Trata-se de uma quase
unanimidade. Tirante os economistas do Banco Central, praticamente todos os
demais acham que a inflação brasileira não alcança a meta oficial (4,5%, pelo
IPCA, índice do IBGE) nem neste ano, nem no próximo, nem sabe-se lá quando. ...
Mas
depois desse consenso, as opiniões começam a se dividir. Uma turma acha que
isso é grave, que não se pode brincar com a inflação no Brasil e que a alta de
preços é um imposto contra os mais pobres. Aliás, a inflação das famílias mais
pobres está mais elevada do que a dos ricos.
Outra
turma, dos economistas do governo ou aliados, acha que não tem nada demais numa
inflação de 6,5% ao ano, número que estaria dentro da meta. Não é bem assim.
Convém explicar: a meta, fixada pelo Conselho Monetário Nacional, é de 4,5% ao
ano. Admite uma margem de tolerância (ou de erro, se quiserem) de dois
pontos
abaixo ou acima, isso para situações excepcionais, fora do controle do Banco
Central.
Mas
três anos seguidos com inflação na média de 6% ao ano não podem ser chamados de
excepcionais. Pelos dados divulgados ontem pelo IBGE, a inflação corrente subiu
de novo para os 6%. Ou seja, este é o ritmo de alta de preços no Brasil, acima
da meta, abusando da margem de tolerância.
E
isso apesar dos truques, como aquele, quase permanente, de segurar o preço da
gasolina e outro, mais recente, de acertar com os prefeitos do Rio e São Paulo
o adiamento do reajuste das tarifas de ônibus, previsto para este mês. No
primeiro caso, estraga as contas da Petrobrás. No segundo, das prefeituras. É a
maldição: em política econômica, toda gambiarra gera uma contra-gambiarra.
Mas
todo esse debate poderia ser resolvido de modo muito fácil, dizem aliados do
governo. Basta dizer que a meta de inflação agora é de até 6,5%. Mesma coisa
que esses mesmos economistas estão propondo para o superávit primário. Em vez
de o governo roubar nas contas para atingi-lo, basta reduzir o alvo.
Por
que o governo não fez isso?
Reparem
que é o mesmo padrão no caso do dólar, tratado aqui na semana passada. Todo
mundo sabe que o real foi deliberadamente desvalorizado pelo governo e que a
cotação agora varia numa banda de R$ 2,00 a 2,10 por dólar. De novo, críticos e
aliados da presidente Dilma concordam nessa constatação, os primeiros, claro,
achando errado, os segundos, certo. Mas o governo jura que não tem banda e sim
uma clássica de taxa de câmbio flutuante.
Economistas
ligados à linha desenvolvimentista (alguns preferem neo-desenvolvimentismo,
sabe-se lá por que) sempre sustentaram que um país emergente terá inflação mais
alta que os desenvolvidos e estáveis. Não haveria problema com alta de preços
de 10% ou até 15% ao ano, se esse fosse o custo para uma expansão acelerada.
Mais inflação em troca de mais crescimento, tal é o mote.
Acrescentam-se
a essa receita a moeda desvalorizada e gastos públicos elevados.
Se
o governo Dilma não está fazendo isso, então faz algo muito parecido. Mais
ainda: havia mesmo a expectativa de que a presidente fosse pouco a pouco
alterando os parâmetros da política econômica herdados da era FHC e que haviam
sido mantidos por Lula por necessidade e não por convicção.
Assim,
resultam duas possibilidades. Ou a política não mudou, apenas estaria sendo,
digamos, mal executada. Ou mudou e o governo não quer admitir isso para não
criar expectativas negativas, sobretudo lá fora, ou porque a mudança não está
funcionando.
Afinal,
temos inflação elevada e baixíssimo crescimento. O governo aumenta seus gastos
e as obras não aparecem. O real foi desvalorizado, mas as importações crescem e
os brasileiros continuam torrando dólares lá fora (US$ 22 bilhões no ano
passado!).
Até
aqui pelo menos, os fatos dizem o seguinte: a política mudou e não deu certo.
Que fazer? Voltar ao padrão clássico ou aumentar a aposta
neodesenvolvimentista?
Pode
ser também que o governo não tenha uma política, mas apenas alvos. E cada vez
que atira em um, acerta no que não devia. Um exemplo da hora: a redução das
tarifas de energia vai estimular famílias e empresas a consumir mais, lógico.
Isso em um momento em que os reservatórios das hidrelétricas, a energia mais
barata, estão em ponto crítico, exigindo o auxílio das usinas termoelétricas,
mais caras. O processo ainda retira recursos das companhias hidrelétricas,
diminuindo sua capacidade de investir em novas fontes.
O
pior de tudo é que o Brasil já viu isso nos anos 70 e 80.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
Fonte:
O Globo - 24/01/2013