A secretaria de comunicação do governo do Distrito Federal afirmou,
apesar das evidências em contrário, que “todas as pessoas da lista receberam os
ingressos”.
Governo do Distrito
Federal gastou R$ 2,8 milhões em mil ingressos para jogo de abertura da Copa
das Confederações, em junho. Muitos dos supostos beneficiados, porém, não
receberam os tíquetes. Entre eles, Giles Azevedo, chefe de gabinete da
presidente Dilma Rousseff.
O Ministério Público do
Distrito Federal investiga se houve fraude na distribuição de ingressos do
governo de Brasília para o jogo Brasil x Japão na abertura da Copa das
Confederações no estádio Mané Garrincha, realizado no dia 15 de junho. A
relação de beneficiados com mil ingressos – R$ 2.800 por convidado VIP –,
repassada pelo governo ao MP, conta com nomes de pessoas que afirmam não ter
recebido os tíquetes. “Essa lista é uma ficção”, afirma Maria Lúcia Morais, uma
das promotoras que acompanham o caso. “A possibilidade de ter havido desvios de
ingressos é uma das nossas
preocupações”, afirma o promotor Roberto Carlos
Silva. Os ingressos foram comprados por uma estatal de Brasília por R$ 2,8
milhões junto a uma empresa credenciada pela Fifa. Os ingressos mais caros
vendidos ao público no dia do jogo saíram por R$ 500. ...
ÉPOCA teve acesso à
listagem preparada pelo governo do Distrito Federal para justificar o gasto
milionário. Nela, há ministros, senadores, deputados federais, dirigentes de
agências reguladoras, presidentes de partido (entre eles, do PT, PSD e PMDB), o
tesoureiro nacional do PT, o governador de Goiás, a procuradora geral de
Justiça de Brasília, empresários, artistas, jornalistas, desembargadores,
aspones, pastores, sindicalistas e até o chefe de gabinete da presidência da
República, Giles Azevedo.
O Ministério Público
pedirá o ressarcimento dos valores gastos na compra de ingressos para a
abertura da Copa das Confederações e a responsabilização de quem interferiu
para a aprovação da compra dos ingressos. Os promotores não estão convencidos
das justificativas apresentadas pelo governo do DF para gastar R$ 2,8 milhões
nos ingressos. “Distribuir ingressos e camarotes para personalidades da capital
configura utilização de cargo público para autopromoção pessoal, o que viola o
princípio da impessoalidade da administração pública”, afirma a promotora Maria
Lúcia Morais.
A reportagem procurou
supostos beneficiários dos convites. Giles Azevedo afirmou, por meio da
assessoria de imprensa, ter ido ao jogo a convite do Ministério dos Esportes e
não ter recebido convites do Governo do Distrito Federal. O deputado federal
Reguffe, do PDT de Brasília, disse a ÉPOCA não ter recebido os ingressos. “O
governador Agnelo até me ligou no dia anterior ao jogo para me oferecer os
convites. Mas eu não quis.
Considero inaceitável que
o governo gaste dinheiro com ingressos”, afirmou. “Existiu má fé na elaboração
dessa lista. O senador Cristovam Buarque (também do PDT) também está na lista e
não recebeu os convites”, afirmou. Reguffe diz, ainda, que o Ministério Público
deve investigar o caso porque os ingressos podem ter sido desviados e vendidos
a particulares. Por meio da assessoria de imprensa, o senador Alfredo
Nascimento (PR-AM) também afirmou não ter recebido os ingressos, apesar de seu
nome aparecer na lista.
Os promotores que
acompanham o caso também ficaram surpresos quando perceberam que o nome da
chefe deles, a procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal, Eunice
Carvalhido, estava na lista. Eunice Carvalhido afirmou ter ido ao jogo a
convite da Presidência da República - e não a convite do Governo do Distrito
Federal. De acordo com a procuradora, funcionários do governo chegaram a
perguntar se a procuradora tinha interesse nos ingressos - oferta que, segundo
ela, foi prontamente recusada.
De acordo com a lista, dos
40 desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 37 foram
agraciados com convites. ÉPOCA perguntou a eles se haviam recebido o ingresso,
se tinham ido ao jogo e se não viam conflito de interesses em receber presentes
do governo, um dos maiores litigantes do judiciário. Segundo nota oficial
recebida por ÉPOCA, “os desembargadores não vão se manifestar, neste momento,
sobre o assunto”. ÉPOCA, então, perguntou à Corregedoria Nacional de Justiça se
a conduta dos desembargadores – que, de acordo com o GDF, receberam os convites
– é correta. Por meio de uma nota, a Corregedoria afirmou que não poderia se
manifestar sobre o caso até que uma denúncia sobre o caso fosse feita. De
acordo com o código processual civil, “a suspeição de parcialidade do juiz
reputa fundada quando receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo”.
ÉPOCA também encontrou
pessoas que estão na lista, receberam convites e foram ao estádio. Uma delas é
o ex-governador de Brasília Paulo Octávio. Dono da maior empresa de imóveis de
Brasília, Paulo Octávio recebeu dois convites do GDF para assistir ao jogo num
camarote, dádiva oferecida a apenas dez convidados especiais. Paulo Octávio
disse ter usado apenas um convite e doado o outro a um empresário de Brasília.
Perguntado se concordava com a política do GDF de distribuir ingressos,
comprados com recursos públicos, a quem não precisa, afirmou: “A Terracap é uma
companhia de venda de imóveis. Ela (Terracap) tem na Paulo Octavio (empresa)
uma de suas maiores clientes.
Achei que o convite fosse
um agrado aos bons clientes. E o jogo foi bom porque o Brasil ganhou”, disse.
Apesar da doação da Terracap, Paulo Octávio disse que assistiria ao jogo de
qualquer maneira porque já havia comprado ingressos da Fifa. Outro que recebeu
convite para o camorote foi o empresário José Celso Gontijo, réu no processo do
maior escândalo político da história de Brasília, o mensalão do DEM, que
culminou na queda do ex-governador José Roberto Arruda.
Políticos ligados aos
partidos de oposição foram alijados da lista. Os presidentes do PSDB e do DEM,
por exemplo, não foram convidados. A deputada distrital Celina Leão (PSD),
principal nome da oposição na Câmara Legislativa do Distrito Federal, afirma
que a política do governo de Brasília é de bajular os aliados. “A doação desses
ingressos é um escândalo. Assim como é um escândalo a construção desse estádio
faraônico que só traz prejuízo aos cofres de Brasília”, afirma.
Procurada pela revista
ÉPOCA, a secretaria de comunicação do governo do Distrito Federal afirmou,
apesar das evidências em contrário, que “todas as pessoas da lista receberam os
ingressos”. Afirmou não ter sido possível checar se todos os presenteados com
os convites estiveram no estádio. Ainda de acordo com a nota, políticos de
todos os partidos foram convidados, só que alguns não aceitaram os convites.
Por fim, afirma que não há previsão de que a Terracap compre e doe ingressos
para as partidas que serão realizadas no estádio Mané Garrincha durante a Copa
do Mundo de 2014.
Fonte:
Revista Época-Murilo Ramos - 19/09/2013