Distribuidora Manguinhos foi parcialmente interditada por vazamento em
uma de suas unidades
Interditada parcialmente
pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e pela Secretaria Estadual do
Ambiente por causa de um vazamento de álcool em suas instalações esta semana, a
Manguinhos Distribuidora e a Refinaria Manguinhos, braço de refino do grupo,
devem ao Fisco estadual cerca de R$ 1 bilhão. A dívida resulta do uso
indiscriminado de precatórios para compensar créditos tributários, o que vem
sendo alvo de investigação na Secretaria Estadual da Fazenda do Rio, e é
apontado por fontes do governo e do setor de combustíveis como a razão para que
a distribuidora tenha crescido no mercado de etanol tão rapidamente.
Com atuação no ramo há
apenas três anos, Manguinhos Distribuidora se tornou a 10ª empresa em vendas de
etanol no Brasil em 2012, entre 150 companhias, segundo dados da Agência
Nacional do Petróleo (ANP). Em 2010, quando a empresa aparece pela
primeira vez
no ranking nacional da ANP, ocupava o 31º lugar, com participação de 0,4%. No
ano passado, ela respondeu por uma fatia de 1,9% do mercado. Parece pouco, mas
esse percentual representou a comercialização de 188 milhões de litros de
etanol em 2012. As líderes nacionais são BR, controlada pela Petrobras, e
Raízen, associação da Shell com a Cosan.
A ANP não divulga a
participação de mercado por estado. Fontes do mercado de combustíveis acreditam
que Manguinhos venda a maior parte do produto no Rio de Janeiro, sede da
distribuidora e da refinaria. Considerando 100% das vendas em território
fluminese, Manguinhos abocanharia uma fatia de 43% do mercado, quase o dobro da
BR. O feito, dizem técnicos do setor de combustíveis, seria resultado dos
preços abaixo do mercado cobrados pela empresa a seus clientes. Procurada, a
empresa não se pronunciou. ...
Acompanhando o histórico
de preços publicados e dadas a diferenças (entre eles) não dá para entender que
não haja alguma fraude no aspecto tributário, ou de sonegação ou de
inadimplência. Isso cria uma concorrência desleal, fazendo com que essa
distribuidora (Manguinhos) seja hoje líder de mercado (no Rio) e alijando do
mercado distribuidoras menores que não têm condição de competir com ela —
afirma Helvio Rebeschini, diretor de Planejamento Estratégico do Sindicato das
Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), que
reúne as principais empresas do setor.
Levantamento do sindicato
com base em dados da ANP mostra que Manguinhos Distribuidora vende etanol aos
postos do Estado do Rio a um preço médio 10% a 15% abaixo do custo de venda das
distribuidoras, uma diferença de R$ 0,25 a R$ 0,30 por litro. Na última semana de
abril, por exemplo, o litro de etanol foi vendido por Manguinhos a um preço
médio de R$ 1,853. O custo médio do produto para as distribuidoras (incluindo o
valor do combustível, o frete para os postos e os impostos) na mesma semana foi
de R$ 2,088.
Esse desconto só é
possível, segundo técnicos da Secretaria Estadual da Fazenda, porque a empresa
lança mão de um recurso para protelar o pagamento de impostos, recorrendo ao
mercado de precatórios. O esquema envolveria ainda uma outra empresa, a
Rodopetro, que, amparada pela Justiça, consegue driblar a barreira fiscal
interestadual quando entra no Rio trazendo o etanol de outros estados. O Rio
praticamente não produz o combustível e, por isso, as empresas precisam
comprá-lo fora.
Mudanças no ranking
Segundo técnicos da
Secretaria Estadual de Fazenda, a Rodopetro traz o combustível, principalmente
de São Paulo e Minas Gerais, e não paga o ICMS ao cruzar a divisa com o Rio
porque conseguiu ser enquadrada no convêncio 110 do Conselho Nacional de Política
Fazendária (Confaz). Esse convênio, de 2007, permite que as distribuidoras de
etanol recolham o ICMS referente a suas vendas no dia 10 do mês subsequente. Ou
seja, várias empresas usam esse mecanismo.
No entanto, dois anos
depois de criado o convênio, o governo do Estado do Rio determinou que apenas
as distribuidoras que estavam em dia com o Fisco estadual poderiam fazer uso da
regra. As demais teriam que pagar os impostos devidos quando ingressassem em
território fluminense. A Rodopetro, que estava inadimplente, conseguiu, no
entanto, uma liminar em 2009 que a manteve apta a seguir as normas do convênio.
Naquele ano, a empresa
aparecia no ranking nacional de vendas de etanol, da ANP, em 17º lugar. No ano
seguinte, caíra para a 23ª posição. Em 2011 e 2012, justamente quando
Manguinhos Distribuidora ganha fôlego e sobe no ranking, a Rodopetro sequer
aparece na lista da ANP.
