Mais
do que o habeas corpus, os ministros vão avaliar a conduta do ministro da
Justiça, Sérgio Moro, quando ele ocupava a cadeira de titular da 13ª Vara
Federal de Curitiba
![]() |
(foto: Nelson Almeida/AFP) |
Na última semana completa antes do recesso
forense no Supremo Tribunal Federal, os cinco ministros da Segunda Turma se
reúnem nesta terça-feira (25/6), a partir das 14h, para definir o futuro do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais do que julgar o habeas corpus apresentado
pela defesa do petista, os ministros vão avaliar a conduta do ministro da
Justiça, Sérgio Moro, quando ele ocupava a cadeira de titular da 13ª Vara
Federal de Curitiba. Essa será a primeira vez que a Corte se manifestará sobre
o caso desde que uma série de mensagens trocadas entre Moro e procuradores da
força-tarefa da Lava-Jato no Paraná vieram à tona. Além de ter força para impactar
em outras ações penais que estão em curso no âmbito da operação, a decisão pode
ter forte impacto político.
Dois ministros, Edson Fachin e Cármen Lúcia, já
votaram contra o pedido de liberdade, mas podem mudar de opinião durante o
julgamento, embora não seja comum. O recurso foi apresentado no ano passado,
quando Sérgio Moro aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro para ocupar o
Ministério da Justiça. Para os advogados do petista, este fato, em si, já
aponta que, quando ainda ocupava a cadeira de magistrado, Moro atuou motivado
por interesses políticos e ideológicos. Um outro habeas corpus, com alegações
parecidas, foi apresentado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aguarda
apreciação por parte da Quinta Turma da Corte.
Em um requerimento protocolado há duas semanas,
os advogados de Lula enviaram ao Supremo conversas publicadas pelo site The
Intercept que sinalizam que Moro orienta o Ministério Público sobre atos
relacionados à ação penal do ex-presidente. Em um dos momentos, o ministro
chega a indicar uma testemunha de acusação para o procurador Deltan Dallagnol,
coordenador da Lava-Jato no Paraná. Em outro trecho, o então juiz critica a
procuradora Laura Tessler. Dallagnol repassa a reclamação ao procurador Carlos
Fernando e, a partir daí, ambos passam a falar em deixá-la afasta de algumas
atividades, inclusive do julgamento do ex-presidente Lula.
Reação
do MPF
Todos os fatos são contestados pelos
procuradores. Em nota pública, o MPF no Paraná afirmou que os fatos narrados
são inverídicos e que Laura, por meio de uma “atuação firme, técnica e dedicada
contribuiu decisivamente para a condenação, somente nesse caso, de 13 réus
acusados de corrupção e lavagem de dinheiro a mais de 90 anos de prisão,
incluindo o ex-ministro Antonio Palocci. Laura está na equipe da Lava-Jato
desde 2015. Em 10 de março de 2017, ela participou das audiências dos
ex-ministros Henrique Meirelles e Luiz Fernando Furlan, apresentados como
testemunhas do ex-presidente Lula durante o processo relacionado ao tríplex do
Guarujá (SP) — que resultou na prisão e condenação do petista.
Laura não fez nenhuma pergunta às testemunhas,
e ficou em silêncio durante o julgamento. Meireles e Furlan disseram que não
viram nenhum ato de Lula, durante seu mandato presidencial que representasse
ilegalidade. Três dias depois, ela foi alvo das críticas de Sérgio Moro. Em 10
de maio de 2017, Lula prestou depoimento à Justiça. A audiência foi filmada em
vídeo, a pedido da defesa, e Laura não estava entre os integrantes do
Ministério Público que foram escalados para compor a equipe de acusação.
No meio jurídico existe a discussão sobre o uso
de provas com origem ilegal, como vazamentos de conversas pessoais, por
exemplo. Grande parte dos especialistas concordam que documentos com esta
origem não podem ser usados para punir juiz, procuradores e outras partes
envolvidas. No entanto, se questiona o uso em benefício do réu.
Voto
de minerva
Embora os votos de Fachin e Cármen Lúcia possam
mudar, esse fato é improvável. Então, a decisão fica a cargo de três ministros,
Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mandes, que também integram o
colegiado da Segunda Turma. Gilmar e Lewandowski têm um perfil garantista, por
isso, a tendência é que votem pela concessão do habeas corpus. Em julgamentos
anteriores, Gilmar não poupou críticas à força-tarefa da Lava-Jato.
No entanto, o ministro Celso de Mello costuma
se ater mais aos documentos que estão no processo, afastando influências
externas, como reações políticas, fatos narrados na imprensa ou clamor popular
acerca dos temas. O
voto dele será decisivo para decidir se o ex-presidente Lula fica preso ou se
conquistará a liberdade. A advogada constitucionalista Vera Chemim,
especialista em analisar casos em apreciação no Supremo, afirma que o habeas
corpus é fraco juridicamente. “Do ponto de vista jurídico, esse habeas corpus
não vai prosperar. Do ponto de vista processual penal, a prova é ilícita. Por
mais que se alegue a suspeição do Moro, não temos provas robustas. Como
ligações telefônicas e delações que comprovam a culpabilidade. A menos que haja
uma influência política na Segunda Turma, não vejo esse habeas corpus
prosperar”, disse.
O jurista Flávio Leão Bastos Pereira, professor
de direito constitucional de Universidade Presbiteriana Mackenzie, tem uma
opinião divergente. Ele entende que as mensagens mostram clara parcialidade
tanto de Sérgio Moro quanto dos procuradores, mas ressalta que seria
interessante avançar para atestar a veracidade das conversas. “Se verídicas, as
mensagens podem comprometer se não em todo, pelo menos em parte, tudo o que foi
feito até aqui por parte do julgamento do ex-presidente Lula. A imprensa é um
meio lícito de divulgação dessas conversas. O que pode não ser legal é a
origem, caso tenha ocorrido por meio de invasão de celulares. No entanto, mesmo
provas ilícitas podem ser usadas para beneficiar o réu. Se comprovadas, essas
mensagens revelam uma conduta que vai muito além da relação comum entre
procurador e juiz. Acredito que vão influenciar no julgamento, talvez não
neste, mas em outros que ainda devem ocorrer”, destaca o professor,
acrescentando que se o habeas corpus for negado, é possível apresentar pedido
semelhante com novas provas.
Fonte: Correio Braziliense