
“O
Brasil está sob holofotes por causa da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Quando
um evento desses ocorre num momento como esse, a
responsabilidade é ainda
maior”, afirmou Robert Solomon em entrevista ao site de VEJA. Solomon é
dirigente da National Fire Protection Association (NFPA, a associação
nacional de proteção a incêndios), uma organização não governamental. Fundada
em 1896, ela reúne seguradoras, corporações de bombeiros e indústrias que
sugerem a elaboração de regras para a prevenção de incêndios e mudanças na
legislação. Muitas dessas regras foram adotadas por dezenas de estados americanos
depois do episódio na boate The Station. ...
Leia
abaixo os principais trechos da entrevista, por telefone, ao site de VEJA.
O que pode ser feito para evitar situações como o incêndio da boate em
Santa Maria? Há muitas semelhanças chocantes entre as tragédias de Santa Maria e da
discoteca The Station, em Rhode Island. Nos dois casos, houve uso de pirotecnia
em um lugar inapropriado, instalação de material inflamável no teto, além da
inexistência de saída de incêndio adequadas e falta de sinalização de
emergência. Outro elemento que deve ser analisado é a superlotação. Em
Rhode Island, também havia excesso de público. Um aspecto chocante do incêndio
de Santa Maria é o fato de a boate só contar com uma saída. Os novos códigos de
incêndio americanos teriam exigido no mínimo três saídas para atender um
público desse tamanho (investigadores estimam que havia mais de 1.000 pessoas
na boate Kiss).
Os legisladores sempre estão sugerindo novas leis e códigos de conduta,
mas no incêndio de Santa Maria nem mesmo as regras que já existiam parecem ter
sido respeitadas. Como fazer valer a legislação? Ao investigarmos o que
aconteceu em Rhode Island, observamos que nem mesmo as leis e regras que já
existiam foram respeitadas. Os donos do local haviam instalado isolamento
de poliuretano para
não incomodar os vizinhos com o barulho. A instalação desse material era proibida
nesse tipo de estabelecimento, já que é altamente inflamável. Também houve
desrespeito às regras que determinam a quantidade máxima de pessoas no local.
Eles (os donos) queriam ganhar mais dinheiro, mas isso foi feito às custas dos
frequentadores que morreram. Quando a fiscalização ocorre, os inspetores
normalmente aparecem pela manhã, quando a boate está vazia. É ótimo ver o lugar
à luz do dia, observar tudo com calma. Mas também é preciso – e isso é muito
importante – que a fiscalização também ocorra quando a boate está aberta,
lotada, durante a noite, numa sexta-feira, por volta da meia-noite. Os
fiscais têm que observar onde os frequentadores vão se sentar, onde vão se
escorar, e se as saídas de incêndio não vão ficar obstruídas por mesas que são
colocadas só no horário de funcionamento. Mas, mesmo que essas
fiscalizações ocorram com frequência, boa parte da segurança vai depender do
dono. Os bombeiros e fiscais podem inspecionar um local, dar o aval, mas logo
depois o dono pode realizar mudanças em sua propriedade por conta própria,
mudanças que só vão ser observadas na próxima inspeção. Quando os proprietários
começam a subverter as regras é que se criam as circunstâncias que levam a uma
tragédia.
Qual a responsabilidade dos servidores, bombeiros e fiscais, que são
negligentes ao liberar ou nem chegam a inspecionar esses
estabelecimentos? Isso é um problema. Nos EUA, existem muitas leis,
seja no âmbito municipal ou estadual, que protegem servidores públicos em casos
de negligência. O caso de Rhode Island foi emblemático. Tínhamos esse fiscal
que inspecionou a boate, elaborou relatório, mas não detectou a presença do
material proibido usado para o isolamento acústico. A cidade acabou sendo
processado pelas vítimas, mas o funcionário foi protegido de ações cíveis e
criminais. Após o incêndio, esse funcionário não foi demitido e nem chegou a
ser preso. Ele chegou a fazer cursos conosco na NFPA. Ele sabe que tem alguma
responsabilidade, se arrepende, mas está protegido por essas leis.
Que mudanças ocorreram nos EUA após o incêndio da boate em Rhode
Island? Houve mudanças nos códigos elaborados pela NFPA. Uma das recomendações
feitas depois do incêndio em Rhode Island e que foi adotada em todo o país foi
obrigar os donos de novas boates a instalar sistemas automáticos de sprinkles
(sistema semelhante a uma pequena ducha instalado nos tetos). Eles funcionam
independentemente da causa do incêndio, seja ela criminal ou acidental e são
automáticos. Também aumentou a rigidez contra a superlotação. Sugerimos ainda
mudanças no desenho e disposição das portas de emergência.
