O Correio entrevista os procuradores José Bonifácio, Vladimir Aras,
Nivio de Freitas e Lauro Cardoso, quatro dos candidatos a compor a lista
tríplice a ser enviada a Bolsonaro
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(foto: Breno Fortes/CB/D.A Press) |
Na próxima terça-feira (18/6), cerca de 1.300
procuradores e subprocuradores da República vão às urnas participar da escolha
de três nomes que serão indicados ao presidente da República, Jair Bolsonaro,
para o cargo de chefe do Ministério Público Federal. O cargo de
procurador-geral da República é um dos mais importantes do sistema jurídico e
político brasileiro. Além de alinhar ações do Ministério Público, o ocupante
deste posto atua no Supremo Tribunal Federal e em outros tribunais pelo país.
Bolsonaro pode ou não escolher algum dos integrantes da lista tríplice,
organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).
Porém, o modelo, adotado desde 2001, tradicionalmente é seguido pelo chefe do
Executivo.
A maior parte dos procuradores acredita que essa forma de escolha, mesmo sem estar prevista na Constituição, reafirma a independência do Ministério Público e chancela o mandato de quem for indicado. Neste ano, 10 candidatos se lançaram na disputa. Na semana passada, o Correio Braziliense publicou entrevistas com cinco dos pretendentes e, nesta edição, apresenta os demais. Apenas o procurador Mário Bonsaglia não aceitou participar das entrevistas.
A atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pode ser reconduzida ao cargo, de acordo com a escolha pessoal do presidente. Ela não participa da votação como candidata, mas manifestou a intenção de ficar no cargo. Os candidatos falam sobre a Lava-Jato, pautas prioritárias para o MPF e sobre as recentes polêmicas envolvendo o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e procuradores da República no Paraná.
José
Bonifácio
Formado
em direito pela PUC-MG, ingressou no Ministério Público em 1984. Foi
coordenador da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF e atuou em todas as
áreas do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Como
o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
Necessitamos
de maior racionalização do trabalho, com uma preocupação acentuada na
eficiência. Uma das ideias é descentralização da gestão, dando especial atenção
às realidades regionais na concepção de qualquer plano de atuação. Teremos de
fazer mais e melhor com menos recursos.
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Todas as
áreas de atuação do MPF são relevantes, mas deve-se dar mais atenção aos
problemas que são maiores em determinado momento histórico. O combate à
criminalidade e, em especial, à corrupção não deve esmorecer. A Lava-Jato deve
prosseguir. A proteção ao meio ambiente é um tema em que sempre o MPF deverá se
fazer presente. Queremos o progresso econômico de uma maneira sustentável, e
não devemos nos imiscuir nas legítimas escolhas discricionárias do governante
escolhido pelo povo, desde que feitas nos termos da Constituição.
Como vê o futuro da Lava-Jato? Houve erros na condução da operação?
Como vê o futuro da Lava-Jato? Houve erros na condução da operação?
O legado
da Lava-Jato para a construção de um Brasil melhor é inequívoco. Leis,
procedimentos e práticas foram colocados em discussão, técnicas investigatórias
novas foram utilizadas, mas o mais importante é que a operação deixou claro que
certas práticas negociais, eleitorais, administrativas e de política partidária
não são toleradas. Os colegas das forças-tarefas sempre atuaram a partir de sua
compreensão jurídica a respeito dos fatos. Se, eventualmente, essa compreensão
não foi confirmada por algum órgão do Judiciário, isso faz parte do nosso
sistema processual, sem que se possa pensar em erro do MPF.
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Não cabe
ao PGR ou a quem pretenda ocupar este cargo fazer apreciações de ordem política
sobre o governante do momento. O MPF é um órgão do Estado, que atua de forma
impessoal e imparcial no cumprimento da Constituição. O que cabe ao PGR é,
utilizando o instrumental legal que tem disponível, exercer ações de controle
de constitucionalidade e de legalidade das ações governamentais, segundo os parâmetros
estabelecidos na Constituição.
É necessário maior proximidade ou distanciamento do Executivo com o MPF diante de denúncias e prisões que recaíram sobre os últimos ocupantes da presidência da República?
É necessário maior proximidade ou distanciamento do Executivo com o MPF diante de denúncias e prisões que recaíram sobre os últimos ocupantes da presidência da República?
Não se pode trabalhar a partir de anomalias do sistema. O presidente da República, seja quem for, é o primeiro magistrado da nação, e a ele são devidas certas honras protocolares, e dele também se espera um comportamento à altura. É preciso reconhecer a legitimidade democrática do presidente eleito, e o respeito que se deve a esse cargo, que, obviamente, não se traduz em subserviência. O MP é um órgão do Estado e não se vincula a governos. A relação com o Executivo deve se dar no plano estritamente institucional, no estrito cumprimento das leis e da Constituição.
