Reforma administrativa visa reduzir peso da folha salarial de servidores
Gasto com pessoal pode ter
crescimento real de 1,12% ao ano até 2030. Sindicatos se mobilizam para
conseguir aumentos
Para Gil Castello Branco, o problema não é a quantidade de servidores, mas os salários elevados em certas áreas(foto: Rodrigo Nunes/Esp. CB/D.A Press )
Após o sistema previdenciário, a administração pública deve
ser a próxima a enfrentar uma ampla reestruturação. Com o deficit de R$ 52,1 bilhões
acumulado nas contas públicas em 2019, e uma meta de R$ 139 bilhões até o fim
do ano, em pouco tempo o governo federal poderá enfrentar dificuldades para
arcar com os custos com pessoal. Nas projeções do Banco Mundial, o crescimento
real da folha de pagamentos de servidores ativos até 2030, caso nenhuma reforma
seja implementada, será de 1,12% ao ano. Por conta desses números, o governo
diz que não deve conceder aumentos de salário em 2020. Os servidores, porém, já
se mobilizam para lutar por reajustes de até 33%, como mostrou ontem o Correio.
De acordo com dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Economia,
de janeiro a agosto de 2019 foram gastos R$ 214,3 bilhões com pessoal. Para
reduzir o peso da folha no orçamento, a ideia da equipe econômica é propor uma
reforma que, entre outras medidas, diminua o número de carreiras, reduza os salários
iniciais do serviço público e acabe com a garantia de estabilidade para novos
contratados. A expectativa é de que o texto que será apresentado pelo governo
federal ao Congresso não afete os servidores que já ingressaram na gestão
pública.
O orçamento deste ano prevê gasto de R$ 326,9 bilhões com pessoal. Com
benefícios da Previdência Social, o custo esperado é de R$ 637,9 bilhões. Já o
projeto de Lei Orçamentária de 2020 prevê R$ 336,6 bilhões e R$ 682,7 bilhões
para os custos com pessoal e Previdência, respectivamente, com um deficit de R$
124 bilhões.
Luciano Souza Zanzoni, professor de administração pública do Iesb, explica que
o modelo de gestão do Brasil nãp leva em consideração análise relevante dos
resultados. “O sistema cresceu para dentro. De uns anos para cá surgiram a
ideia e a necessidade de mudar o modelo para torná-lo mais eficiente. No
entanto, são muitas amarras legais que dificultam a modernização”, avalia.
Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas,
destaca que o problema não é a quantidade de servidores, mas, sim, os salários
altos. “A despesa obrigatória com Previdência e pessoal cresce em uma proporção
tão alta que comprime os outros gastos, especialmente investimentos. O
reequilíbrio das contas públicas passa pela redução dos gastos previdenciários
e com pessoal”, diz.
Relatório do Banco Mundial mostra que, em média, o custo individual de um
assalariado do setor público é 96% superior ao de um trabalhador da iniciativa
privada. Com base em dados de 2016, o documento informa que a remuneração média
por servidor do governo federal é “excepcionalmente alta” no poder Judiciário,
que gasta R$ 236 mil por ano com cada funcionário. No Legislativo e no
Ministério Público Federal, em média, cada funcionário recebe R$ 216 mil e R$
205 mil por ano.
Daniel Ortega, especialista sênior em governança no Banco Mundial, destaca que,
embora as reformas fiscais brasileiras sejam importantes, uma mudança no
sistema de gestão de pessoas é igualmente relevante para o país. “Não adianta
ficar só na área fiscal. As partes da gestão são igualmente críticas, porque o
trabalho é em sistema que não permite nem a avaliação do desempenho”, critica.
Na visão dele, é preciso avaliar o tamanho da máquina pública que permita os melhores
serviços.
Custos da folha de pessoal do governo(foto: CB/D.A Press )
Disparidade
Zanzoni destaca, porém, que há uma disparidade na remuneração
das carreiras. Para ele, algumas categorias do serviço público brasileiro são
“ilhas de excelência” de gastos, ou seja, podem servir de exemplo de como a
gestão de receitas deve ser distribuída.
A Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios (Pnad, 2015) revela que 54% dos servidores públicos
de todos os níveis administrativos encontram-se no quintil superior da
distribuição de renda nacional, e 77% estão entre os 40% mais ricos. Entre os
federais, 94% estão entre os 40% mais ricos do país. Já os funcionários
municipais, os quais se concentram nas áreas de ensino fundamental I e na
saúde, 66% se encontram no segmento dos 40% mais ricos.
“Algumas categorias
têm salários muito mais altos que outras. Uma avaliação linear pode contaminar
a folha como um todo. Com os maiores salários concentrados, a média é inflada
artificialmente. Outra coisa é que tem muitas carreiras que fazem serviços
semelhantes nos diferentes poderes, e os salários são diferentes”, completa.
Dados levantados
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, em média, as
remunerações do Judiciário federal entre 2007 e 2016 foram 50% maiores que as
do Executivo, sendo R$ 16 mil e R$ 8 mil, respectivamente. Já no Legislativo
Federal, os salários representaram 90% do ganho de funcionários da Justiça, em
torno de R$ 14,3 mil.
Castello Branco
concorda que a reestruturação administrativa deve ser voltada aos servidores
que recebem acima da média. “Claramente o paraíso dos penduricalhos é no
Judiciário, justamente por conta disso vêm à tona salários absurdos e essa
disparidade. A reforma tem que atingir todos os poderes e órgãos”, argumenta.
Soluções
Entre as soluções possíveis para a reestruturação do serviço
público brasileiro apontadas pelo relatório do Banco Mundial, estão políticas
que reduzam o salário de entrada no serviço público, combinando tal medida com
a flexibilidade de promoções com base no desempenho e na experiência.
Na avaliação do
professor Zanzoni, a população não tem a consciência da necessidade da mudança.
“A alteração precisa ser feita por meio da legislação, porque o servidor acaba
se escorando nela, que o protege de qualquer maneira. Vai precisar de uma
pressão no Congresso, claro. Haverá muito desgaste e será preciso uma
negociação para modificar a base que garante privilégios”, acredita.
Para o Banco
Mundial, no entanto, há um momento certo para a realização da reforma.
“Enfatizamos muito no relatório que há uma janela de oportunidades nos próximos
anos, mas está nas mãos do governo decidir se é a hora ou não. A janela surge
agora, e o custo da inação pode ser alto”, ressalta Ortega.