Resolução 615/2025 autoriza o uso de inteligência artificial nos tribunais, mas reforça que eficiência não pode atropelar direitos nem substituir o julgamento humano.
A inteligência artificial já bate à porta do Judiciário há
algum tempo. Agora, entrou de vez. A edição da Resolução nº 615/2025 pelo
Conselho Nacional de Justiça não marca o início dessa transformação, mas revela
algo mais importante: o reconhecimento institucional de que o avanço
tecnológico exige regras claras, limites bem definidos e responsabilidade
democrática.
O CNJ acerta ao não tratar a inteligência artificial como
inimiga. Sistemas capazes de organizar processos, identificar precedentes,
auxiliar na análise documental e reduzir gargalos administrativos são parte
inevitável da modernização da Justiça. Negar esse avanço seria fechar os olhos
para uma realidade já em curso nos tribunais brasileiros.
O problema não está na tecnologia em si, mas na tentação de
usá-la como atalho. A Resolução 615 deixa isso explícito ao reafirmar que
nenhuma ferramenta de inteligência artificial pode substituir a decisão humana,
especialmente quando estão em jogo direitos, deveres, sanções ou impactos
diretos na vida das pessoas. Julgar não é apenas calcular probabilidades. É
interpretar fatos, ponderar princípios e assumir responsabilidade
institucional.
Ao exigir supervisão humana obrigatória, transparência e possibilidade de contestação, o CNJ reconhece um risco real: algoritmos não são neutros. Eles reproduzem dados, padrões e vieses de quem os constrói e de quem os alimenta. Sem controle, podem reforçar desigualdades, automatizar injustiças e criar uma falsa sensação de objetividade técnica onde deveria existir prudência jurídica.
As vedações impostas pela resolução são um sinal claro dessa
preocupação. Proibir ranqueamento de pessoas, análises preditivas de
comportamento criminal e reconhecimento de emoções no contexto judicial não
representa atraso. Representa aprendizado. Experiências internacionais já
mostraram que esse tipo de uso da inteligência artificial pode corroer
garantias básicas e comprometer a confiança no sistema de Justiça.
O Brasil, ao alinhar sua regulação ao modelo europeu do AI
Act, demonstra maturidade institucional. A mensagem é simples e necessária:
inovação é bem-vinda, desde que não ultrapasse o núcleo duro do Estado de
Direito. A busca por eficiência não pode justificar decisões opacas,
automatizadas ou desumanizadas.
A Resolução nº 615/2025 não fecha as portas para o futuro.
Pelo contrário, tenta organizar esse futuro antes que ele se imponha sem
controle. O CNJ parece compreender que o verdadeiro risco não é usar
inteligência artificial, mas permitir que ela opere sem freios, sem explicação
e sem responsabilidade.
No Judiciário, tecnologia deve servir à Justiça. Nunca o
contrário.