pune empresas com mais
rigor e entrou em vigor nesta quarta.
Empresas envolvidas em corrupção terão punições mais
severas a partir desta quarta-feira 29, quando entra em vigor a chamada Lei
Anticorrupção. Focada no corruptor, a nova legislação determina que as
companhias devolvam aos cofres públicos os prejuízos causados por atos
ilícitos, além de estipular a aplicação de multas e até o fechamento delas em
casos mais graves. As companhias também serão responsabilizadas por atos
ilícitos dos seus funcionários, ao contrário do que ocorre hoje.
Segundo o ministro-chefe da Controladoria Geral da
União (CGU), Jorge Hage, “não existe nenhum remédio milagroso”, mas as novas
regras devem fazer as empresas coibirem as práticas ilícitas. “A lei vai
contribuir com a mudança de atitude e mentalidade do empresariado brasileiro,”
diz o ministro. Em entrevista a CartaCapital, o ministro fala da aplicação da
lei em Estados e municípios, da influência das
manifestações na política
nacional e dos próximos passos do combate à corrupção no País. ...
Leia abaixo:
CartaCapital: A União está pronta para aplicar a Lei
Anticorrupção e punir as empresas? A lei vai “pegar”?
Jorge Hage: Nós acreditamos que sim. Vai pegar do
mesmo modo que nós conseguimos que pegasse a Lei de Acesso à Informação
[proposta pela CGU em 2009 e aprovada em 2011]. Muitos acreditavam que a lei
não ia pegar. No entanto, nós estamos com um percentual de atendimento
considerado satisfatório na ordem de 94%. Temos uma grande expectativa com a
eficácia da lei da empresa corruptora como mais um instrumento de combate à corrupção.
Mas não esperamos que ela seja nenhuma panaceia, porque não existe isso em
relação ao combate à corrupção. Não existe nenhum remédio milagroso.
CC: As empresas devem mudar suas práticas com a nova
lei?
JH: A lei vai contribuir com a mudança de atitude e
mentalidade do empresariado brasileiro. E já temos os primeiros sinais disso,
antes da mesmo da lei entrar em vigor. Percebemos o interesse das empresas em
se preparar, em instaurar mecanismos de compliance [integridade] e códigos de
conduta. Os empresários estão ansiosos para saber qual vai ser a exigência de
administração pública. A minha principal aposta no caso dessa lei não reside na
aplicação das penas, mas no poder inibitório da simples existência da previsão
de multas pesadas, mostrando ao empresário que vale a pena ele se prevenir. Os
dirigentes da empresa vão ser os maiores vigilantes interessados em cuidar para
que não aconteça a prática de nenhum desses atos previstos na lei.
CC: A maioria dos Estados brasileiros ainda não
regulamentou a nova lei. No caso da Lei de Acesso à Informação, a execução da
lei é muito pior em municípios e estados. O mesmo pode acontecer com a Lei
Anticorrupção? O que a CGU pode fazer?
JH: Isso é uma das nossas maiores preocupações,
embora não possamos interferir diretamente no que os Estados e municípios
fazem. A CGU se reuniu com os secretários, principalmente no âmbito do Conaci
[Conselho Nacional de Controle Interno, órgão que reúne as corregedorias dos
Estados]. Felizmente, sentimos que há uma pendência deles para aguardar a
regulamentação federal e tomá-la como referência. Se isso acontecer, as coisas
vão facilitar muito. Tomando o padrão da regulamentação federal como
referência, as discrepâncias e o espaço de decisão arbitrária tendem a se
reduzir. E a gente, bem ou mal, observa que isso sempre tem acontecido. Estamos
cogitando manter reuniões, chamar os secretários aqui, e quem sabe chegarmos à
ideia de um pacto voluntário, porque nada pode ser imposto, no sentido do
interesse público. Além disso, apostamos também no parágrafo único do artigo
sétimo, onde está dito que os parâmetros para as variações dos mecanismos de
compliance serão estabelecidos pelo Executivo federal. [A lei diz que as
empresas que cooperarem nas apurações de infrações poderão ter suas penas
reduzidas, e que as regras serão estabelecidas pelo Executivo Federal]
CC: O Brasil havia se comprometido com a OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) a aprovar uma lei
que punisse o suborno fora do país há mais de dez anos, o que finalmente foi
feito com a aprovação desta lei. Com esta aprovação, o Brasil ainda fica
defasado no combate à corrupção?
JH: Está é a última dívida que o Brasil tinha, e
agora pagamos. Agora, a OCDE continuará a avaliar a aplicação desta lei: as
penas, número de condenações, atuação do Ministério Público e da Justiça. E a
implementação de todas as normas, tanto desta quanto das anteriores.
CC: Manifestantes foram às ruas de forma difusa
contra a corrupção em junho do ano passado. Havia faixas contra a corrupção de
forma geral, e até pedindo pena de morte aos “mensaleiros”. A lei foi aprovada
no Senado no dia 5 de julho de 2013. Essa indignação difusa influenciou o poder
público?
JH: Para nós, não teve nenhuma influência de
movimento de junho em nada. Nós já tínhamos proposto isso muito antes de
qualquer manifestação pública [a CGU propôs a lei em 2010]. Agora, seguramente
a pressão funcionou no Senado. Na Câmara, justiça seja feita, já estava
aprovado [a lei foi aprovada em maio de 2011 pelos deputados]. O fato é que a
lei saiu, e isso é o que nos importa.
CC: Depois desta lei, qual é o próximo passo para
diminuir a influência das empresas no poder público?
JH: Não tenho a menor dúvida que o próximo passo é a
vedação do financiamento empresarial [em eleições]. Se não conseguirmos que o
financiamento público seja exclusivo, que ao menos ele seja público e de pessoa
física. Mas com o teto bem baixo de contribuições individuais, algo como mil
reais, para evitar que as pessoas sejam canais fraudulentamente para doações de
grandes empresários. Com isso, há condições de eliminar o absoluto poder
econômico nas eleições, que é a negação do princípio básico da democracia: um
homem, um voto. Que hoje nós não temos. Um voto meu ou seu nem se compara com o
que vale um voto de um grande grupo econômico, porque o poder decisivo deles em
uma eleição é muito maior que o nosso ou de qualquer cidadão. Hoje, nós não
temos um regime democrático funcionando adequadamente. Supondo que a gente
consiga isso, ainda vai faltar uma coisa para o combate a corrupção: a reforma
do processo judicial brasileiro. Uma reforma radical que reduza as infinitas
possibilidades de recursos, de agravos e mais agravos, de infinitos embargos
declaratórios. Aí sim teremos o fim da impunidade. Do jeito que está hoje,
qualquer advogado competente prorroga um processo por quinze, vinte anos. A
punição prescreve, e fica por isso mesmo.
Fonte: Revista Carta Capital -
30/01/2014 - - 08:51:57