A página foi criada após trote em São Paulo: basta de
humilhações.
Seis alunas da Universidade de Brasília criam em uma
rede social a página Fiu Fiu UnB e recebem vários relatos de abusos e
grosserias. As estudantes de ciência política da UnB reuniram 3,3 mil
seguidores da iniciativa em uma semana...
Seis alunas de ciência política da Universidade de
Brasília (UnB) se cansaram das agressões e das cantadas grosseiras nos
corredores da instituição e se uniram para denunciar os abusos. A página Fiu
Fiu – UnB, criada no último dia 12 em uma rede social, tem a proposta de publicar
relatos anônimos, a princípio sobre
fatos acontecidos no câmpus.
Em alguns dias, o tema se expandiu para traumas de
infância e de adolescência, além das denúncias de outras brasilienses (leia Dor
e revolta). “A ideia da página é, inicialmente, ser um espaço de desabafo. Quem
não tem como confiar nos pais ou nos amigos, encontra nela um espaço para ser
anônimo, com segurança”, comenta Luíza Lucchesi, de 19 anos, uma das
responsáveis pela iniciativa. Em uma semana, conseguiram mais de 3,3 mil seguidores.
Mesmo que não seja uma denúncia oficial, a Fiu Fiu
serve para acolhimento e aconselhamento. Em diversos relatos, as mulheres
afirmam se sentirem culpadas pelo que sofreram, como se elas tivessem provocado
as agressões. Nos comentários, encontram palavras de apoio. “Acho muito
importante ter esse espaço em que as experiências negativas, de muita dor e
sofrimento, sejam tornadas públicas. Não é para transformar em espetáculo, mas
socializar o sentimento com outras tantas pessoas que sofreram de maneira
semelhante”, opina a professora Lourdes Maria Bandeira, do Departamento de
Sociologia da UnB.
Outra característica marcante dos depoimentos é que
boa parte das vítimas descreve como se vestia no momento do abuso: contam que
estavam usando shorts curtos, minissaias, decotes, como se fossem esses os
motivos da agressão. E, depois dos episódios, contam que pensam duas vezes no
que usar antes de sair de casa. O medo de não poder estar à vontade atinge até
mesmo as seis criadoras da Fiu Fiu. “Venho para a universidade de calça
comprida e visto um short quando chego aqui. Na volta, coloco de novo a calça
para entrar no ônibus”, relata Amanda Oliveira, de 19 anos.
A ideia da página surgiu quando Beatriz viu a notícia
de um trote vexatório em São Paulo, em que calouras teriam que simular sexo
oral com bananas. As aulas na UnB começam no próximo dia 10 e um grande
objetivo das criadoras da página é tornar o movimento forte ao ponto de coibir
trotes violentos e conscientizar os veteranos. “As pessoas não têm o incentivo
de romper com a cultura do trote depreciativo da mulher: elas só passam isso
para a frente”, comenta Amanda. O grupo acredita que falta à universidade uma
postura mais firme em relação à coerção desse tipo de violência contra os calouros.
A assessoria de Comunicação da UnB informou que não
existem diretrizes específicas, mas há um código de conduta que deve ser
respeitado por todos. No Guia do Calouro, aparecem detalhadas as regras de
convivência na instituição. Nele, a UnB alerta que “quer deixar para trás atos
que agridem, sujem, humilhem e estabelecem relações de poder e de autoridade
entre iguais. A ideia é eliminar todas as formas de preconceito e assegurar o
respeito à diversidade e à proteção ao patrimônio público, além de preservar
valores éticos de liberdade, igualdade, fraternidade e democracia. Tudo isso
para que estudantes, professores e servidores vivam a universidade com
respeito.”
Além disso, prega-se a proibição do trote “ou
qualquer outra forma de violência que submeta o calouro ou outro membro da
comunidade acadêmica a ações que lhe atinjam a integridade física ou psíquica”.
Dor e revolta
Confira alguns relatos anônimos publicados na página
na última semana:
Sempre fui um pouco mais alta do que a média e com o
tempo (não sei se foi pela altura) desenvolvi um belo corpo. Não vou me gabar
disso, mas também não vou me envergonhar! Sou muito tímida e, no primeiro dia
de aula, ouvi certos comentários. Depois, na fila do Restaurante Universitário,
havia um grupo de garotos avaliando as garotas que passavam na fila. Depois, eu
passava entre a agronomia e o Instituto de Geociências e aqueles comentários
vinham. Passei a evitar certos caminhos, deixei de usar shorts e roupas mais
confortáveis. A minha mãe falou que eu nunca deveria usar shorts ou saia na rua
mesmo, pois isso estimulava uma ação mais grosseira. Será que a culpa é
realmente minha? Será que, se algo acontecesse comigo, primeiro olhariam a
minha roupa?”
Eu morava na 402 Sul e uma amiga na 203 Sul, uma bem
pertinho da outra. Era carnaval, cerca de 14h, e o Galinho já estava no
aquecimento. Eu tinha 15 anos, estava andando com a minha amiga até a casa dela
para nos arrumarmos para a festa. Enquanto estávamos andando, distraídas, um
rapaz apertou a minha bunda com as duas mãos e com toda a força que ele tinha.
Como eu estava usando um short de tecido bem fininho, eu fiquei marcada.
Machucada e assustada. Ele estava bêbado, eram duas meninas novas sozinhas,
carnaval... Era o meu corpo, o meu direito, a minha privacidade. Fim de festa.
Não tive coragem de voltar para o carnaval.”
Há um ou dois anos, eu estava saindo da UnB, passando
pelo Centro de Excelência em Turismo, sozinha. Vi dois homens indo em direção à
Faculdade de Saúde. Eles pararam, olharam para mim, apontaram e mudaram de
direção. Começaram a caminhar olhando para mim. Eu abaixei a cabeça, prendi a
respiração e continuei andando. Não só com medo deles, mas medo de ser injusta
ou grosseira. Eu levantei a cabeça, afinal, são só pessoas, não é mesmo? Eu dei
bom dia, eles lamberam os lábios olharam pra mim como se eu fosse carne e um
disse pro outro: ‘A gente devia pegar essa aí’. Mas eles simplesmente passaram
por mim. Eu dei 10 passos e caí em um choro compulsivo.”
Fonte:
Correio Braziliense