quinta-feira, 21 de maio de 2015

CPI do transporte: Comissão de licitação na lista

Integrantes do grupo que escolheu novas empresas para atuar no DF devem ser os primeiros ouvidos pela comissão. Uma das figuras principais da investigação será o advogado que preparou a concorrência e defendeu uma das empresas
Ônibus da empresa Marechal, que ganhou a corrida para uma das linhas e foi representada por Sacha Reck na ocasião.

Os cinco deputados distritais escolhidos para integrar a CPI do Transporte terão 180 dias para analisar a polêmica licitação de R$ 7,8 bilhões que colocou cinco empresas no comando do sistema de ônibus de Brasília. A concorrência pública, realizada em 2012, durante o governo de Agnelo Queiroz (PT), é alvo de ações populares e de questionamentos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e de procuradores que atuam no Tribunal de Contas da capital. ...

Os parlamentares da Comissão Parlamentar de Inquérito vão avaliar as denúncias que envolvem a forma de cálculo das tarifas cobradas dos passageiros e a elaboração do edital. Uma das figuras centrais da CPI deve ser o advogado paranaense Sacha Reck (leia Perfil), que atuou na preparação da concorrência pública e também representou uma das empresas vencedoras
da licitação. Integrantes do governo passado devem ser ouvidos na CPI, o que vai contribuir para aumentar a temperatura política na Câmara.

Ontem à tarde, os parlamentares se reuniram pela primeira vez para definir o cronograma de trabalho. Ficou estabelecido que os integrantes da comissão de licitação devem ser os primeiros a serem convocados. O processo de concorrência pública dos ônibus começou em 2008, ainda na gestão do então governador José Roberto Arruda. Naquele ano, o DF firmou contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), no valor de US$ 176,7 milhões, para a execução do Programa de Transportes Urbanos do DF. O governo local repassou uma contrapartida de US$ 93,1 milhões.

Com esses recursos, o GDF teria que implantar melhorias para o transporte público, como a criação de corredores exclusivos para ônibus, a instalação de controles eletrônicos de tráfego, a realização de obras viárias, a renovação da frota e a implantação do sistema de bilhetagem eletrônica. Logo depois do acordo, a Secretaria de Transportes contratou a empresa de consultoria Arcadis Logos Engenharia pelo valor de R$ 19,3 milhões. O acordo previa a apresentação de relatórios técnicos e de estudos relativos ao projeto e à elaboração do edital de licitação. Durante a execução do contrato, a Arcadis Logo realizou diversas subcontratações. Entre elas, está o acordo com o escritório Guilherme Gonçalves e Sacha Reck Advogados Associados. Sacha prestou serviços à empresa Arcadis Logos, contratada pela Secretaria de Transportes até março de 2013.

Na mesma época, o Banco Interamericano de Desenvolvimento negociou com o consórcio Logit Logitrans, por US$ 476,8 mil, para prestação de serviços de apoio tecnológico, estudos de política tarifária e de integração e do sistema de controle do tráfego. O advogado Sacha Reck fazia parte do corpo técnico do consórcio Logit Logistrans. O pai, Garrone Reck, presidia a empresa Logistrans, integrante do conglomerado. Duas irmãs de Sacha, Alexis e Melina, também faziam parte do grupo.

Vencedores

Em março de 2012, o GDF lançou o edital de licitação para gestão do sistema público de transporte do DF. Ganharam as empresas Viação Piracicabana, Viação Pioneira, Consórcio HP-ITA, e as empresas Viação Marechal e Expresso São José. Além de participar de várias etapas de elaboração do edital e do trâmite da licitação, o advogado Sacha Reck representou paralelamente a empresa Marechal, uma das vencedoras do certame.

O Ministério Público do DF e Territórios que entrou com ação de improbidade contra o advogado, entendeu que Reck atuava como um procurador jurídico da Secretaria de Transportes, formulando as respostas aos pedidos de esclarecimentos e às impugnações apresentadas contra a licitação. Além de fugir das cláusulas do contrato firmado entre a Secretaria de Transporte com a Arcadis Logos, a prestação de assessoramento jurídico externo é considerada ilegal, já que o GDF dispõe de uma procuradoria própria para defender seus interesses.

“O advogado atuou como uma espécie de oráculo da licitação. Ele participou da elaboração do edital, respondeu a questionamentos e impugnações, respondeu recursos no julgamento das propostas e apresentou minutas das manifestações judiciais do DF, que eram simplesmente copiadas pelos integrantes da Comissão de Licitação da Secretaria de Transporte”, comenta o promotor Rodrigo de Araújo Bezerra, da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público e Social.

