Integrantes do grupo que escolheu novas
empresas para atuar no DF devem ser os primeiros ouvidos pela comissão. Uma das
figuras principais da investigação será o advogado que preparou a concorrência
e defendeu uma das empresas
Ônibus da empresa Marechal, que ganhou a corrida para uma das linhas e
foi representada por Sacha Reck na ocasião.
Os cinco deputados distritais
escolhidos para integrar a CPI do Transporte terão 180 dias para analisar a
polêmica licitação de R$ 7,8 bilhões que colocou cinco empresas no comando do
sistema de ônibus de Brasília. A concorrência pública, realizada em 2012,
durante o governo de Agnelo Queiroz (PT), é alvo de ações populares e de
questionamentos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e de
procuradores que atuam no Tribunal de Contas da capital. ...
Os parlamentares da Comissão
Parlamentar de Inquérito vão avaliar as denúncias que envolvem a forma de
cálculo das tarifas cobradas dos passageiros e a elaboração do edital. Uma das
figuras centrais da CPI deve ser o advogado paranaense Sacha Reck (leia
Perfil), que atuou na preparação da concorrência pública e também representou
uma das empresas vencedoras
da licitação. Integrantes do governo passado devem
ser ouvidos na CPI, o que vai contribuir para aumentar a temperatura política
na Câmara.
Ontem à tarde, os
parlamentares se reuniram pela primeira vez para definir o cronograma de trabalho.
Ficou estabelecido que os integrantes da comissão de licitação devem ser os
primeiros a serem convocados. O processo de concorrência pública dos ônibus
começou em 2008, ainda na gestão do então governador José Roberto Arruda.
Naquele ano, o DF firmou contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), no valor de US$ 176,7 milhões, para a execução do Programa de
Transportes Urbanos do DF. O governo local repassou uma contrapartida de US$
93,1 milhões.
Com esses recursos, o GDF
teria que implantar melhorias para o transporte público, como a criação de
corredores exclusivos para ônibus, a instalação de controles eletrônicos de
tráfego, a realização de obras viárias, a renovação da frota e a implantação do
sistema de bilhetagem eletrônica. Logo depois do acordo, a Secretaria de
Transportes contratou a empresa de consultoria Arcadis Logos Engenharia pelo
valor de R$ 19,3 milhões. O acordo previa a apresentação de relatórios técnicos
e de estudos relativos ao projeto e à elaboração do edital de licitação.
Durante a execução do contrato, a Arcadis Logo realizou diversas
subcontratações. Entre elas, está o acordo com o escritório Guilherme Gonçalves
e Sacha Reck Advogados Associados. Sacha prestou serviços à empresa Arcadis
Logos, contratada pela Secretaria de Transportes até março de 2013.
Na mesma época, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento negociou com o consórcio Logit Logitrans, por
US$ 476,8 mil, para prestação de serviços de apoio tecnológico, estudos de
política tarifária e de integração e do sistema de controle do tráfego. O
advogado Sacha Reck fazia parte do corpo técnico do consórcio Logit Logistrans.
O pai, Garrone Reck, presidia a empresa Logistrans, integrante do conglomerado.
Duas irmãs de Sacha, Alexis e Melina, também faziam parte do grupo.
Vencedores
Em março de 2012, o GDF lançou
o edital de licitação para gestão do sistema público de transporte do DF.
Ganharam as empresas Viação Piracicabana, Viação Pioneira, Consórcio HP-ITA, e
as empresas Viação Marechal e Expresso São José. Além de participar de várias
etapas de elaboração do edital e do trâmite da licitação, o advogado Sacha Reck
representou paralelamente a empresa Marechal, uma das vencedoras do certame.
O Ministério Público do DF e
Territórios que entrou com ação de improbidade contra o advogado, entendeu que
Reck atuava como um procurador jurídico da Secretaria de Transportes,
formulando as respostas aos pedidos de esclarecimentos e às impugnações
apresentadas contra a licitação. Além de fugir das cláusulas do contrato
firmado entre a Secretaria de Transporte com a Arcadis Logos, a prestação de
assessoramento jurídico externo é considerada ilegal, já que o GDF dispõe de
uma procuradoria própria para defender seus interesses.
“O advogado atuou como uma
espécie de oráculo da licitação. Ele participou da elaboração do edital,
respondeu a questionamentos e impugnações, respondeu recursos no julgamento das
propostas e apresentou minutas das manifestações judiciais do DF, que eram
simplesmente copiadas pelos integrantes da Comissão de Licitação da Secretaria
de Transporte”, comenta o promotor Rodrigo de Araújo Bezerra, da Promotoria de
Defesa do Patrimônio Público e Social.