Vladimir
Aras
Doutorando
em direito, mestre em direito público pela Universidade Federal de Pernambuco.
É professor-assistente de direito penal na Universidade Federal da Bahia.
Ingressou no Ministério Público em 1993 e atualmente é procurador regional da
República, em Brasília.
Como o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
Como o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
É preciso
remodelar unidades para haver maior especialização, e melhorar a governança
para economizar recursos públicos. No plano externo, podemos avançar na
coordenação com as polícias, a DPU, a AGU, a CGU. Pretendo instalar novas
unidades no gabinete do PGR: uma para cuidar de assuntos estratégicos na
preparação da instituição para o futuro; outra para cuidar de compliance
interna e integridade; e uma terceira para lidar com a proteção de dados.
Haverá ainda uma secretaria nacional de perícias, para apoiar os procuradores
espalhados pelo Brasil. E é fundamental estabelecer um diálogo mais qualificado
com o Congresso, o Poder Judiciário, a OAB e a sociedade civil.
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Sem
dúvida, a promoção da educação e da saúde pública de qualidade, a luta contra o
crime organizado (inclusive o transnacional) e a criminalidade violenta, e a
atuação contra a corrupção e a lavagem de dinheiro são as maiores prioridades
do Brasil.
Como vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação desde 2014?
Como vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação desde 2014?
A
Lava-Jato é emblemática pelos números, pela quantidade de países atingidos,
pelas pessoas cujos crimes foram provados, pela natureza intrincada dessas condutas,
muitas delas muito entranhadas na vida pública brasileira. Boas práticas
recomendadas por organizações internacionais, órgãos de investigação de outros
países e por estudiosos foram empregadas. Várias lições, aprendidas nesses mais
de cinco anos, devem ser aproveitadas em casos futuros para o aperfeiçoamento
do MPF e de outros órgãos de investigação e controle.
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
A
Constituição veda aos membros do MP fazer manifestação de cunho político-partidário,
seja para criticar governantes ou para elogiá-los. Posso dizer, porém, que, ao
avaliar o projeto de lei anticrime, achei boas as propostas para aprofundar o
modelo de justiça consensual, por meio de acordos penais e não penais; o foco dado
ao aperfeiçoamento da investigação criminal, com introdução dos bancos de dados
multibiométricos e melhoria do banco nacional de perfis de DNA forense; e a
introdução da figura do whistleblower. Essas medidas e as propostas pela
comissão presidida pelo ministro Alexandre de Moraes podem trazer um salto de
qualidade para a justiça criminal.
É necessário maior proximidade ou distanciamento do Executivo com o MPF diante de denúncias e prisões que recaíram sobre os últimos ocupantes do Executivo?
É necessário maior proximidade ou distanciamento do Executivo com o MPF diante de denúncias e prisões que recaíram sobre os últimos ocupantes do Executivo?
O MP tem de dialogar constantemente com os poderes eleitos, num relacionamento público, transparente e institucional. Por isso, pretendo reestruturar a Secretaria de Relações Institucionais da PGR para que possa melhorar a articulação com os poderes Executivo e Legislativo.
Nívio de
Freitas
Subprocurador-geral
da República; Coordenador da Câmara de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural; membro da força-tarefa dos subprocuradores-gerais que atuam nos
processos da Lava-Jato perante o STJ e membro do Conselho Superior do MPF.
Como o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
Como o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
Em função
do quadro de fortes restrições orçamentárias, temos discutido como melhor nos
aparelharmos tecnicamente para termos meios de instruir nossas atuações,
especialmente nas áreas de promoção criminal de defesa da sociedade na tutela
coletiva. Estamos discutindo como reduzir custos, nos fazermos mais presentes e
atuantes e estabelecer prioridades de atuação.
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Quais devem ser as prioridades do MPF?
É sempre
importante delinear que não cabe ao Ministério Público se imiscuir em políticas
de governo. Estas seguem o princípio da maioria qualificada no processo
eleitoral democrático das eleições. Nossa atuação se dá apenas no quadro das
políticas de Estado fixadas em normas constitucionais e legais. Incumbe ao MP a
defesa da sociedade, da cidadania, do meio ambiente, das populações indígenas e
tradicionais, e, ainda, saúde e educação.
Como o senhor vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação?
Como o senhor vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação?
As
forças-tarefas são instrumentos de atuação vocacionados ao enfrentamento de
questões pontuais, complexas e graves. Enquanto não exaurido o seu objeto, ela
continuará sua missão, que não é permanente. Devemos consolidar a expertise
adquirida ao longo dos trabalhos, instituindo um Núcleo de Apoio Operacional,
sediado provavelmente em Brasília, para dar suporte à atuação dos procuradores
da República. Ainda que tenha havido eventuais erros, estes seriam de menor
relevo diante do gigantismo dos acertos.
