A recusa do governo
brasileiro em assinar resolução de comitê da Assembleia-Geral das Nações Unidas
que condena, dentre outros atos de selvageria, os apedrejamentos e as
amputações – inclusive de adolescentes – na República Islâmica do Irã (antiga
Pérsia), causa um misto de vergonha e de indignação.
Com
isso renova-se a decisão de nossos representantes de não intervir na “cultura”
de outros povos, o que não é um pretexto de todo inconsistente. Afinal, que
autoridade teríamos para criticar a morte de adúlteros e de homossexuais no Irã
se consideramos o assassinato de brasileiros recém-nascidos uma manifestação de
nossa decantada diversidade cultural?
Sintomático
que, recentemente, um programa da TV CULTURA tenha registrado, na região
amazônica, uma grávida torcer a cabeça do bebê ainda no seu ventre. Seriam as
crianças indígenas menos humanas que seus compatriotas? Em algumas
regiões de
nosso vasto território, esses seres, completamente indefesos, cujo único crime
é ser filho de pai desconhecido ou suposto fruto da infidelidade da mãe, são
enterrados vivos.
Nessas
“culturas” também é crime punível com a morte por acovamento ter um irmão
gêmeo, ser acometido de alguma doença física ou mental ou nascer com o sexo
feminino quando este for considerado inconveniente pelos adultos da família ou
da tribo.
Quem
se cala consente
Aprovada
independentemente do Brasil e dos outros 56 Estados que se abstiveram, e dos 44
que votaram contra, a resolução também censurou a Coreia do Norte e Mianmar. O
chanceler brasileiro, Celso Amorim, tentando justificar sua abstenção, disse
apostar no “diálogo direto” como instrumento mais efetivo: “É muito fácil
seguir o que quer a imprensa que é dizer ´nós condenamos´, mas sem nenhum
efeito prático”.
Diferentemente
do que afirma Amorim, o documento – uma espécie de plebiscito entre a comunidade
internacional – é eficiente para pressionar os Estados-Membros. Tanto que gerou
veementes protestos dos países censurados, tendo o Irã até movido uma moção
visando barrar a aprovação das medidas, que deverão ser adotadas já a partir do
mês que vem.
Ademais,
se a resolução não tivesse qualquer relação com a questão dos direitos humanos
no Irã (conforme acusaram Teerã e o Itamaraty), e sim com a questão do
enriquecimento de urânio para fins pacíficos defendida pelo Brasil, não
deveríamos ter votado CONTRA a resolução em vez de lavado as mãos,
principalmente em se tratando de nações com as quais teríamos tanta afinidade?
É
o caso de perguntarmos o que estamos fazendo nas ONU, inclusive pleiteando um
assento permanente no Conselho de Segurança e o Lula disputando,
extraoficialmente, o cargo de diretor-geral da FAO (Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura), se fugimos à nossa responsabilidade em
questões relevantes, seja em repúdio à discriminação e às penas cruéis e
desumanas, seja intercedendo pelo direito de outros países desenvolverem
programas nucleares como alternativa de obtenção de energia ou mesmo para sua
autodefesa
Conquanto
o artigo 4º da nossa Constituição(incisos III e IV) estabelece
que o Brasil deva observar, nas suas relações internacionais, a
autodeterminação dos povos e o não intervencionismo, tais princípios não devem
sobrepujar a supremacia dos direitos humanos (idem, inciso II), a qual deve
prevalecer, pelo que o seu próprio nome indica e a nossa consciência impõe.
Ainda
que a resolução tenha caráter político – afinal, Sudão e Nigéria, dentre vários
outros Estados que contínua e flagrantemente violam os direitos humanos,
ficaram de fora – tal exame é matéria secundária. O ponto crucial é que
semelhantes abusos – os quais na oportunidade o chanceler brasileiro não negou
– são inaceitáveis e devem ser extirpados o quanto antes.
O
que não podemos tolerar é a motivação política servir para justificar um ato de
extrema covardia como a que está por trás da abstenção do Brasil, haja vista o
estreitamento de nossas relações diplomáticas com o regime do presidente
Mahmoud Ahmadinejad, reeleito no ano passado em um processo com fortes indícios
de fraude.
Civilização
e Barbárie
O
caso Sakineh Ashtiani, iraniana condenada a apedrejamento por adultério –
pasmem, mesmo sendo viúva na época do suposto crime –, foi levado à Terceira
Comissão da Assembleia-Geral da ONU pela delegação canadense. Após o advogado
ter divulgado que sua cliente fora condenada arbitrariamente, com base apenas
na convicção dos juízes, a tipificação penal passou a ser mariticídio e a pena
foi comutada para enforcamento.
Mohammad-Javad
Larijani, piedosa criatura que representa o Irã, defendeu a lapidação alegando
que em seu país o número de pedras é limitado e que estas devem ser
arremessadas “de uma forma especial, nos olhos da pessoa condenada”, sendo “uma
punição menor que a execução porque [...] mais de 50% das pessoas podem
sobreviver”.
Isto
é, desde que consigam resistir aos traumatismos cranianos ou libertar o corpo e
fugir, podem sobreviver com algumas sequelas. Será por acharem essa forma de
punição deveras benevolente é que as autoridades iranianas não a adotam contra
os que cometem crimes de guerra em seu país ou os que desviam verbas públicas a
fim de manter a maioria do povo na miséria e na ignorância, ou será porque tais
atos seriam menos graves do que a orientação sexual ou o adultério, que nem
sequer é crime em países como o Brasil?
O
tamanho das pedras é criteriosamente determinado pelo avançado sistema jurídico
iraniano: não podem ser muito grandes, a ponto de rachar a cabeça do réu com
uma ou duas pancadas ou fazê-lo desmaiar (abreviando-lhe o sofrimento), nem
pequenas demais, a ponto de não causar as merecidas lesões. Os próprios
familiares da vítima participam ativa e voluntariamente desse macabro suplício
medieval.
Embora
os homens possam ser condenados por adultério, as maiores vítimas da Sharia
(legislação islâmica) são as mulheres. Enquanto os homens têm direito a manter
até cinco esposas, às mulheres nem sequer é permitido pleitear o divórcio.
Além
disso, enquanto os homens são enterrados apenas até a cintura, aumentando-lhes
as chances de escapar, as mulheres, fisicamente mais frágeis, são enterradas
até a altura dos seios. Naturalmente, iranianos também não cometem adultério
contra esposas mortas.
Clique
AQUI para assistir ao trêiler do documentário “Hakani”, a história de uma
sobrevivente – disponível em www.hakani.org
Fonte: Patos
Hoje