O MP entendeu que, apesar de o
vínculo do advogado Sacha Reck ser com a empresa Arcadis Logo, ele prestou
serviço diretamente ao DF. “A contratação direta é tão óbvia que, entre janeiro
de 2012 e março de 2013, a Secretaria de Transporte do Distrito Federal pagou
R$ 744.071,87 ao escritório Guilherme Gonçalves e Sacha Reck Advogados
Associados e ao Consórcio Logit Logistrans”, alegou o MP na ação de improbidade
contra o advogado e ex-gestores da Secretaria de Transporte.
A reportagem procurou o
ex-secretário de Transportes José Walter Vasquez, que comandava a pasta na
época da licitação, mas ele informou que não se manifestaria sobre o assunto. O
Correio também tentou contato com Sacha Reck, mas funcionários do escritório
informaram que o advogado está viajando e não poderia ser localizado.
Pedidos de anulação da
concorrência
Desde o lançamento do edital,
o Ministério Público de Contas também questiona diversos aspectos técnicos da
concorrência pública. A procuradora Márcia Farias apresentou representações
apontando irregularidades na licitação. Desde o início, ela questiona por que a
Secretaria de Transportes nunca apresentou um orçamento detalhado para
definição da tarifa técnica. “O edital foi elaborado sem a apresentação de uma
planilha de gastos. A secretaria alegou que o documento era secreto e o
Tribunal de Contas aceitou essa alegação, que é absurda”, questiona Márcia
Farias. Apesar dos documentos apresentados à Corte pelo MP de Contas, o TCDF
nunca acatou os argumentos e determinou o prosseguimento do processo de
contratação das empresas. No último dia 27, a procuradora apresentou uma nova
representação, em que pede mais uma vez a suspensão da concorrência pública.
Há quatro ações populares e
uma ação civil pública em andamento, todas com pedido de anulação da
concorrência pública. Um dos processos foi ajuizado pela Associação Brasileira
de Defesa do Consumidor e da Cidadania (Abradec), e há uma ação popular
assinada pela atual presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão. Um dos
processos questiona a participação das empresas Pioneira e Piracicabana, pois,
de acordo com o autor do processo, elas fariam parte do mesmo grupo econômico.
Em setembro de 2013, a 1ª Vara
da Fazenda Pública suspendeu, por meio de uma liminar, os contratos
administrativos firmados com as empresas Viação Piracicabana e Viação Marechal.
O TJDFT acatou a acusação de ilegalidade do processo mas, uma semana depois, a
liminar foi derrubada pelo então presidente da Corte, desembargador Dácio
Vieira.
Integram a CPI, os deputados
Sandra Faraj (SD), Rafael Prudente (PMDB) e Ricardo Vale (PT). O relator é o
tucano Raimundo Ribeiro e o deputado Bispo Renato (PR) vai presidir o
colegiado. Os participantes garantem que vão conduzir a CPI sem politicagem.
“Vamos fazer um trabalho eminentemente técnico”, assegura o presidente. “Houve
uma promessa de quebra do monopólio, mas a população continua sendo prejudicada
até hoje. O transporte não melhorou, os preços das passagens subiram e há menos
ônibus em circulação. Queremos que a CPI tenha resultados práticos”, garante
Bispo Renato.
Perfil: Os rolos de Sacha Reck
O advogado tem
escritórios na capital, em São Paulo e Curitiba
Aos 34 anos, o advogado Sacha
Breckenfeld Reck é especialista em legislação da área de transporte público.
Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná, ele participou de licitações
de sistemas de ônibus de várias cidades brasileiras e, assim como em Brasília,
a atuação ensejou questionamentos judiciais.
Em Guarapuava (PR), o edital
de licitação também foi elaborado pelo consórcio Logit Logistrans, da família
de Reck, e houve ações civis públicas e processos por improbidade. O MP do
Paraná ajuizou ação contra Sacha Reck apontando irregularidades na concorrência
pública de Guarapuava, que culminou com a contratação da empresa Transportes
Pérola do Oeste Ltda.
“Ora, se a Logitrans é uma das
autoras do estudo que embasa o projeto básico, não poderia participar da
licitação a pessoa jurídica que conta, como um de seus representantes, o filho
e o irmão dos sócios da referida empresa. Há regra expressa indicando que
aqueles que participam de trabalhos prévios à realização do certame licitatório
não podem participar da licitação”, alegou o MP do Paraná. A Justiça chegou a
bloquear os bens de Sacha Reck, que posteriormente conseguiu reverter a
decisão. Hoje, ele é sócio de escritórios em Curitiba, São Paulo e Brasília.
Fonte: Por Helena Mader com foto de Bernardo
Bittar/CB/D.A Press/Correio Braziliense - 21/05/2015