Nos pontos onde ocorreram crimes graves e de grande repercussão no
Plano Piloto, os moradores dizem que os bandidos continuam agindo e
amedrontando a população. Com isso, a comunidade se vê obrigada a mudar hábitos
e a ficar mais atenta
"Tinha acabado de pegar
meu filho na escola e fiquei muito assustada. De lá para cá, fico bem mais
atenta. Hoje em dia, qualquer lugar do Plano Piloto é perigoso e todo mundo
está sujeito à violência" Gláucia Macedo, 32 anos, gerente comercial, que
teve o carro furtado na 306 Norte, onde, em 2010, um rapaz foi assassinado
Quando algum crime bárbaro
ocorre no Distrito Federal, a população fica amedrontada. Em determinados
casos, moradores e comerciantes fazem manifestações com cartazes e carros de
som. Os pedidos são sempre os mesmos: justiça e mais segurança. Devido à
repercussão, a resposta imediata do Estado costuma ser o aumento do
policiamento na região onde a criminalidade se mostrou mais acentuada. Mas,
passada a
fase da comoção, a rotina de quem vive no Plano Piloto e nas demais
regiões administrativas volta a ser a mesma: sensação de insegurança ou de
impunidade. ...
O assassinato do
brigadeiro reformado da Aeronáutica João Carlos Franco de Souza, 66 anos, há
uma semana, chamou a atenção para a vulnerabilidade da população. Ele levou um
tiro na cabeça no momento em que entrava na garagem do prédio, na 112 Sul. Os
bandidos queriam levar o carro da vítima, um i30 prata, um dos mais visados. Ao
acelerar o veículo — ou por um susto ou reação à abordagem — João Carlos acabou
baleado. Não resistiu e morreu horas após dar entrada na Unidade de Terapia
Intensiva (UTI) do Hospital de Base do DF.
O porteiro Júlio César
Costa, 39 anos, relata que a região tem grande fluxo de pedestres. Ele acredita
que a iluminação pública precária, a proximidade com o metrô e de paradas de
ônibus fazem dali uma área atrativa para a atuação de bandidos. “A frequência
de gente desconhecida é alta e realmente não tem viatura passando. Meu sobrinho
já foi assaltado ao lado da escola, e a polícia não apareceu. Tem muito
pivete”, denuncia. Mesmo após o crime, Júlio diz não ter visto policiamento
reforçado no local.
A reportagem do Correio
percorreu durante a última semana mais de 10 quadras residenciais das asas Sul
e Norte, onde foram registrados casos de violência de grande repercussão, entre
2010 e 2013. A
intenção era tentar identificar o que mudou após o registro de crimes como
latrocínios (roubo com morte) ou tentativas de assalto. A resposta dos
moradores, síndicos, porteiros, comerciantes e funcionários de estabelecimentos
foi a mesma: nada mudou. Ao contrário, a maioria diz ter percebido um aumento
do tráfico de drogas pelas quadras, além da incidência de furtos e roubos de
veículos, a pedestres, além de arrastões em restaurantes.
Morto em assalto
Em 29 de março de 2010,
Thiago Almeida de Martins, funcionário de um supermercado da 306 Norte, foi
morto durante um assalto. A vítima tinha 29 anos e era segurança do Hortifruti
Oba e acabou atingido com dois tiros nas costas ao tentar evitar o roubo de um
malote de dinheiro. A gerente comercial Gláucia Macedo, 32 anos, ouviu os
disparos e ainda tentou anotar a placa do carro em que os bandidos estavam, mas
as árvores atrapalharam e ela perdeu o veículo de vista. “Tinha acabado de
pegar meu filho na escola e fiquei muito assustada. De lá para cá, fico bem
mais atenta. Hoje em dia, qualquer lugar do Plano Piloto é perigoso e todo
mundo está sujeito à violência”, acredita.
Gláucia revela que, na
quadra onde o assassinato ocorreu, a violência não cessou. “Não mudou nada”,
analisa. Há menos de um mês, ela teve o carro, um Santana, furtado durante a
madrugada no estacionamento do Bloco D. O veículo foi encontrado uma semana
depois na Fercal, na região de Sobradinho II. “Acho que não levaram para
desmanche porque tinha pouca gasolina e o carro parou no meio do caminho. Daí
resolveram abandoná-lo”, disse.
Em junho do ano passado,
um comerciante de 64 anos foi vítima de uma tentativa de latrocínio na 414 Sul.
