Recém-eleito
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o arcebispo de Belo
Horizonte diz que comissão que trata da pedofilia na Igreja trabalha com
rapidez. Também afirma que as reformas são necessárias - desde que os mais
pobres não sofram
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(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press) |
A voz pausada, o discurso calmo e o direcionamento
de qualquer palavra para falar de Deus mostram bem a conduta de dom Walmor
Oliveira de Azevedo na sua função: a de um pastor que leva ovelhas em um
caminho tortuoso e com o clima extremamente instável. A metáfora aponta para a
responsabilidade que ele assumiu há algumas semanas, ao ser escolhido como novo
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organização
antes conduzida por dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília. Dom Walmor tem
a consciência da polarização que toma conta da Igreja Católica, do Brasil e do
mundo. Mesmo assim, não perde o controle.
Não existe exemplo maior que as denúncias de abusos
de menores contra o clero. Dom Walmor não titubeia: “Para nós, na Igreja, em
sintonia profunda com o papa Francisco, é tolerância zero”. Também não se furta
de falar de polarização ou questões polêmicas, como aborto e homossexualidade.
Ele esteve em Brasília na semana passada e conversou com o presidente Jair
Bolsonaro. E, claro, o assunto das reformas — principalmente a previdenciária —
surgiu na conversa.
“A CNBB, como Igreja, não se coloca contra reformas.
As reformas precisam existir: previdenciária, tributária, fiscal, no âmbito do
governo, no próprio Judiciário”, definiu o baiano de 65 anos, doutor em
Teologia Bíblica e mestre em Ciências Bíblicas, e que tem como lema episcopal
uma mensagem forte: “Para cuidar os feridos no coração”. “Eu escolhi esse lema
por compreender o meu ministério, como padre, que a humanidade tem muito
sofrimento, muita dor, e todo o mundo procura sua cura. E a cura está em
Cristo”. Confira os principais trechos da entrevista com o religioso.
O senhor declarou que orou para não ter o desejo de
se eleger presidente da CNBB, durante a escolha. Agora, tem um trabalho árduo
até 2023. Com essa oração em mente e muitas outras que o senhor fez desde
então, por que o senhor acha que foi escolhido para a função?
Com muita simplicidade de coração, sem nenhum
sentido de vaidade, considero que os irmãos bispos me escolheram por confiarem
em mim, por conhecerem a minha seriedade no trabalho missionário de igreja, por
valorizarem minha experiência e meu conhecimento, e o modo como, naturalmente,
eu conduzo, como primeiro servidor, a Arquidiocese de Belo Horizonte. Ao
considerarem esse conjunto e este momento que nós estamos vivendo, eu estou
convencido de que, por essas razões, eles escolheram me colocar nessa enorme
responsabilidade. Eu não a desenvolvo sozinho, mas colegialmente com todos os
bispos do Brasil, a partir do trabalho que certamente é o mais importante:
aquele que se faz em cada diocese, em cada paróquia, em cada comunidade e, por
conseguinte, que nós precisamos a partir daqui da CNBB.
O senhor participou agora do Conselho Episcopal
Pastoral, a primeira reunião com a nova direção. Já há algo de concreto de
planos da CNBB?
Nós trabalhamos aqui, sobretudo, ouvindo e abrindo
pistas e caminhos para as 12 comissões episcopais e pastoral. Vamos dar mais um
passo, em junho, quando teremos a reunião de mais um órgão, depois da
Assembleia-Geral, o mais importante, que é o Conselho Permanente, trazendo aqui
os bispos presidentes das 12 comissões episcopais, comissões especiais e,
sobretudo, a importante presença dos presidentes dos 18 regionais e seus
representantes, para delinearmos concretamente o que vamos fazer no horizonte,
no grande objetivo geral, que é evangelizar o Brasil, cada vez mais, para
formar discípulos à luz da palavra de Deus, anunciando o Evangelho, à luz da
opção preferencial pelos pobres, formando discípulos e cuidando da casa do
Senhor. Esse é o grande horizonte do nosso trabalho.
O senhor falou da opção preferencial pelos pobres,
algo muito trabalhado pela teologia da libertação, que é um movimento
relacionado à esquerda. Mas sua fala não é ideológica, é?
Quando nós falamos da opção preferencial pelos
pobres, não estamos falando como sociólogos, nem como aqueles que atuam nos
segmentos da sociedade, por exemplo, governamentais, em tarefas específicas.
