quarta-feira, 27 de março de 2013

Ataque aos atacadistas


Contestação judicial de incentivos fiscais concedidos pelo Distrito Federal ao setor de distribuição de mercadorias é outro fator que atrasa o desenvolvimento da região. De acordo com o MP, as empresas devem R$ 10 bilhões aos cofres públicos

A Asa Alimentos, instalada no DF há quase 50 anos, é uma das empresas contestadas judicialmente por ter recebido o benefício oferecido pelo governo na cobrança do ICMS


A insegurança jurídica é um dos gargalos do crescimento econômico no Distrito Federal. Empresários reclamam das incertezas na condução de políticas de incentivos fiscais e de desenvolvimento. Um dos principais exemplos da derrota de um modelo adotado para atrair novos empreendimentos, gerar empregos e aumentar a arrecadação tributária envolve o setor atacadista. Quem aderiu ao Tare (Termo de Acordo de Regime Especial), com redução do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), hoje, amarga as consequências por ter ingressado num programa
instituído pelo próprio poder público em 1999. Benefícios fiscais se transformaram em litígios e dívidas. Para alguns, um pesadelo. Um risco de quebrar. ...

A estimativa do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é de que 700 atacadistas, o braço distribuidor da indústria, devam aos cofres públicos R$ 10 bilhões. Criado como fator essencial para estimular um setor que, até o fim dos anos 1990, tinha participação irrisória no recolhimento do ICMS, o Tare foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em ação proposta pelo estado de São Paulo, o mais industrializado do país, em decorrência da chamada guerra fiscal. Para os ministros do STF, a renúncia fiscal deveria ser aprovada previamente pelo Conselho de Política Fazendária (Confaz). O órgão regula distorções que podem favorecer unidades da Federação em detrimento da economia de outras. Processos com teor semelhante relativos a estados como Amazonas, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso do Sul também tramitam na Justiça.

Os incentivos fiscais aqueceram o mercado de distribuidores no DF ao longo de 10 anos, a partir de 1999. De acordo com dados do Sindicato do Comércio Atacadista do DF (Sindiatacadista), a participação do segmento na economia dobrou. A contribuição para a arrecadação tributária cresceu 365%, ou seja, quase quintuplicou. Passou de R$ 168 milhões, em 2001, para R$ 784,4 milhões, em 2009. “No Distrito Federal, a atuação do Ministério Público é muito rigorosa porque o órgão está subordinado à União, e não ao estado. Não há uma visão de que todos precisamos trabalhar juntos em nome do desenvolvimento econômico”, acredita o presidente do Sindiatacadista, Fábio de Carvalho.

Como consequência da decisão do STF, as promotorias de Defesa da Ordem Tributária do MPDFT ingressaram com mais de 700 ações em que exigem de cada empresa beneficiada o repasse ao Tesouro local dos montantes que deixaram de recolher por conta dos incentivos fiscais. A Justiça tem dado ganho de causa ao MP em várias ações. Algumas já estão em fase de execução. Estima-se que essa etapa já envolva cifras superiores a R$ 200 milhões.

As cobranças são altas até para os grandes, como a Mundial Center Atacadista — distribuidora de suprimentos para construções —, instalada em Samambaia, que deverá pagar R$ 38,9 milhões ao Tesouro. Entre as empresas que devem ICMS também está a Asa Alimentos, com um débito de R$ 16,6 milhões. Esses valores levam em conta declaração dos próprios empresários à Receita do DF.

Estagnação

O presidente da Comissão de Assuntos Tributários e Reforma Tributária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional Distrito Federal, Jacques Veloso de Melo, representa cerca de 100 empresas. A defesa alega que os empreendedores não têm em caixa o dinheiro cobrado pela Justiça. Houve abatimento de impostos e o custo do recolhimento integral do ICMS não foi repassado. “(O incentivo) virou redução de preço”, afirma o advogado. Segundo Veloso, muitas firmas só vieram para Brasília porque se fiaram no benefício. O setor cresceu. Mas, pela insegurança jurídica, muitas já deixaram o DF. Outras nem sequer cogitam vir para cá”, disse. Veloso cita como consequência a estagnação da arrecadação do setor.

O gerente-geral da Mundial Atacadista, Cleyton Oliveira, sustenta que, por causa da instabilidade dos incentivos fiscais no DF, a empresa originada na capital optou por crescer em outras unidades da Federação, onde há segurança jurídica e mão de obra mais barata. O desconto do Tare compensava, segundo ele, a manutenção do custo alto com pessoal. “O que mais atrapalha um empresário é o modelo de tributação e a confusão burocrática”, diz Oliveira. “Crescemos muito na época do Tare. Hoje, somos responsáveis por 400 empregos diretos”, acrescenta.

No Sindiatacadista, há uma discussão sobre ingressar na Justiça com ações para cobrar do governo o prejuízo. O raciocínio é de que, se há um culpado pelas regras consideradas inconstitucionais e contestadas judicialmente, o Executivo deveria arcar com a responsabilidade. Para o Ministério Público do DF, com o Tare, houve uma fraude fiscal, uma renúncia indevida que atingiu outros setores da economia. O promotor de Justiça Rubin Lemos, que atua na Defesa da Ordem Tributária, afirma que as facilidades oferecidas pela Fazenda do DF eram tão grandes que muitas empresas abriram um escritório no DF apenas para emitir notas fiscais com redução. “As mercadorias nem passavam aqui”, aposta.
 
Cleyton Oliveira, da Mundial Atacadista, diz que o sistema precisa evoluir


Nas ações judiciais, o Governo do Distrito Federal tem se posicionado contra a cobrança dos débitos de ICMS. A Procuradoria do DF sustenta que cabe à Secretaria de Fazenda calcular eventuais diferenças não pagas pelo empresariado e defende o perdão das dívidas. Num dos processos em que se discute o ressarcimento, o juiz Germano Crisóstomo Frazão demonstrou contrariedade em relação à postura dos advogados do DF: “Ora, o ente federativo se volta contra a execução que tem por finalidade o pagamento de tributos”.

Prejuízo

O incentivo previa redução que variava de 2,5% a 4,5% nas operações de crédito e débito de ICMS feitas no DF. Para alguns estados, como São Paulo, que contestou a renúncia fiscal na Justiça, o incentivo representou um prejuízo na arrecadação tributária porque algumas empresas se estabeleceram na capital em busca
das facilidades.

Por Ana Maria Campos, Lilian Tahan e Flávia Maia
Fonte: Correio Braziliense - 27/03/2013