sábado, 2 de novembro de 2013

Esse negócio de emendas é festa

O deputado Raad Massouh (PPL) foi cassado na quarta-feira (30), por 18 votos favoráveis. Acusação: desviar recursos públicos através de emenda parlamentar. Mas como é que funciona este negócio de emenda parlamentar? Funciona para muitos deputados como um negócio.
No caso de Raad, o dinheiro da emenda seria para realização do 1º Festival Rural Ecológico de Sobradinho, em 2010. Parte dos R$ 100 mil teriam sido desviados. A investigação aponta que R$ 47 mil se perdeu no caminho. ...

Emendas são apresentadas pelos parlamentares à proposta de orçamento enviada
pelo Governo. Os deputados tem a obrigação de decidir todo o orçamento. E ainda lhe cabem a prerrogativa de apresentar emendas individuais.

Cada distrital tem um valor para emendas, de R$ 13,5 milhões. É dinheiro que pode ser destinado a uma quadra de esporte, posto de saúde, nova escola ou infraestrutura.

Na Câmara Legislativa, emenda virou uma festa. Literalmente. Vamos aos dois últimos anos. Em 2011, os deputados apresentaram, ao todo, 778 emendas ao orçamento de 2012. A área de eventos, principalmente festas e comemorações nas cidades, recebeu 24,1% das emendas.

Os recursos destinados à área somaram R$ 71,94 milhões, enquanto o valor total é de R$ 298,4 milhões (excluindo-se as apresentadas pela Mesa Diretora).

Das 778 emendas dos parlamentares, as áreas de cultura (283) e desporto e lazer (110) receberam bem mais atenção do que setores como educação (51) e saúde (18).

Em 2012 não foi muito diferente. Os distritais aprovaram para o orçamento deste ano R$ 46,8 milhões para a Secretaria de Cultura. Em segundo ficou a Secretaria de Obras com R$ 44,2 milhões e Educação com R$ 20,7 milhões. Uma festa só.

Somando por setor, Urbanismo fica em primeiro com R$ 153,7 milhões, ou 47,44% do total das emendas. Cultura somou R$ 68,4 milhões (21,13%). Deporto e Lazer, onde também estão incluídas festas e eventos, foi o terceiro com R$ 27 milhões, ou 8,3%. Sabe quanto recebeu a saúde: R$ 4,3 milhões (1,3%). Piada, né!

Raad caiu por R$ 47 mil. Em seu discurso falou que o valor era muito pouco para se corromper. É muito sim. Qualquer real desviado do dinheiro público é muito. O problema é que o deputado cassado ganhou inimigos, principalmente em sua base eleitoral.

Uma investigação para valer mostraria que outros deputados usam a mesma prática que Raad. Em 2012 apenas um parlamentar dos 24 da Câmara Legislativa não apresentou emendas para festas e eventos. Foi o Cabo Patrício (PT). É claro que nem toda emenda será desviada. Só algumas. Outras são simplesmente desnecessárias.

É muito dinheiro do contribuinte indo pelo ralo. Isso gera distorções como o valor alto pago ao cantor Amado Batista no aniversário do Itapoã.

O artista foi contratado por R$ 400 mil, ou quase três vezes mais do que ele ganha em apresentações pelo país afora. O administrador da cidade, Donizete dos Santos, foi exonerado. É apenas um caso entre muitos.

Os parlamentares deveriam se concentrar em discutir a íntegra da peça orçamentária. As decisões alocativas são tomadas exatamente na discussão do orçamento. Mas a preocupação está sempre apenas com as emendas.

O critério utilizado pelo parlamentar para apresentar as emendas é confessadamente político. O parlamentar prestigia a base eleitoral, mandando para lá um posto de saúde, uma calçada ou uma quadra de esportes.

Com as emendas, o parlamentar se anuncia como um “realizador de obras”. Coloca faixas na cidade e solta releases aos jornais assumindo a autoria daquele posto de saúde, asfaltamento ou nova escola. Mesmo que isso nada tenha a ver com a atividade parlamentar.

O fato de o parlamentar apresentar a emenda não significa que o dinheiro será liberado. O orçamento é autorizativo (e não impositivo). O Governo só libera o dinheiro das emendas para quem se comportar bem no parlamento.

Ao lado dos cargos indicados pelos parlamentares, é o maior instrumento de pressão política do Governo. Votar sempre com o Executivo é a senha para ter mais recursos liberados. É uma espécie de mimo para os que têm bom comportamento parlamentar.

Alguns deputados nessa e em outras legislaturas são acusados de vender as emendas. Aqui no Distrito Federal e Brasil afora. Esta é a parte não republicana das emendas. Alguns deputados ficam com parte do dinheiro das emendas. Embolsam, simplesmente.

Os deputados vendem as emendas. Negociam uma comissão com os empreiteiros que estão na ponta das obras ou com os produtores de festas e eventos. As licitações são fraudadas para que haja um compromisso de devolução de parte do valor para o parlamentar responsável pelas emendas.

Ganham todos: governo que tem sua base controlada; deputados que engordam as contas bancárias e levam obras para sua base eleitoral; e as empresas que ganham contratos.

Só quem perde é o povo. É a institucionalização da compra dos parlamentares, que corrompe e é corrompido no mesmo ato. Raad é um detalhe.



Fonte: Blog do Callado - 02/11/2013