O MP entendeu que, apesar de o vínculo do advogado Sacha Reck ser com a empresa Arcadis Logo, ele prestou serviço diretamente ao DF. “A contratação direta é tão óbvia que, entre janeiro de 2012 e março de 2013, a Secretaria de Transporte do Distrito Federal pagou R$ 744.071,87 ao escritório Guilherme Gonçalves e Sacha Reck Advogados Associados e ao Consórcio Logit Logistrans”, alegou o MP na ação de improbidade contra o advogado e ex-gestores da Secretaria de Transporte.

A reportagem procurou o ex-secretário de Transportes José Walter Vasquez, que comandava a pasta na época da licitação, mas ele informou que não se manifestaria sobre o assunto. O Correio também tentou contato com Sacha Reck, mas funcionários do escritório informaram que o advogado está viajando e não poderia ser localizado.

Pedidos de anulação da concorrência

Desde o lançamento do edital, o Ministério Público de Contas também questiona diversos aspectos técnicos da concorrência pública. A procuradora Márcia Farias apresentou representações apontando irregularidades na licitação. Desde o início, ela questiona por que a Secretaria de Transportes nunca apresentou um orçamento detalhado para definição da tarifa técnica. “O edital foi elaborado sem a apresentação de uma planilha de gastos. A secretaria alegou que o documento era secreto e o Tribunal de Contas aceitou essa alegação, que é absurda”, questiona Márcia Farias. Apesar dos documentos apresentados à Corte pelo MP de Contas, o TCDF nunca acatou os argumentos e determinou o prosseguimento do processo de contratação das empresas. No último dia 27, a procuradora apresentou uma nova representação, em que pede mais uma vez a suspensão da concorrência pública.

Há quatro ações populares e uma ação civil pública em andamento, todas com pedido de anulação da concorrência pública. Um dos processos foi ajuizado pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e da Cidadania (Abradec), e há uma ação popular assinada pela atual presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão. Um dos processos questiona a participação das empresas Pioneira e Piracicabana, pois, de acordo com o autor do processo, elas fariam parte do mesmo grupo econômico.
Em setembro de 2013, a 1ª Vara da Fazenda Pública suspendeu, por meio de uma liminar, os contratos administrativos firmados com as empresas Viação Piracicabana e Viação Marechal. O TJDFT acatou a acusação de ilegalidade do processo mas, uma semana depois, a liminar foi derrubada pelo então presidente da Corte, desembargador Dácio Vieira.

Integram a CPI, os deputados Sandra Faraj (SD), Rafael Prudente (PMDB) e Ricardo Vale (PT). O relator é o tucano Raimundo Ribeiro e o deputado Bispo Renato (PR) vai presidir o colegiado. Os participantes garantem que vão conduzir a CPI sem politicagem. “Vamos fazer um trabalho eminentemente técnico”, assegura o presidente. “Houve uma promessa de quebra do monopólio, mas a população continua sendo prejudicada até hoje. O transporte não melhorou, os preços das passagens subiram e há menos ônibus em circulação. Queremos que a CPI tenha resultados práticos”, garante Bispo Renato.

Perfil: Os rolos de Sacha Reck

 O advogado tem escritórios na capital, em São Paulo e Curitiba 

Aos 34 anos, o advogado Sacha Breckenfeld Reck é especialista em legislação da área de transporte público. Bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná, ele participou de licitações de sistemas de ônibus de várias cidades brasileiras e, assim como em Brasília, a atuação ensejou questionamentos judiciais.

Em Guarapuava (PR), o edital de licitação também foi elaborado pelo consórcio Logit Logistrans, da família de Reck, e houve ações civis públicas e processos por improbidade. O MP do Paraná ajuizou ação contra Sacha Reck apontando irregularidades na concorrência pública de Guarapuava, que culminou com a contratação da empresa Transportes Pérola do Oeste Ltda.

“Ora, se a Logitrans é uma das autoras do estudo que embasa o projeto básico, não poderia participar da licitação a pessoa jurídica que conta, como um de seus representantes, o filho e o irmão dos sócios da referida empresa. Há regra expressa indicando que aqueles que participam de trabalhos prévios à realização do certame licitatório não podem participar da licitação”, alegou o MP do Paraná. A Justiça chegou a bloquear os bens de Sacha Reck, que posteriormente conseguiu reverter a decisão. Hoje, ele é sócio de escritórios em Curitiba, São Paulo e Brasília.



Fonte: Por Helena Mader com foto de Bernardo Bittar/CB/D.A Press/Correio Braziliense - 21/05/2015