Quais são as primeiras medidas que o governo pode e deve tomar? Como as
autoridades e o público podem aproveitar a comoção causada pela tragédia para
provocar mudanças na segurança desses lugares? Uma tragédia que provoca a
morte de mais de 200 pessoas, muitas delas universitários, desperta a atenção.
O governo precisa aproveitar a reação para reforçar a fiscalização das leis e
regras que já existem. Quando uma tragédia assim ocorre num momento desses no
Brasil, a responsabilidade é ainda maior. O país já está sob holofotes por
causa da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Nenhum turista deveria pensar, depois
de assistir um jogo ou uma prova, ao voltar para o hotel, que é inseguro sair
numa casa noturna do país. Nos EUA, as mudanças foram feitas depois da tragédia
de Rhode Island. As inspeções devem ser reforçadas e os fiscais devem ter ainda
mais autoridade para fechar a boates caso elas apresentem irregularidades. E os
locais devem ser fechados até as coisas serem corrigidas. Claro que os donos
vão ficar chateados e exercer pressão, mas isso vai forçar mudanças.
Falta uma legislação nacional sobre o funcionamento de casas noturnas e
os códigos de incêndio no Brasil. Cada cidade e estado decide quais são as
regras. Existe um problema similar nos EUA? Nos EUA não existe uma
legislação federal. Há apenas sugestões elaboradas por órgãos como a NFPA, que
podem ser adotados pelos estados. Nós não temos poder para obrigar os estados a
adotar essas regras, mas logo depois do incêndio de 2003 muitos estados
adotaram nossas sugestões.
Nos incêndios dos EUA e de Santa Maria, a tragédia foi provocada por um
dispositivo pirotécnico ativado por um membro da banda. As chamas acabaram
atingindo um material isolante altamente inflamável que produziu um gás tóxico
que sufocou os frequentadores. Esse tipo de “espetáculo” deve ser
proibido? Nós elaboramos regras para uso desses equipamentos. São quase 80
condições que levantam questões como: a pessoa que vai operar o equipamento
está habilitada? Há paredes com material inflamável no local? Há extintores de
incêndio? É uma lista extensa. Esse tipo de coisa só é mesmo apropriada em
lugares muito grandes, com o teto alto, espaço aberto. Em apresentações como o
Super Bowl [final do campeonato de futebol americano] artistas se apresentam
com esse tipo de equipamento. Mas, apesar de serem locais fechados, os estádios
e arenas são enormes. A pergunta é: É possível usar pirotecnia em interiores
com segurança? Sim. E se a pergunta for 'em todos os prédios?’ . A resposta é
não. Em Rhode Island, a banda nunca poderia ter usado pirotecnia de uma maneira
segura.
Quais as medidas que o público de casas noturnas e locais similares
pode tomar? Eu imagino que para maioria das pessoas que frequenta boates a
segurança não é uma preocupação. É preciso uma mentalidade similar à que as
pessoas têm em aeroportos, quando veem uma coisa estranha ou têm alguma
suspeita, elas dizem algo. Numa boate, procure onde está localizada a saída secundária
ou qualquer porta. As pessoas devem observar materiais estranhos que podem
estar obstruindo portas. Se o lugar parece suspeito, é o caso de falar para
quem estiver com você ‘eu não estou me sentido seguro aqui’. Sabemos que para
muitas pessoas com 20 e poucos anos isso pode parecer uma preocupação
exagerada, mas gastar um minuto observando isso pode fazer a diferença.
Perfil
Robert Solomon
Especialista em prevenção de incêndios e elaboração de códigos de segurança
Especialista em prevenção de incêndios e elaboração de códigos de segurança
Robert Solomon é ligado à National Fire Protection
Association (Associação
Nacional de proteção a incêndios, ou NFPA), uma organização não governamental
fundada em 1896 e baseada nos Estados Unidos. O grupo reúne seguradoras,
corporações de bombeiros e indústrias que sugerem a elaboração de regras para a
prevenção de incêndios e mudanças na legislação. Muitas dessas regras foram
adotadas por dezenas de estados americanos.
Fonte:
Veja.com - 31/01/2013