Para especialistas, governo deixou para agir no fim de 2012, tomou decisões ruins, como o uso de recursos do Fundo Soberano, e não foi transparente
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Dilma Rousseff, ao optar por subterfúgios fiscais, caminha em terreno delicado (Gustavo Miranda/Getty Images) |
O ano começa com um péssimo presságio para a condução
da política econômica. Analistas ouvidos pelo site de VEJA avaliam que a
decisão de arranjar recursos de última hora para cumprir a meta de superávit
primário de 2012, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), põe em xeque a
credibilidade da política fiscal do país. A avaliação geral é que o governo
federal goza, hoje, de posição orçamentária relativamente confortável - o que
até lhe permitiria fazer um esforço fiscal menor. Bastaria anunciar uma meta menos
agressiva e
justifica-la de forma detalhada. A conjuntura internacional adversa
e os desafios que este quadro impõe à economia doméstica seriam explicações
mais que suficientes, dizem os especialistas. Contudo, a presidente Dilma
Rousseff optou por agir de forma obscura. Seu governo deixou as ações para os
últimos dias úteis de 2012 e tomou decisões inadequadas, como o uso de recursos
do Fundo Soberano do Brasil (FSB). Ao fim e ao cabo, fica a percepção de que o
Brasil caminha para voltar a ser um país em que o improviso e o descaso com a
transparência das contas públicas são, sim, a regra.
Ano desafiador –
Felipe Salto, economista da consultoria Tendências, reconhece a boa intenção do
Palácio do Planalto em reduzir o compromisso fiscal em 2012 para promover
crescimento econômico e controlar a inflação. Ele citou, como exemplo, o fato
de o governo ter zerado a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
(Cide) na bomba de gasolina para que o reajuste no preço do produto não pesasse
no bolso do consumidor. Lembrou também da importância da redução do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) para estimular a indústria. O problema,
segundo ele, é que o governo tomou seguidas medidas sem observar, com inteira
clareza, os efeitos dessas medidas sobre a arrecadação. “Reduzir [impostos e,
consequentemente, a arrecadação] pode ser bom, mas não sem planejamento. O
governo precisa assumir um compromisso efetivo na construção de uma reforma
tributária”, defendeu.
A impressão que o Planalto
transmitiu ao mercado foi que acordou, de maneira muito tardia, para a
distância que teria de percorrer para entregar um superávit minimamente próximo
da meta. Para se ter ideia, ante uma economia anual prometida de 139,8 bilhões
de reais, o governo viu-se em dezembro diante do desafio de arranjar recursos
para cobrir nada menos que 40% da meta.
A melhor saída –
Ante a impossibilidade de entregar o primário prometido, os especialistas
ouvidos por VEJA foram unânimes em afirmar que teria sido melhor ter o governo
utilizado a mais simples das soluções: admitir que o objetivo não seria
cumprido. “O que a presidente poderia ter feito era não cumprir a meta e
justificar. Dizer que o ano foi um ano difícil, por exemplo. Seria mais
transparente, mesmo faltando 50 bilhões de reais para cumprir a meta”, declarou
Raul Velloso, especialista em contas públicas. “É melhor reduzir a meta do que
usar subterfúgios cada vez menos transparentes e de difícil previsão sobre qual
é o real superávit primário”, acrescentou José Marcio Camargo, economista
da gestora de recursos Opus e professor da PUC-Rio.
Para Antonio Corrêa de
Lacerda, professor do Departamento de Economia da PUC-SP, o governo possui
hoje melhores condições para, se necessário, ter de reduzir o esforço fiscal.
Ele explica que, com a queda da Selic, também diminui a pressão por receitas
para equilibrar a dívida porque se gasta menos para financiá-la. “Não vejo isso
como um comprometimento do arcabouço da política macroeconômica. O principal
desafio agora é retomar as condições de crescimento e de investimentos”, disse.
Os especialistas explicaram que o país possui atualmente uma relação de
endividamento enquanto proporção do PIB mais aceitável. Também por isso pode se
dar ao luxo de, em um ano ou outro, não cumprir a meta fiscal – sem que isso
comprometa a saúde das contas públicas.
