sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Criação do juiz de garantias, sancionada por Bolsonaro, divide juristas

Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, vê como positiva a medida do pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. Outros especialistas, porém, criticam a norma e avisam que prazo de 30 dias para implantá-la é inviável
(foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
A criação de um juiz de garantias — medida que integra o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro e que entra em vigor em 23 de janeiro — recebeu o aval do ministro do Supremo Tribunal Federal (STFMarco Aurélio Mello. “Sem dúvida alguma, é um elemento que colabora para uma imparcialidade total do processo criminal. Eu vejo com bons olhos, porque toda concentração deve ser, tanto quanto possível, evitada”, disse ao Correio. “Até aqui, o juiz concentra instrução e julgamento no processo-crime. Doravante, nós teremos a separação que, na leitura, principalmente, implica equidistância maior (entre instrução e julgamento). (É interessante a presença) daquele juiz que defere diligências e que não sentencia. Ele apenas instrui.”

Na opinião do ministro, o juiz de garantias poderia atuar tanto em processos que estão em andamento quanto nos que ainda surgirão. Para inquéritos que já correm na Justiça, contudo, Marco Aurélio fez uma ressalva: o magistrado só deve ser autorizado a interferir em casos em que a fase de produção de provas não esteja encerrada. “Processos com instrução encerrada, já prontos para serem sentenciados, devem sê-lo pelo juiz competente, que é o da Vara”, defendeu. “Atos praticados são atos inteiramente válidos. Não é o fato de se ter criado um juiz de instrução que levará a afastar o titular da Vara competente para julgar o processo-crime. É o meu modo ver. Não sei se será o mesmo do colegiado.”

Já a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil, fez críticas à medida. Ela frisou que, além de ser impossível ao Judiciário se adequar em um prazo de 30 dias, a construção do texto não está de acordo com o que vem sendo debatido no projeto de lei de reforma do Código de Processo Penal. “O Brasil é um país de dimensões continentais. Temos muitas comarcas com um único juiz e outra que só se chega de barco. Teremos dificuldade de aplicação da lei”, ressaltou. “E já existia um projeto que discutia a figura, mas a nova lei trouxe mudanças, como o juiz de garantias decidir receber o processo ou absolver sumariamente o réu. Você desloca para uma fase anterior uma avaliação de mérito.”

Ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti disse que a figura do juiz em si não é um problema, mas destacou as dificuldades de aplicabilidade da medida. “O juiz de garantias não era necessário. Nosso sistema é técnico, bem preparado, temos tribunais que funcionam, que se corrigem. Mas, em termos teóricos, de direito comparado, não existem problemas maiores de se criar um juiz de garantias”, afirmou. “Em São Paulo e no Rio de Janeiro, existem os juízes de inquérito. Isso não foi criado com o mesmo fim, mas funciona do mesmo jeito.”

Robalinho afirmou que a Justiça comum, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Justiça Federal já tinham avisado ao Executivo sobre a falta de tempo hábil para a implantação da norma. “Bom ou ruim, é inviável fazer em 30 dias”, completou. Ele alertou que existem outros problemas no pacote anticrime, como a cadeia de custódia, que exige o registro de cada perito ou profissional que manusear um objeto apreendido, por exemplo. “É necessário, mas não há estrutura”, explicou.
“Estranho”
Políticos se dividiram sobre a criação da nova figura jurídica. A presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet, por exemplo, afirmou, no Twitter, que a sanção do pacote, contrariando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, foi “estranha”. “Moro defendeu veto, líder do governo no Senado acordou em manter o veto, mas, ainda assim, o presidente sancionou. No mínimo, estranho”, postou. “Juiz de garantia inviabiliza o sistema criminal brasileiro, gera atrasos intermináveis no julgamento de processos contra o crime organizado e de combate à corrupção. Em uma única palavra: retrocesso”, completou.

Já o deputado federal Marcelo Freixo (PSol-RJ) defendeu. “Trata-se de um aprimoramento da Justiça, por fortalecer a imparcialidade e proteger os direitos dos cidadãos contra abusos, como os praticados pelo ex-juiz Moro”, postou, numa referência ao processo contra Lula sobre o triplex do Guarujá (SP).
Dois magistrados
A criação do juiz de garantias prevê que um magistrado deverá conduzir a investigação criminal, decidindo sobre a decretação de prisão, busca e quebra de sigilos. Ele também cuidará do recebimento da denúncia do Ministério Público. Já a instrução do processo e a sentença ficarão a cargo de um outro juiz.


CNJ discutirá pacote

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, decidiu criar um grupo de trabalho para analisar os efeitos da lei anticrime, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. A portaria com a criação do grupo — que ficará responsável por elaborar um estudo sobre as consequências da nova legislação — deve ser publicada hoje. O grupo vai concluir os estudos e apresentar a proposta de um ato normativo até 15 de janeiro. Os trabalhos serão coordenados pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins. 



Fonte: Correio Braziliense