Os
questionamentos são relacionados a independência da instância máxima do Judiciário
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Chefe do Executivo tem interesse na pauta econômica e de costumes do Supremo: 'objetivo é que todos os poderes da República trabalhem em conjunto para resolver problemas', diz(foto: Marcos Corrêa/PR) |
Na tentativa de evitar decisões conflitantes com os interesses do
governo, integrantes do Executivo atuam para influir na pauta do Supremo
Tribunal Federal (STF). Somente nas últimas duas semanas, o presidente Jair
Bolsonaro se encontrou três vezes com o ministro Dias Toffoli, que define a
agenda do plenário da mais alta Corte do país. Em duas ocasiões, eles
discutiram temas em comum, que unem Planalto e o Poder Judiciário. O ministro
da Economia, Paulo Guedes, também conversou, a portas fechadas, com três
magistrados do Tribunal. A proximidade dos Poderes levanta críticas de
parlamentares e de entidades de classe, que veem ameaças à independência do
Supremo.
Após as reuniões com Toffoli, o presidente Bolsonaro afirmou que foi
feito um “pacto” para que todos os poderes da República trabalhem em conjunto
para resolver problemas que atravancam o crescimento do país. O chefe do
Executivo afirmou que um dos temas que foram tratados foi a possibilidade de
que decretos de lei sejam utilizados para revogar outros do mesmo tipo, de
presidentes anteriores. Existe um debate sobre a constitucionalidade desse tipo
de medida. Um exemplo é o desejo de Bolsonaro de extinguir, via decreto,
conforme ele já anunciou, a Estação Ecológica dos Tamoios, entre Angra dos Reis
e Paraty, no Rio de Janeiro, onde, em 2012, o agora presidente foi flagrado
realizando pesca ilegal.
Atualmente, por conta da biodiversidade e da presença de animais
marinhos e terrestres em extinção, a região, considerada sensível, é preservada,
sendo vedado qualquer tipo de ato predatório. Em um evento da Marinha,
Bolsonaro contou detalhes do diálogo com o ministro do Supremo. “Pela manhã,
tomando um café com Dias Toffoli, palmeirense como eu, bem como o Davi
Alcolumbre e o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, eu disse para o
Rodrigo Maia: Com a caneta, eu tenho muito mais poder do que você. Apesar de
você, na verdade, fazer as leis. Eu tenho poder de fazer decretos. Logicamente,
decretos com fundamento, e falei para ele o caso da Baía de Angra, já que
estamos falando de mar aqui. Falei: nós podemos ser protagonistas e fazer com
que a Baía de Angra seja uma nova Cancún”, declarou Bolsonaro.
Impróprio
O ministro Marco Aurélio critica o acordo, e diz que, embora possa
ocorrer no âmbito administrativo, não deve avançar sobre decisões técnicas que
são tomadas pela Corte. “No campo administrativo, muito bem. Agora, no campo
jurisdicional, é impróprio. Nosso pacto é com a Constituição Federal”, afirma.
O magistrado destaca que, até o momento, não vê risco de interferência
do Executivo nos assuntos que são levados ao plenário. “A pauta é fixada pelo
presidente. Geralmente eu formo juízo pelas outras pessoas a partir do que eu
faço. Até que se prove o contrário, não existe motivo para colocar em dúvida a
conduta do ministro”, disse. Ele ressaltou ainda que “o Supremo destaca a
independência atuando e julgando os assuntos”, e citou a autonomia dos Poderes,
prevista na Carta Magna.
Ouvido pela reportagem sobre a condição de anonimato, um outro ministro
diz não ver risco na proximidade entre integrantes do Executivo e do . “Eu não
vejo perigo à independência do STF. Não se está acordando o que será julgado ou
não, e muito menos, os resultados das nossas análises. Não é a primeira vez que
esse tipo de conversa entre os Poderes ocorre”, ressalta.
Reações
Associações de juízes criticaram a divulgação do pacto, que envolve
também o Legislativo, mas ganhou mais força entre o Judiciário e o Executivo.
Em nota, assinada pelo presidente da entidade, Fernando Mendes, a Associação
dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) comentou o apoio de Toffoli à reforma da
Previdência, que tem artigos que, se aprovados, podem ser alvos de ações no Supremo.
“A Ajufe vem a público manifestar sua preocupação com o “pacto” noticiado pela
imprensa, especialmente com a concordância do presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF) à Reforma da Previdência”, diz um trecho do texto da entidade.
“Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais
e da democracia, é possível que alguns temas da Reforma da Previdência tenham
inconstitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país”,
segue o texto.
Em meio a polêmica, Bolsonaro lançou críticas ao Supremo na última
semana, durante um evento na Assembleia de Deus Ministério Madureira, em
Goiânia. Ele afirmou que a Corte está “legislando” ao equiparar o
ato de homofobia ao crime de racismo. “Com todo respeito ao Supremo
Tribunal Federal, eu pergunto: existe algum, entre os 11 ministros do Supremo,
evangélico? Cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que eu quero
misturar a Justiça com religião. Todos nós temos uma religião ou não temos. E
respeitamos. Um tem que respeitar o outro. Será que não está na hora de termos
um ministro no Supremo Tribunal Federal evangélico?”, questionou.
A resposta veio horas mais tarde por parte do ministro Alexandre de
Moraes que, ao rebater as declarações do presidente, falou sobre a necessidade
de proteger as minorias. “Não há nada de legislar. O que há é a aplicação da
efetividade da Constituição, protetiva de uma minoria que no Brasil sofre
violência tão somente por sua orientação sexual. O Brasil é o quarto país do
mundo com maior índice de agressões a pessoas tão somente em virtude de sua
orientação sexual. Não é possível continuar com isso”, rebateu.
Reviravolta
Na última quinta-feira, dois dias depois de se reunir com Bolsonaro, o
ministro Toffoli retirou da pauta da Corte uma ação que trata da
descriminalização do uso de drogas. O tema estava previsto para ser submetido
ao plenário na próxima quarta-feira. Um dia antes de alterar os assuntos
previstos para irem ao plenário, o ministro da Economia, Paulo Guedes, realizou
uma peregrinação pelos gabinetes dos integrantes da Corte. Os assuntos tratados
nos encontros não foram divulgados.
Toffoli declarou que as alterações na agenda do plenário ocorrem em
decorrência do julgamento da constitucionalidade da privatização de empresas
estatais, sem aval do Congresso, que começou a ser analisado às 14h30 da sessão
de quinta e foi encerrado às 16h, ou seja, menos de duas horas depois. Foram
realizadas as sustentações orais (defesa de argumentos) e os votos dos
ministros em relação ao tema serão proferidos nesta semana. A conclusão do
julgamento da criminalização da homofobia e transfobia, que já conta com seis
votos favoráveis, alvo de críticas do chefe do Executivo, também sofreu
alterações. A decisão final sobre preconceito contra homossexuais foi remarcada
para o dia 13 deste mês.
Em debate
Pautas que desagradam ao governo
• Criminalização da homofobia e transfobia
• Legalidade do uso de drogas
• Fim da prisão a partir da 2ª instância
• Demarcação de terras indígenas
Matérias de interesse do Executivo
• Regras para privatização de estatais
• Constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente
• Revisão salarial anual de servidores
• Direito de resposta na mídia
Fonte: Correio Braziliense