Segundo os técnicos da
Fazenda, a Rodopetro vende quase a totalidade do álcool trazido para o Rio à
Manguinhos Distribuidora, desrespeitando a resolução número 7 da ANP, que
limita a venda entre distribuidoras a 5% do total. Além disso, a companhia não
recolhe o ICMS devido no dia 10, como deveria fazer. Manguinhos, por sua vez,
também não recolhe o ICMS devido. A cada operação de venda, Manguinhos entra
com pedido na Secretaria Estadual de Fazenda do Rio e pleiteia o uso de
precatórios para pagar os impostos. O pedido é indeferido pela secretaria e a
distribuidora recorre a todas as esferas administrativas, protelando a quitação
dos débitos. Com isso, a dívida se avoluma. A secretaria não divulga valores,
alegando sigilo fiscal.
O grupo Manguinhos entrou
com pedido de recuperação judicial em 13 de janeiro deste ano na Justiça do
Paraná, mas o processo foi suspenso no último dia 8 de maio. Em documento
anexado ao processo de recuperação judicial do grupo, o procurador Bruno
Fernandes Dias, da Procuradoria Geral do Estado do Rio, afirma que “os débitos
da Refinaria e da Distribuidora para com o Estado do Rio de Janeiro, entre
inscritos em Dívida Ativa perante a Procuradoria-Geral do Estado e aqueles em
fase de cobrança perante a Secretaria de Fazenda, giram em torno da
impressionante marca de um bilhão de reais”. A petição do procurador data de 23
de março deste ano e consiste num pedido para que a recuperação judicial do
grupo corra na Justiça do Rio.
O pedido de recuperação
judicial de Manguinhos foi aceito pelo juiz Evandro Portugal, da 1ª Vara Cível
de Araucária, na região metropolitana de Curitiba em uma semana. O município é
sede da Gasdiesel, uma das quatro empresas do grupo (Manguinhos Refinaria,
Manguinhos Distribuidora, Manguinhos Química e Gasdiesel). A suspensão do
processo, em maio, atendeu a um pedido da Cattalini Terminais Marítimos,
sediada em Paranaguá (PR). A empresa é a maior credora do grupo Manguinhos e
tem a receber R$ 5,8 milhões.
A nosso ver, o
processo de recuperação judicial deveria correr na Justiça do Rio porque antes
de Manguinhos entrar com o pedido no Paraná já havia uma solicitação de
falência por um dos credores (a SRR Publicidade) ajuizada em tribunal do Rio.
Além disso, o principal ativo do grupo é a refinaria, que fica no Rio, e a
maior parte dos credores também é sediada no Rio — afirma Rodrigo Muniz Santos,
do escritório Muniz Advogados, que defende a Cattalini.
Terreno em desapropriação
A dívida total do grupo
Manguinhos com 161 credores é de R$ 9,8 milhões, segundo documentos anexados ao
pedido de recuperação judicial da empresa. No pedido, o grupo cita dificuldades
econômicas que vem enfrentando, entre elas a interdição, por sete meses, do
oleoduto que liga a área portuária do Rio à refinaria Manguinhos. A interdição
ocorreu por causa de uma explosão no duto em janeiro de 2012. De acordo com
informações que constam na ação, a paralisação da atividade do oleoduto
aumentou o custo de transporte terrestre dos insumos usados pela refinaria em
mais de R$ 50 milhões.
A situação do grupo se
agravou quando o governador do Rio, Sérgio Cabral, decretou o terreno onde está
a refinaria de utilidade pública, para fins de desapropriação, em outubro do
ano passado. Em janeiro deste ano, Manguinhos deixou de refinar petróleo e
basicamente se dedica à distribuição de etanol. O decreto está sendo contestado
na Justiça pela empresa. De acordo com a Procuradoria Geral do Rio de Janeiro,
há sete ações — três no Rio, três em São Paulo e uma em Brasília — contestando
o ato de Cabral, ainda sem decisão judicial.
Fundada em 1954, no auge
da campanha "O petróleo é nosso", Manguinhos já mudou o foco de sua
atuação algumas vezes para sobreviver no mercado de combustíveis. Entre
setembro de 2005 e março de 2010,
a empresa não refinou uma gota de petróleo sequer,
segundo dados da ANP. A interrupção se deveu à escalada do preço do petróleo no
mercado internacional, que praticamente inviabilizou suas operações. Dois anos
depois de ter sido comprada pelo grupo Andrade Magro — até 2008 o controle
estava nas mãos da família Peixoto de Castro —, Manguinhos voltou a refinar
petróleo, mas em 2012 respondeu por apenas 0,5% do refino nacional. O avanço no
setor de etanol nos últimos três anos se tornou questão de sobrevivência para a
empresa.
Procurados, os advogados
do grupo Manguinhos não retornaram as ligações, e nenhum representante da
Rodopetro foi localizado para comentar o teor da reportagem. A ANP disse não
ver risco de concorrência predatória no segmento de etanol “porque a
distribuidora não tem poder de mercado para tal”.
Fonte:
O Globo - 01/06/2013