Bolsonaro e aliados avaliam os efeitos da
desfiliação e a criação de uma legenda. Entre os entraves, estão a falta de
recursos do fundo partidário, a coleta de assinaturas necessárias e a
articulação no Congresso
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Bolsonaro conversa com militantes na porta do Alvorada, no sábado: presidente discute amanhã com a cúpula governista o novo partido(foto: Antonio Cruz/Agência Brasil ) |
O presidente Jair Bolsonaro pode anunciar ao fim desta semana o desembarque do PSL e as tratativas para a criação de um partido. O comunicado ainda vem sendo alinhado com os conselheiros
mais próximos, a fim de evitar os holofotes para um assunto eleitoral em
momento em que o governo inicia as discussões no Congresso da agenda reformista
pós-Previdência. Articuladores governistas descartam a possibilidade de o
anúncio da nova legenda contaminar o pacote econômico e sustentam que não há
nada definido ainda sobre o tema. Mas, no Legislativo, a leitura é de que o
processo de homologação da sigla a ser criada, além de moroso, vai exigir mais
desafios de interlocução ao Palácio do Planalto.
Uma conversa entre Bolsonaro
e a cúpula governista está programada para amanhã, onde é possível que a pauta
sobre o novo partido seja debatida. “Terça-feira acho que ele vai ambientar a
gente, mas ainda não é nada certo”, afirma um interlocutor. No mesmo dia, há a
possibilidade de o Planalto encaminhar à Câmara a proposta de emenda à
Constituição (PEC) da reforma administrativa, que vai apresentar novas regras
para o funcionalismo, entre elas, o fim da estabilidade a futuros servidores
públicos, preservando, assim, o direito adquirido dos atuais. “A reforma
administrativa, a princípio, (sai) terça-feira que vem”, declarou o presidente
na última quinta-feira.
A data, entretanto, ainda não
é certa. Ao Correio, o líder do governo na Câmara, Major
Vitor Hugo (PSL-GO), explica que a equipe da articulação política aguarda uma
explicação maior e mais detalhada da equipe econômica. “Nos moldes do que foi
feito na semana passada, em relação ao pacote das três PECs apresentadas (pacto
federativo e ajuste fiscal). A princípio, (sai) na semana que vem, mas precisa
de algum briefing no meio do caminho para explicar melhor”, detalha. A criação
do partido, entretanto, ainda é um tema de desconhecimento do parlamentar.
“Estamos aguardando. Por ora, não tem nenhuma informação.”
O dilema de Bolsonaro em
anunciar o novo partido no atual momento de discussão do “day-after” da
reforma da Previdência não é o único fator em análise. O presidente sabe que o
processo é moroso e burocrático. Para a criação de uma legenda, ele precisará
do apoio de eleitores não filiados a partidos políticos que correspondam a pelo
menos 0,5% dos votos recebidos na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados. São 492.015 assinaturas. Os votos ainda deverão estar distribuídos
por, ao menos, um terço dos estados, ou seja, nove, com o mínimo de 0,1% do
eleitorado que tenha votado em cada um deles.
A fim de driblar os
obstáculos, interlocutores do presidente de fora do governo trabalham para a
criação de um sistema virtual que possibilitará a coleta de assinaturas. Sem fundo
partidário, a
ideia é arrecadar recursos com a venda de souvenirs e camisetas da futura
legenda. O recolhimento das rubricas é um passo possível de ser alcançado, mas
o problema maior reside no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pondera o especialista em direito
eleitoral Ademar Costa, sócio do MJ Alves e Burle Advogados. “A partir das
certidões, vai subindo com elas em um processo de estrutura de criação
piramidal até chegar ao TSE. Mas a situação que lá temos, hoje, é de falta de
boa vontade para a criação de legendas. Há várias que estão ali paradas,
inclusive o Partido Militar Brasileiro, do deputado federal Capitão Augusto,
que não conseguem se articular e dar encaminhamento”, justifica.
Ainda que o TSE homologue, é
inimaginável que o futuro partido de Bolsonaro esteja apto a disputar as
eleições municipais, em 2020. “Estamos falando de um processo que dura, no
mínimo, um ano. Não tem a anualidade, ainda que o caso de filiação tenha se
reduzido para seis meses, não dá. Tem que fazer prévias, organizar tudo isso,
então, não acredito que tenhamos um bolsonarismo nos municípios para o próximo
ano”, pondera Ademar. No Congresso, a leitura é a mesma. Com a diferença e
ressalva de que Bolsonaro se predispõe a apresentar o novo partido no atual
ambiente de reformas.
Desafios
O líder do PL na Câmara, Wellington
Roberto (PB), diz que a criação de um partido demanda tempo e ainda seria
preciso aguardar a tramitação processual. Embora assegure que os deputados
terão responsabilidade no trato com as pautas econômicas, ele alerta que a
discussão das matérias — que devem ter as votações concluídas em 2020 —,
concomitantemente com as discussões da futura legenda, vão impor desafios.
“Como vai fazer isso em ano eleitoral? Estamos falando das dificuldades de
relacionamento da base que o governo não tem. Não só em relação a cargos, que
ainda tem um universo regional deles para compartilhar, mas, também, a
transparência. Temos um relacionamento temporário interpretado pelo próprio
governo, que se afunilou para uma nova política, que não sei o que é isso”,
critica.
A equipe da articulação
política do Executivo reconhece que a agenda econômica vai exigir novos
desafios, mas discorda que a criação do partido possa causar maiores impactos
no pacote econômico. É o que avalia o ministro-chefe da Secretaria de Governo,
Luiz Eduardo Ramos. “O presidente não decidiu nada, mas não afeta, até porque
aprovamos o PL 3723 (que regulamenta as atividades de caçadores, atiradores e
colecionadores). Seja o ‘PSL’ do (Luciano) Bivar (presidente nacional do
partido) ou o ‘PSL’ do Eduardo (Bolsonaro), tem uns dois ou três radicais de
ambos os lados, mas o resto pensa igual”, pondera.
Já Vitor Hugo avalia que a
fundação da futura legenda possa ser um fator complicador. “É mais uma
variável, mas acho que, no fim, é para o bem (do governo). Essa instabilidade
que a gente vive não é saudável também. É melhor ter um partido mais coeso,
ainda que menor, e ele ser o partido do governo, efetivamente, do que a gente
ter um partido grande, mas desagregado”, analisa. O líder do governo avalia, contudo,
que, mesmo deputados que não são “tão ligados” ao Executivo “vão se negar a si
próprios”, em referência à pauta econômica governista.
Fonte:
Correio Braziliense