Recheada
de anúncios, a última edição da Veja esmera-se
em representar à perfeição a mídia nativa. A publicidade premia o mau
jornalismo. Mais do que qualquer órgão da imprensa, a semanal da Editora Abril
exprime os humores do patronato midiático em relação à CPI do Cachoeira e se
entrega à sumária condenação de um réu ainda não julgado, o chamado mensalão,
apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história do País”.
A ligação
entre o inquérito parlamentar e o julgamento no Supremo Tribunal Federal é
arbitrária, a partir das sedes diferentes dos dois eventos. Mas a
arbitrariedade é hábito tão arraigado dos herdeiros da casa-grande a ponto de
formar tradição. Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da
opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão.
Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado
pelo Supremo.
O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à
prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o
vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção.
Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor
da sucursal de Veja em
Brasília, com o infrator enfim preso. Não é o que se espera de um qualificado
integrante do expediente de uma revista pronta a se apresentar como filiada ao
clube das mais importantes do mundo. Pois é, o Brasil ainda é capaz de dar
guarida a grandes humoristas.
Não faltam,
nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do
patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma
despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do
Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT.
É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos
Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão
pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute
midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”. De
graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se
o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o
mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de CartaCapital,
pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo
que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa
2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada
pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de
Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres
Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha
parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros
são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de
sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito
ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames
de consciência entre o fígado e a alma.
Casa-grande e senzala
continuam de pé e, por ora, falta quem se atire à demolição. No fundo, os
graúdos sempre anseiam aparecer no Jornal Nacional e
nas páginas amarelas de Veja. Um convescote promovido por João Dória Jr., de
próxima realização, conta com a presença de 14 governadores. Nem ouso me
referir ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira.
O qual, obviamente, está em ótimas mãos. Igual a Daniel Dantas.
Resta algo
mais, merecedor de destaque e, suponho em vão, da atenção da mídia nativa.
Passou oito anos a agredir o presidente Lula e o agredido contumaz deixou o
governo com quase 90% de aprovação. A presidenta Dilma, embora ex-guerrilheira
não é ex-metalúrgica, e tem merecido alguma condescendente compreensão. Mesmo
assim, se houver oportunidade, não será poupada. Por enquanto, cuida-se, de
quando em quando, de colocar pedras em seu caminho. Não são o bastante, ela
cresce inexoravelmente em popularidade. Não me arrisco a crer que os alicerces
da senzala comecem a ser abalados, já me enganei demais ao longo da vida. Por
parte da mídia, não valeria, porém, analisar os fatos com um mínimo de realismo?