Jornal inglês
faz duras críticas a músico que provocou incêndio em boate no Rio Grande do Sul
e diz que Brasil precisa usar idiotice alheia para fazer progresso
O
horrível incêndio na casa noturna do Sul do Brasil no fim de semana vai, como
Samantha Pearson escreveu na segunda-feira, aumentar o escrutínio sobre o
Brasil. Para um país escalando a tábua da liga econômica global e que se
prepara para mostrar seu progresso na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, a
lista de erros e fracassos que levou ao fogo da noite de sábado é o pior tipo
de propaganda.
...
Mas
é justo questionar o governo de um país quando um idiota solitário começa um
incêndio num palco? Muitas perguntas estão sendo feitas sobre as origens do
incêndio de sábado. A mídia local noticiou, por exemplo, que a casa noturna
estava no processo de renovar sua licença de operação e que a licença dos
bombeiros tinha expirado em agosto. Mas não dá para apontar o Brasil como único
lugar que tem casas noturnas problemáticas.
Além
disso, houve notícia de que os seguranças inicialmente impediram que as pessoas
escapassem do clube antes de pagar a conta (é uma prática comum para visitantes
de bares e clubes no Brasil abrir uma conta para pagar na saída). Mas, seja
qual for o tempo que se passou antes que descobrissem o que realmente estava
acontecendo, seria difícil esperar que fizessem o contrário.
Outras
perguntas são mais difíceis de descartar. Havia apenas uma saída em
funcionamento, aparentemente mal sinalizada. (Muitas pessoas morreram presas
nos banheiros, ou porque achavam que era a saída ou porque esperavam sair pelas
janelas). O teto do clube estava coberto por isolamento acústico que qualquer
inspetor dos bombeiros teria identificado como perigosamente inflamável. Um extintor
de incêndio entregue a um integrante da banda para lidar com o início do
incêndio aparentemente não funcionou.
Os
regulamentos básicos, propriamente cumpridos, teriam evitado a tragédia e
salvado a vida de 231 jovens. As autoridades, com razão, vão passar por duro
escrutínio.
Finalmente,
e quanto ao ato que diretamente causou as mortes? Existe confusão sobre o que
aconteceu. Alguns relatos mencionam um sinalizador aceso por um integrante da
banda; outros mencionam faíscas; outros falam num fogo de artifício colocado no
palco que se chama “sputnik”, que solta faíscas coloridas.
O
uso de qualquer aparato pirotécnico em espaço público confinado é ilegal no
Brasil. E, certamente, qualquer idiota, em qualquer lugar, sabe que isso é
incrivelmente estúpido e perigoso?
Não
o idiota que o fez em Santa Maria, no sábado. Ele aparentemente disse depois
que nunca tinha tido problemas no passado.
Falando
à Folha de S. Paulo, Valdir
Pignatta da Silva, um especialista em segurança contra incêndios da Universidade
de São Paulo, disse que esta é uma questão cultural. Os brasileiros, ele disse,
não estão alertas sobre a ameaça de incêndios — ao contrário dos ingleses, que
relembram incêndios desde o século 17.
A
ideia de que os frequentadores de casas noturnas britânicas são protegidos pela
memória coletiva do Grande Incêndio de Londres não resiste a uma avaliação. E
os brasileiros, tão rápidos em enfatizar e questionar seu papel no mundo, não
deveriam se culpar muito pela idiotia de Santa Maria.
O
empresário que soltou fogos de artifício durante um show de heavy metal no
clube Station, em Rhode Island, nos Estados Unidos, em 2003, causando a morte
de 100 pessoas, não se comportou de forma menos idiota.
Existem
idiotas em todo o mundo e é difícil legislar contra eles. Até sábado, o Brasil
não tinha tido uma tragédia nesta escala em mais de meio século. Se os eventos
terríveis do fim-de-semana resultarem em aplicação mais severa das
regulamentações, o Brasil terá feito progresso.
*Jornalista
Financial Times
Fonte:
Site Opinião e Notícia - 29/01/2013