Os bandidos atiraram cinco vezes em sua direção, mas apenas uma bala acertou a
virilha. Não morreu por sorte (leia Depoimento). A mulher dele, de 61 anos, diz
ter medo da violência. “Minha filha chega do cursinho e eu fico na janela
observando. Quando chega a noite, todo mundo fica assustado. A segurança na
quadra não aumentou nada. Em dezembro, um rapaz foi assaltado embaixo do prédio
e só deixaram ele com a roupa do corpo”, contou.
Palavra de especialista
“Temos um dilema”
“A violência e os
critérios das execuções penais levam o país à perplexidade. Há ainda uma
disseminação da violência por menores de 18 anos, e essa naturalização desses
crimes cometidos por eles vem enfrentando um momento de basta. A proposição
disso está em debate no Congresso Nacional, que é a responsabilização penal com
a redução da maioridade. Temos um dilema aí, porque também não funcionamos no
plano das políticas públicas para esses jovens que estão saindo monstros do
sistema carcerário. É um fracasso bastante claro. Estamos vivendo um conceito
de sociologia do crime, que é o pânico moral, do salve-se quem puder. A
segurança no DF é extremamente dependente do Entorno, e qualquer providência
envolverá necessariamente uma análise dos fatores de risco e da situação social
das cidades goianas vizinhas. É uma região de complexidade e de exclusão
social.”
George Felipe Dantas,
consultor em segurança pública
Memória
6 de abril de 2012
O funcionário do Banco
Central Saulo Batista Jansen, 31 anos, morreu por volta das 20h com um tiro no
peito. Ele lanchava com a mulher, a filha de cinco meses e amigos em uma
lanchonete na 413 Norte quando Tiago Pereira Andrade roubou celulares, carteira
e um notebook de clientes e, na fuga, disparou contra os fregueses, acertando o
bancário.
17 de julho de 2012
O agente da Polícia
Federal Wilton Tapajós, 54 anos, foi assassinado com um tiro na cabeça dentro
do Cemitério Campo da Esperança, quando visitava um jazigo da família. Quase um
mês depois, a Polícia Federal prendeu sete pessoas acusadas de participação no
assassinato e no roubo e na receptação do veículo. Tapajós teria reagido ao
assalto.
27de julho de 2012
Uma mulher foi estuprada
na frente do marido dentro da própria casa durante um assalto na 703 Sul. Dois
homens armados renderam o dono da casa quando ele saía para trabalhar, por
volta das 4h. Os criminosos fugiram no carro da família e levaram duas
televisões, micro-ondas, uma câmera fotográfica, roupas, DVD e outros objetos.
Ele e a mulher foram amordaçados e, após colocarem os objetos no carro,
voltaram ao apartamento e consumaram o estupro.
24 de abril de 2013
A jovem Raquel Nascimento,
26 anos, foi encontrada morta no Bloco A da 210 Norte. A vítima não estava
atendendo as ligações da mãe no celular. Preocupada e querendo alguma
informação sobre a filha, a mulher ligou para o porteiro do prédio em que
Raquel morava, o que levou o zelador a entrar no apartamento e encontrar o
corpo da garota. No mesmo apartamento, a polícia encontrou o corpo de José
Vitor Naciel, de aproximadamente 40 anos.
Depoimento
“Ele já saiu atirando”
“Estava chegando ao prédio
e esperei uma senhora encostar o carro para poder estacionar. Desci e, quando coloquei
a chave no bolso, fui surpreendido por um bandido que estava escondido atrás da
coluna. Me assustei e dei um pulo para trás, mas ele já saiu atirando na minha
direção e eu comecei a correr. Foram uns cinco disparos e um deles acertou
minha virilha. Não chegaram a levar nada de mim e, se a bala tivesse avançado
mais um centímetro, teria atingido uma veia e eu poderia ter morrido. De lá
para cá, me tornei uma pessoa mais desconfiada. Não confio na hora de
estacionar e já entro e saio correndo do carro. Quando vejo um motoqueiro,
espero ele passar primeiro para depois seguir caminho. Antigamente, eu chegava
tarde, mas agora estou fechando cedo o comércio onde trabalho para poder entrar
em casa quando ainda está claro. A gente está vivendo num mundo onde não dá
para confiar na segurança.”
Homem de 64 anos, que
levou um tiro em junho do ano passado na 414 Sul, durante uma tentativa de
assalto.
Fonte:
Correio Braziliense - 12/01/2014