segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Reforma administrativa visa reduzir peso da folha salarial de servidores



Gasto com pessoal pode ter crescimento real de 1,12% ao ano até 2030. Sindicatos se mobilizam para conseguir aumentos

Para Gil Castello Branco, o problema não é a quantidade de servidores, mas os salários elevados em certas áreas(foto: Rodrigo Nunes/Esp. CB/D.A Press )

Após o sistema previdenciário, a administração pública deve ser a próxima a enfrentar uma ampla reestruturação. Com o deficit de R$ 52,1 bilhões acumulado nas contas públicas em 2019, e uma meta de R$ 139 bilhões até o fim do ano, em pouco tempo o governo federal poderá enfrentar dificuldades para arcar com os custos com pessoal. Nas projeções do Banco Mundial, o crescimento real da folha de pagamentos de servidores ativos até 2030, caso nenhuma reforma seja implementada, será de 1,12% ao ano. Por conta desses números, o governo diz que não deve conceder aumentos de salário em 2020. Os servidores, porém, já se mobilizam para lutar por reajustes de até 33%, como mostrou ontem o Correio.

De acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia, de janeiro a agosto de 2019 foram gastos R$ 214,3 bilhões com pessoal. Para reduzir o peso da folha no orçamento, a ideia da equipe econômica é propor uma reforma que, entre outras medidas, diminua o número de carreiras, reduza os salários iniciais do serviço público e acabe com a garantia de estabilidade para novos contratados. A expectativa é de que o texto que será apresentado pelo governo federal ao Congresso não afete os servidores que já ingressaram na gestão pública.

O orçamento deste ano prevê gasto de R$ 326,9 bilhões com pessoal. Com benefícios da Previdência Social, o custo esperado é de R$ 637,9 bilhões. Já o projeto de Lei Orçamentária de 2020 prevê R$ 336,6 bilhões e R$ 682,7 bilhões para os custos com pessoal e Previdência, respectivamente, com um deficit de R$ 124 bilhões.

Luciano Souza Zanzoni, professor de administração pública do Iesb, explica que o modelo de gestão do Brasil nãp leva em consideração análise relevante dos resultados. “O sistema cresceu para dentro. De uns anos para cá surgiram a ideia e a necessidade de mudar o modelo para torná-lo mais eficiente. No entanto, são muitas amarras legais que dificultam a modernização”, avalia.

Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, destaca que o problema não é a quantidade de servidores, mas, sim, os salários altos. “A despesa obrigatória com Previdência e pessoal cresce em uma proporção tão alta que comprime os outros gastos, especialmente investimentos. O reequilíbrio das contas públicas passa pela redução dos gastos previdenciários e com pessoal”, diz.

Relatório do Banco Mundial mostra que, em média, o custo individual de um assalariado do setor público é 96% superior ao de um trabalhador da iniciativa privada. Com base em dados de 2016, o documento informa que a remuneração média por servidor do governo federal é “excepcionalmente alta” no poder Judiciário, que gasta R$ 236 mil por ano com cada funcionário. No Legislativo e no Ministério Público Federal, em média, cada funcionário recebe R$ 216 mil e R$ 205 mil por ano.

Daniel Ortega, especialista sênior em governança no Banco Mundial, destaca que, embora as reformas fiscais brasileiras sejam importantes, uma mudança no sistema de gestão de pessoas é igualmente relevante para o país. “Não adianta ficar só na área fiscal. As partes da gestão são igualmente críticas, porque o trabalho é em sistema que não permite nem a avaliação do desempenho”, critica. Na visão dele, é preciso avaliar o tamanho da máquina pública que permita os melhores serviços.

Custos da folha de pessoal do governo(foto: CB/D.A Press )


Disparidade 

Zanzoni destaca, porém, que há uma disparidade na remuneração das carreiras. Para ele, algumas categorias do serviço público brasileiro são “ilhas de excelência” de gastos, ou seja, podem servir de exemplo de como a gestão de receitas deve ser distribuída.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2015) revela que 54% dos servidores públicos de todos os níveis administrativos encontram-se no quintil superior da distribuição de renda nacional, e 77% estão entre os 40% mais ricos. Entre os federais, 94% estão entre os 40% mais ricos do país. Já os funcionários municipais, os quais se concentram nas áreas de ensino fundamental I e na saúde, 66% se encontram no segmento dos 40% mais ricos.

“Algumas categorias têm salários muito mais altos que outras. Uma avaliação linear pode contaminar a folha como um todo. Com os maiores salários concentrados, a média é inflada artificialmente. Outra coisa é que tem muitas carreiras que fazem serviços semelhantes nos diferentes poderes, e os salários são diferentes”, completa.

Dados levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, em média, as remunerações do Judiciário federal entre 2007 e 2016 foram 50% maiores que as do Executivo, sendo R$ 16 mil e R$ 8 mil, respectivamente. Já no Legislativo Federal, os salários representaram 90% do ganho de funcionários da Justiça, em torno de R$ 14,3 mil.

Castello Branco concorda que a reestruturação administrativa deve ser voltada aos servidores que recebem acima da média. “Claramente o paraíso dos penduricalhos é no Judiciário, justamente por conta disso vêm à tona salários absurdos e essa disparidade. A reforma tem que atingir todos os poderes e órgãos”, argumenta.


Soluções 

Entre as soluções possíveis para a reestruturação do serviço público brasileiro apontadas pelo relatório do Banco Mundial, estão políticas que reduzam o salário de entrada no serviço público, combinando tal medida com a flexibilidade de promoções com base no desempenho e na experiência.

Na avaliação do professor Zanzoni, a população não tem a consciência da necessidade da mudança. “A alteração precisa ser feita por meio da legislação, porque o servidor acaba se escorando nela, que o protege de qualquer maneira. Vai precisar de uma pressão no Congresso, claro. Haverá muito desgaste e será preciso uma negociação para modificar a base que garante privilégios”, acredita.

Para o Banco Mundial, no entanto, há um momento certo para a realização da reforma. “Enfatizamos muito no relatório que há uma janela de oportunidades nos próximos anos, mas está nas mãos do governo decidir se é a hora ou não. A janela surge agora, e o custo da inação pode ser alto”, ressalta Ortega.


Fonte: Correio Braziliense