Portarias com data retroativa a 31 de dezembro permitem esforço de última hora para atingir superávit, mas minam credibilidade da política fiscal brasileira
Nos
últimos dias de 2012, o Ministério da Fazenda fez uma série de manobras para
aumentar receitas e cumprir a meta fiscal. O governo pôs em prática uma
gigantesca operação de triangulação financeira com o uso do Fundo Soberano do
Brasil (FSB), Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), que garantiu o ingresso de pelo menos 15,8 bilhões
de reais nos cofres em dezembro. O dinheiro reforçou o superávit primário
– a economia feita para pagar as despesas com juros da dívida –, mas minou
ainda mais a credibilidade da política fiscal brasileira.
A
operação consumiu a maior parte dos recursos depositados no Fundo Fiscal de
Investimentos e Estabilização (FFIE) – onde estavam aplicados os recursos do
FSB. O Tesouro resgatou, em 31 de dezembro, 12,4 bilhões de reais do FFIE, reduzindo
o patrimônio para 2,85 bilhões, de acordo com dados da Comissão de Valores
Mobiliários.
Manobras – Portarias do Ministério da
Fazenda, editadas no último dia de 2012, mas publicadas somente nesta
quinta-feira no Diário Oficial da União, revelaram como as operações foram
feitas. A operação começa com o BNDES. O banco comprou ações da Petrobrás
que estavam no FFIE e pagou com títulos públicos. O Tesouro transformou esses
papéis em dinheiro, no valor total de 8,84 bilhões de reais.
Ao trocar os títulos por dinheiro, os recursos foram contabilizados como
"caixa" do governo, engordando as contas públicas. O BNDES
também antecipou mais 2,31 bilhões de reais em dividendos à União. Ao mesmo
tempo, o governo reforçou o caixa do banco, antecipando a liberação da última
parcela – de 15 bilhões – de um empréstimo de 45 bilhões do Tesouro. Esse
dinheiro só seria liberado em 2013.
A Caixa completou as manobras, com antecipação do pagamento de dividendos no
valor de 4,6 bilhões. O banco, que registrou lucro de 4,1 bilhões até setembro,
pagou volume recorde de 7,7 bilhões de dividendos à União em 2012. Para
compensar, o governo aumentou o capital da Caixa em 5,4 bilhões, com ações da
Petrobrás.
Essas manobras, que são conhecidas como "contabilidade criativa",
foram feitas para fechar as contas em dezembro e tentar garantir o cumprimento
da meta fiscal de 139,8 bilhões de reais. O governo recorreu às manobras,
mesmo depois de ter usado outro expediente polêmico: o abatimento dos gastos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta fiscal. Mesmo com o
desconto dos 32 bilhões de reais do PAC, faltavam ainda cerca de 20 bilhões
para cumprir a meta de 2012. Esse valor será alcançado com a ajuda da
engenharia financeira do Tesouro. O valor exato que será usado dos 15,8 bilhões
obtidos com as manobras contábeis só será conhecido no fim do mês, quando o
governo fechar a contabilidade de 2012.
Moribundo – Todo esse malabarismo contábil está
sendo bombardeado até mesmo dentro da área econômica do governo. A avaliação de
importantes integrantes da equipe econômica, ouvidos pelo Estado, foi de que o
Tesouro, desta vez, se excedeu na "contabilidade criativa", minando a
credibilidade da política fiscal. A percepção, segundo essas fontes, é que o
superávit primário pode ter perdido definitivamente seu valor como indicador da
política fiscal.
Além disso, ficou difícil qualquer avaliação sobre a qualidade do resultado,
com influência negativa também sobre as contas públicas em 2013 e nos anos
seguintes. "O superávit primário, que estava moribundo, agora foi
sepultado", disse um integrante da equipe econômica. Uma área
importante do governo avalia que essa maquiagem contábil não faz sentido
econômico e que seria melhor ter reduzido a meta fiscal.
Desde o início de 2012, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do
Tesouro, Arno Augustin, afirmavam que a meta seria cumprida para ajudar o BC na
redução dos juros. O compromisso só foi abandonado depois que o BC reduziu a
taxa Selic para o menor valor da história e indicou a manutenção dos juros por
um "período prolongado". Procurado pelo jornal O
Estado de S. Paulo, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
(com Estadão
Conteúdo)
Fonte: Veja.Abril