Nós estamos falando de algo que é intrínseco à fé: o amor aos mais pobres, a
defesa daqueles que são mais frágeis, a luta e o trabalho para que a sociedade
seja mais justa, fraterna e solidária. Se alguém disser — e a palavra de Deus é
muito clara nisso — que crê, mas não faz nada por aquele que precisa, então, a
sua fé não é autêntica.
O senhor assume a presidência da CNBB em uma época
muito difícil no Brasil, seja na religião, seja na política, seja na sociedade,
com polarizações. Como o senhor vê essa divisão, tanto na sociedade como dentro
da própria Igreja?
O nosso mundo é um mundo de grandes e velozes
mudanças culturais. Por isso mesmo, não estamos conseguindo, como mundo e
também como sociedade brasileira, dar conta de administrar, na velocidade e na
complexidade, todas essas mudanças. Entendo que é daí que vêm as polarizações.
Não se dá conta de ver o que mudou, o que é preciso dar como nova resposta, o
que é preciso, de fato, resgatar dos valores que às vezes foram negociados,
perdidos ou deles distanciados. E isso afeta internamente a Igreja também, que
está no coração do mundo, como afeta instituições governamentais e da sociedade,
afeta a família, afeta cada cidadão. O caminho, pensando na sociedade plural, é
o caminho do diálogo. O caminho, portanto, de qualquer tipo de polarização, é
um desserviço à sociedade, é um distanciamento da verdade e é uma
impossibilidade de construção daquilo que é preciso. Por isso, é importante o
diálogo. E o diálogo para nós, cristãos, tem sua fonte e seu embasamento no
Evangelho de Jesus Cristo. Por isso, gosto sempre de me referir ao Evangelho de
Mateus, capítulo 5 a 7: o Sermão da Montanha. Aí, o diálogo não é um diálogo
demagógico, não é um diálogo interesseiro, mas é um diálogo marcado pela força
do amor.
Por falar em diálogo, havia também a expectativa de
uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro. Como será essa conversa?
Exatamente hoje (a entrevista foi realizada na
última quarta-feira, 29 de maio), os quatro membros da presidência (da CNBB) —
o presidente, os dois vices (dom Jaime Spengler e dom Mário Antônio da Silva) e
também o secretário-geral (dom Joel Portella Amado) —, tivemos uma visita muito
cordial com o presidente Bolsonaro, na qual fomos muito bem recebidos e
dialogamos de maneira muito sincera, honesta. Um diálogo cordial, compreendendo
que a Igreja está no coração do mundo, como Igreja servidora do Evangelho, para
ajudar a defender os princípios que são irrenunciáveis e fundamentais para a
sociedade avançar, com as nossas muitas preocupações, sobretudo com aqueles que
sofrem mais, aqueles que têm menos condições. Convencidos de que precisamos de
muitas reformas e, sobretudo, uma compreensão lúcida para que as reformas
possam ser justas, possam, de fato, empurrar o Brasil na direção que ele
precisa ir e, de modo especial, levando em conta aqueles que precisam mais de
nós.
Vocês falaram especificamente sobre a reforma da
Previdência?
Na verdade, nós falamos, sobretudo, da relação
igreja/governo, como é importante falar da relação entre a igreja e outros
segmentos importantes da sociedade, nesse diálogo, no qual a igreja tem, pode e
deve trazer a sua grande contribuição na força moral do Evangelho, na defesa de
valores, na proposta de valores que possam reordenar o caminho da vida. Nós
estamos abertos. O presidente se colocou, com alegria, aberto para o diálogo.
Nós queremos dialogar em uma sociedade que é complexa, que é muito exigente.
Mas, como disse há pouco, o único caminho é o diálogo, para que, pela força do
diálogo, à luz de valores que professamos, consigamos a lucidez necessária para
encontrar o caminho para dizer o sim, para dizer o não, para escolher
adequadamente.
Pouco antes da eleição do senhor, a CNBB, de certa
forma, se colocou contra a reforma da Previdência, porque afetaria os mais
pobres. A CNBB tem uma posição oficial agora, após a conversa?
A CNBB, como Igreja, não se coloca contra reformas.