Fundo Soberano –
Um dos pontos mais criticados nas decisões tomadas na virada do ano para tentar
cumprir, ao menos no papel, a meta fiscal foi o uso dos recursos do Fundo
Soberano. A alternativa foi considerada oportunista e a prova de que o Planalto
perdeu o rigor técnico. “Ninguém vai aceitar isso. Já não engoliram o artifício
de descontar da meta os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). É mais difícil ainda engolir que uma receita que entrou em 2008 possa
ser recuperada e introduzida no fluxo de 2012” , criticou Velloso.
“Usar esse recurso no último
dia do ano de 2012, quando ficou claro que o superávit se deteriorou fortemente,
equivale a uma medida oportunista. Se fosse uma política anticíclica, as
medidas deveriam ter sido previstas no orçamento de 2011 e não pegar todo mundo
de surpresa”, disse Salto. O FSB, após a operação, perdeu 12 bilhões de reais e
hoje conta com capital de 2,85 bilhões de reais.
A triangulação financeira –
com transferência de ações da Petrobras pertencentes ao FSB para o BNDES em
troca de títulos públicos – foi interpretada pelos analistas com uma tentativa
de criar uma peça de ficção. “Querer mostrar algo que não se tem não dá”,
declarou Velloso. Na opinião do especialista, a presidente Dilma, ao não
cumprir o primário proposto no Orçamento, poderia vir a público e explicar
todas as hipóteses que o governo considerou. Ela poderia, por exemplo, ter revelado
quais seriam os possíveis superávits para as diferentes taxas de expansão do
PIB. Contudo, a opção foi por acabar com a transparência.
Conquistas em xeque – A perda de qualidade no planejamento e a opção por
manobras contábeis transmitem aos investidores a mensagem de que as regras do
jogo hoje valem menos. Pior que isso. É cada vez mais presente a percepção de
que consegue quem “chora mais” no colo do governo, como aconteceu, por exemplo,
com a indústria.
Na prática, só o que a
presidente Dilma e sua equipe econômica tem conseguido são quedas consecutivas
na taxa de investimento – a última divulgação do PIB revelou que essa variável
sofreu retração por cinco trimestres consecutivos, num claro sinal de perda de
confiança na economia nacional. Além disso, o governo conseguiu levar o país a
uma inflação média mais alta, em torno de 5,75%.
2013 –
Camargo, da PUC-Rio, acredita que o governo deve cumprir formalmente a meta de
2012 graças às manobras contábeis e já enxerga dificuldades no horizonte. Este
ano já começa, segundo o economista, com nível elevado de gastos e com baixo
crescimento da economia – ele espera um PIB de apenas 2,6% para 2013 –, e sem
sinal claro de que as desonerações tributárias terão redução expressiva. “Já há
sinais vindos do próprio governo que não são positivos sobre a capacidade de
atingir a meta. Eles publicaram uma medida provisória para as empresas públicas
transferirem dividendos ao governo usando expectativas [de dividendos] e não o
resultado efetivo”, alertou.
Diante disso, o professor
aconselhou que o governo se adiantasse e fixasse, desde já, uma meta menor. No
projeto do Orçamento para 2013 – que será votado somente em 5 de
fevereiro – consta, entretanto, o valor de 3,1% do PIB a ser perseguido
como superávit fiscal, isto é, o mesmo valor dos últimos anos. Salto, da
Tendências, diz que reduzir esse porcentual não seria complicado. Bastaria que
o Planalto enviasse ao Congresso um projeto de lei para alterar a lei de
diretrizes orçamentárias (LDO).
Lacerda, por outro lado,
projeta um cenário benigno para os próximos meses. Na avaliação dele, a
situação fiscal do país deve melhorar, uma vez que a atividade econômica se
recuperará e pode até ocorrer de haver aumento no montante destinado ao FSB.
Credibilidade –
O balanço entre a má notícia de 2012 e os planos para este ano revela que a
Presidência da República caminha em terreno delicado no que compete à avaliação
que os investidores – destacadamente os estrangeiros – podem fazer da seriedade
da condução da política fiscal brasileira. “O Planalto mina crescentemente a
credibilidade dos resultados fiscais, que são uma conquista importante do
Brasil. Não consigo imaginar que uma pessoa como a presidente Dilma, que tem
formação econômica, não tenha se dado conta disso”, afirmou Velloso. “Eu faria
o jogo da verdade, pois, nessa seara fiscal, credibilidade é tudo. A gente só sabe
o quão importante é quando a perde”, destacou.
(com
reportagem de Ana Clara Costa, Ligia Tuon e Naiara Infante Bertão)