Eliana Pedrosa
Jogamos a toalha? Perdemos a guerra? Ou decidimos simplesmente empurrar para debaixo do tapete para não mais nos incomodar? E que tapete!
Não, não é um tapete qualquer, é tapete limpinho, com conforto e toda a infraestrutura que necessitar para receber convidados e fazer a festa. É essa a impressão que se tem quando se lê sobre o programa de combate às drogas, lançado pelo Governo do Distrito Federal no mês passado, que distribui um kit, contendo canudo para cheirar cocaína, pomada para não ressecar e nem ferir os lábios, cachimbo para fumar crack e camisinhas para... Bom, para a festa ficar completa, é claro.
É o "Kit Nóia", como está sendo chamado popularmente o estojo distribuído aos usuários de drogas no Distrito Federal e que deveria ser a parte relativa à redução de danos aos usuários, dentro de um programa global de combate ao uso de drogas.
O problema é que essa parte se tornou a única e principal ação em curso. Esqueceram-se da prevenção que deveria ser o carro chefe de qualquer programa sério de combate ao uso e disseminação das drogas. E ninguém diz, muito menos, o que está sendo feito com relação ao tratamento de usuário e à repressão ao tráfico.
No GDF, não se fala sobre o assunto. Nas ruas, a população se assusta. Entre os usuários, surpresa total e até animação. Nas famílias de usuários, tristeza e revolta. Sim, porque eles, familiares, sabem muito bem do sofrimento e da luta para fazer com que seus filhos parem com o vício e, agora vem o governo e diz: "Olha, a gente vai dar o maior apoio, pode contar conosco, não precisa nem gastar dinheiro com o equipamento. Se você tem o pó ou a pasta, ou seja lá o que for, nós damos a infraestrutura. Vai lá, estamos com vocês. Fumem e cheirem à vontade!"
Essa é a leitura que tenho. Esse é o sentimento das ruas.
Entre tentativas e erros, desde os anos 80, países desenvolvidos têm trabalhado em programas para combater o avanço do uso das drogas. Holanda, Suíça, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá investiram tanto com verbas direcionadas à pesquisa de prevenção e tratamento de usuários, quanto à repressão ao tráfico. Outros países como Itália, Portugal, México e, nossos vizinhos, Uruguai, Paraguai e Chile também lutam para achar um caminho.
No início, os programas desses seis países mais avançados procuraram trabalhar diretamente com o consumidor. Na época, entendeu-se ser necessária e urgente a redução dos danos. Deveria se evitar que doenças, principalmente aquelas infectocontagiosas como a AIDS e a Hepatite C, se disseminassem entre os jovens. Procurou-se também conter a violência que, já naquela época, apontava crescimento e matava.
Acontece que os programas sempre tiveram, como carro chefe, a prevenção. Mesmo quando optaram por distribuir seringas e demarcar lugares onde o usuário poderia fazer uso do entorpecente de forma segura, sempre, o mais importante, foi a luta pela prevenção e pelo tratamento.
Conforme o tempo foi passando, o tráfico foi se intensificando e a prevenção, tratamento e repressão tornaram-se mais e mais necessários. Não houve uma eliminação da parte referente à redução de danos, mas, pouco a pouco, a prevenção e o tratamento passaram a ter mais atenção dos governos.
Da mesma forma, países que antes atuavam de forma mais liberal, passaram também a investir pesado na repressão ao tráfico e segurança de suas fronteiras.
No Brasil, mas especificamente em Brasília, creio que estamos indo na contramão da história. Sim, porque sei que muitos estados da federação não aceitaram e nem aceitam esse programa imposto pelo Governo Federal e, ao seu modo, querem buscar alternativas.
Nós, aqui no DF, ao invés de aproveitarmos a oportunidade para aprender com os erros dos outros, fazemos questão de errar tudo de novo.
O "Kit Nóia" é duro de entender, mas muito, muitíssimo fácil de produzir e distribuir. Tem sempre alguém disposto a apoiar e, quem sabe, também ganhar algum dinheirinho com isso. Tem também aqueles que não se se importam e, muito menos, vão perder sono, pensando nisso. O estrago nos jovens da nossa época e de gerações vindouras, não faz parte do cardápio, nem tampouco do projeto que alguns inventaram para suas famílias. Longe e, desde que não batam na sua porta, tá tudo bem.
Esse talvez seja o nosso maior problema. Não nos importamos e, por isso, pouco se sabe o que se faz nesse nosso rincão em relação à produção, importação e exportação da Cocaína. Divulga-se que o Brasil é apenas rota de exportação da droga, considerada a mais letal entre todos os jovens do mundo, mesmo porque hoje a cocaína virou crack e virou Oxy- versões muito mais baratas e acessíveis a qualquer pessoa.
Mas o que pouca gente sabe é que o Brasil é grande produtor de cocaína. Algumas pessoas podem até se assustar. Afinal, para a maioria, os produtores são a Colômbia, a Bolívia e o Peru, em última instância. Nunca o Brasil. Produtores, nós? De jeito nenhum. Nosso problema é a situação geográfica, o tamanho do país, essas coisas... Como diz o outro, me engana que eu gosto. Pois é, sem o Brasil e a Argentina não haveria a indústria tão pujante da cocaína. Ela só existe, porque existe um produto chamado solvente. E quem produz solvente na América do Sul? As petroquímicas brasileiras e argentinas.
Portanto, sinto muito, o Brasil é sim produtor, e dos mais importantes.
Cadê então as ações para reprimir esse intercâmbio e essa produção tão grande? Cadê as ações para prevenir a entrada de novos usuários e para o tratamento daqueles que já entraram nesse caminho tão penoso e difícil?
Salvo algumas ações isoladas, na sua maioria, feitas pela sociedade civil organizada, as ações de governo não existem, a não ser que a população se rebele e faça valer seus impostos, muito além de pagar representantes que não os representam, nem tampouco se importam. A maioria é paga para se rebelar quando for o caso, e se acanhar quando necessário.
Como fazer prevenção?
Com escolas que não atraem, cidades descuidadas, praças abandonadas, sem quadras de esportes decentes, sem teatro e, muito menos, cinema, as opções de lazer que fariam o contraponto às drogas para os jovens, principalmente aqueles mais carentes, alvos preferidos dos traficantes, definitivamente, não existem.
Como fazer tratamento de usuários?
Os nossos hospitais e postos de saúde não conseguem atender a população de uma maneira geral. Não têm médicos, leitos, medicamentos. Falta até esparadrapo. Dependentes químicos, nem pensar.
Já que não há ações eficazes de repressão ao tráfico, não dá para se fazer prevenção sem oferecer o mínimo de educação, cultura e, o tratamento depende da rede pública de saúde totalmente sucateada.
Sobrou o que?
O "kit Nóia". Bem embrulhadinho, debaixo do tapete.
É a festa da morte com seus disfarces.
Na galeria Nova Ouvidor, Setor Comercial Sul, bem no centro da Capital do país, ninguém escuta mais nada.
Pouco se vê,
Prá quê?