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Não me
cabe, como membro do Ministério Público, fazer avaliações sobre o desempenho de
qualquer dos Poderes.
Como avalia o episódio da divulgação dos diálogos envolvendo o ministro Sergio Moro quando era juiz, e os procuradores da Lava-Jato?
Como avalia o episódio da divulgação dos diálogos envolvendo o ministro Sergio Moro quando era juiz, e os procuradores da Lava-Jato?
Houve grave violação da garantia constitucional do sigilo das comunicações das mencionadas autoridades, e verdadeira afronta aos princípios democráticos e republicanos. Sequer se deve perquirir acerca do teor das supostas conversas, pois nada remanesce da ilícita captura das mesmas. Contudo, o que verifico dos supostos textos, ainda por cima descontextualizados, é a demonstração da higidez da atuação do ex-juiz e dos procuradores. Por força da complexidade, gravidade e extensão das investigacoes, incumbia ao magistrado atuar com zelo e acompanhar pari passu a necessidade de embasamento fático e jurídico dos pedidos apresentados pelo MP. Nada mais normal e corriqueiro que as mencionadas autoridades conversem sobre tais ocorrencias. Advogados igualmente conversam com autoridades judiciais.
Lauro
Cardoso
Antes de
ingressar na carreira, foi promotor de Justiça, delegado de polícia no Distrito
Federal e oficial das Forças Especiais do Exército Brasileiro. Coordenou a
implantação do projeto de modernização e do planejamento estratégico do MPF
Como o Ministério Público pode melhorar sua atuação?
Defendo a
construção de um MPF independente e moderno, que denomino de MPF 4.0, em alusão
à era digital e às novas tecnologias. Pretendo automatizar as rotinas,
aprimorar as estruturas de investigação e promover um modelo de organização
adequado ao sistema acusatório e à efetiva proteção dos direitos humanos. Vamos
estabelecer diretrizes de atuação finalística nas diversas áreas temáticas.
Queremos reorganizar as procuradorias nos municípios, garantindo mobilidade aos
servidores em unidades de fronteira e de difícil provimento. As estruturas
serão reforçadas.
Quais devem ser as prioridades do MPF?
Quais devem ser as prioridades do MPF?
O MP deve
contribuir com o combate permanente à corrupção e a melhoria da segurança
pública, com a repressão ao crime organizado, à lavagem de dinheiro, ao tráfico
internacional de armas e de drogas, aos crimes transnacionais e aos praticados
em região de fronteira, atuando em parceria com as demais autoridades,
inclusive de países vizinhos. Também são objetivos o aperfeiçoamento da atuação
extrajudicial da PGR, com incentivo à mediação e à conciliação na solução de
conflitos relacionados ao meio ambiente e à proteção dos direitos indígenas e
de comunidades tradicionais; e priorizar a proteção dos direitos humanos.
Como vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação?
Como vê o futuro da Lava-Jato? Ocorreram erros durante a condução da operação?
As ações
da Lava-Jato têm sido essenciais ao aperfeiçoamento das instituições, à
proteção da livre concorrência, ao fortalecimento do regime democrático e à
realização da Justiça. Devemos disseminar as boas práticas da Lava-Jato em todo
o país.
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
Como avalia, até o momento, o governo do presidente Jair Bolsonaro?
É muito
cedo para avaliar. O governo assumiu há menos de seis meses e se deparou com
grandes desafios. Há grande expectativa da sociedade por mudanças,
principalmente em relação à segurança pública e ao combate à corrupção. Nesse
sentido, vejo uma disposição muito clara do atual governo, bem como um discurso
objetivo pelo desenvolvimento econômico do País. É preciso tempo para atingir
os objetivos. Torço para que tenha sucesso.
Se confirmadas, as conversas entre Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol colocam em dúvida a imparcialidade do ministro quando magistrado? Revelam conduta inadequada dos procuradores?
Se confirmadas, as conversas entre Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol colocam em dúvida a imparcialidade do ministro quando magistrado? Revelam conduta inadequada dos procuradores?
Tenho plena confiança no trabalho dos colegas da Lava-Jato, mas não posso me manifestar sobre o caso concreto, vez que, como PGR, ainda poderei ter que me pronunciar oficialmente sobre o tema. É preciso aguardar para ver do que se trata, principalmente em razão da divulgação parcial e descontextualizada das mensagens. O que está claro é que os colegas foram vítimas de um ataque criminoso, com a violação de seus dados pessoais e a divulgação de conversas privadas.
Fonte:
Correio Braziliense