As reformas precisam existir: previdenciária, tributária, fiscal, no âmbito do
governo, no próprio Judiciário. Muitas reformas precisam acontecer. Aliás, a
nossa vida só vai adiante quando nós nos dispomos a fazer reformas para dar as
respostas aos novos tempos. O que compartilhamos com grande preocupação é
exatamente essa (de afetar os mais pobres) e tem que ser um conceito na
sociedade: fazer reformas para que a sociedade seja justa, fraterna e
solidária, e nunca se penalize aqueles que são mais pobres. As reformas são necessárias,
por isso, precisamos de muito diálogo, de muita luz do Espírito Santo de Deus,
para que o passo dado seja um passo para o bem do conjunto da sociedade, de uma
sociedade assentada sobre valores como são os valores cristãos e que são
fundamentais e determinantes para um mundo novo.
Mas algumas reformas dentro da própria Igreja
Católica são mais delicadas, como a questão do abortoou da homossexualidade.
Claro, há conceitos dentro da instituição que não serão mudados, como a defesa
da vida...
As reformas são necessárias e elas têm um caminho
para serem feitas, porém, elas não podem sacrificar valores que são
inegociáveis. A Igreja tem que avançar. Ela se reforma internamente, por isso,
a gente diz que a Igreja está sempre se reformando. Mas ela não pode ser
reformar, assim como sociedade não pode ser reformar, como as instâncias não
podem ser reformadas abrindo mão de princípios que são inegociáveis. Na medida
em que nós não abrimos mão de valores inegociáveis é que nós encontraremos a
luz e o caminho para a reforma que se precisa, com as respostas adequadas e que
são exigidas.
Por outro lado, o papa Francisco fala muito de um
novo tipo de Igreja, com os braços abertos. Isso mexe com a situação, por
exemplo, dos homossexuais, que querem fazer parte da Igreja Católica. Como isso
é visto dentro da CNBB?
A Igreja é uma casa de portas abertas para todos os
seus filhos e filhas, desde aquele que está fortalecido, aquele que tem
condições de uma resposta mais próxima do que o Evangelho nos pede, até aqueles
que estão caídos. Por isso, o papa Francisco usa uma expressão muito bonita: a
Igreja é um hospital de campanha. Ela tem que se debruçar sobre todas as
pessoas. Ao debruçar-se sobre as pessoas, é como ele mesmo diz: ‘Prefiro uma
Igreja enlameada do que limpa e distante das pessoas’. A única coisa importante
que nunca vai acontecer é a gente abrir mão dos valores, do ideal de santidade,
de uma vida adequada, justa, na moralidade. Portanto, não se discrimina
absolutamente ninguém, mas nós estamos também nos debruçando sobre nós mesmos,
sobre os outros, sobre aqueles que estão caídos pelo caminho. Mas nós não
abrimos mão dos nossos valores, até porque é na força desses valores que nós
nos resgatamos e encontramos a sabedoria para o caminho.
Sobre a questão dos abusos por parte de padres e
bispos, o papa Francisco está sendo cada vez mais duro. A CNBB vai seguir o
mesmo caminho?
Quando se trata de abuso de menores — embora, ao se
considerar a porcentagem na sociedade em relação aos consagrados, ela é bem
menor, quase insignificante diante de tudo o que tem acontecido,
lamentavelmente, e é um cuidado que o conjunto da sociedade precisa tomar e
olhar —, para nós, na Igreja, em sintonia profunda com o papa Francisco, é
tolerância zero. Por isso, nós estamos em um caminho muito importante, com
trabalho acelerado de uma comissão para tratar da tutela de menores, exatamente
para orientar procedimentos jurídicos e canônicos, de como fazer em cada
diocese, o passo a passo. E, ao mesmo tempo, tratando, ouvindo e apoiando
vítimas, para que a Justiça seja feita e a recuperação e o alento às pessoas
que sofreram — e que, para nós, é lamentável — possam ter, de nossa parte, uma
presença solidária. É uma aposta de recompor vidas e corações, que é uma tarefa
muito importante, porque, para a Igreja, nada é mais importante, na sua missão,
do que cada pessoa, cada homem, cada mulher, a humanidade como um todo. Por
isso, tolerância zero. E nós estamos trabalhando. Esperamos concluir um
trabalho acelerado, da mais alta importância, para que nós possamos agir em um
horizonte das orientações e das determinações que nos vêm do papa Francisco.
Fonte: Correio Braziliense