Por Gleisson Coutinho
A Constituição Federal de 1988 estruturou um sistema de
freios e contrapesos para impedir abusos e garantir que nenhum Poder se
sobreponha ao outro. Entre essas garantias está a competência exclusiva e
privativa do Senado Federal de processar e julgar ministros do Supremo Tribunal
Federal por crimes de responsabilidade, conforme o art. 52, II da Constituição.
No entanto, recente movimentação jurídica e declarações do
ministro Gilmar Mendes abriram um perigoso precedente na tentativa de
restringir de forma flagrantemente inconstitucional o acesso da sociedade ao
processo de impeachment de ministros do STF, sugerindo que apenas a
Procuradoria-Geral da República teria legitimidade para apresentar denúncias.
Essa interpretação, além de equivocada, representa afronta direta ao texto
constitucional, ao Senado Federal e ao princípio republicano da
responsabilidade política.
A base constitucional é cristalina. O art. 52, II da
Constituição estabelece que compete privativamente ao Senado Federal processar
e julgar os Ministros do STF nos crimes de responsabilidade. Já a Lei
1.079/1950, recepcionada plenamente pela Constituição, determina que qualquer
cidadão pode apresentar denúncia contra ministros do STF. Portanto, a lógica é
clara: o Senado processa e julga, e o cidadão denuncia, sendo este um pilar
essencial do controle social.
O equívoco da PGR e do ministro Gilmar Mendes não encontra
amparo na Constituição, nem na Lei 1.079/1950, nem no Estado Democrático de
Direito. Trata-se de uma tentativa de reescrever o ordenamento jurídico por
meio de interpretação judicial, algo expressamente proibido quando o texto
constitucional é claro e quando a matéria é de competência legislativa
privativa do Congresso Nacional.
O STF não pode legislar nem alterar o rito do impeachment, que é um processo político-jurídico conduzido pelo Senado. Qualquer tentativa de restringir a legitimidade ativa, alterar o rito, limitar a denúncia ou impedir que cidadãos comuniquem infrações configura uma invasão direta de competência legislativa, violando a separação dos Poderes e outros princípios constitucionais fundamentais.
Historicamente, o Senado tem registrado número crescente de
pedidos de impeachment contra ministros do STF, com mais de 60 protocolados
entre 2021 e 2025, a maioria apresentada por cidadãos. Impedir que cidadãos
protocolem tais pedidos significaria neutralizar o controle social, blindar
ministros contra eventual abuso e romper com o Estado de Direito.
A gravidade institucional é evidente. Quando um ministro do
STF atua para impedir o funcionamento de outro Poder, ocorre infração
político-administrativa prevista na Lei 1.079/1950. Ao declarar, ainda que
implicitamente, que somente a PGR poderia propor impeachment, o ministro Gilmar
Mendes usurpa competência legislativa, subverte o controle democrático e tenta
alterar regra constitucional sem lei, o que configura, em tese, crime de responsabilidade.
Esta tentativa de impor uma “ditadura da toga”, onde
decisões internas do STF se sobrepõem à própria Constituição, deve ser repelida
imediatamente. Se confirmada a conduta de um ministro que viola a separação dos
Poderes e usurpa competência do Legislativo, cabe ao próprio Senado, com base
no art. 52 da Constituição, processar, julgar e decretar o afastamento. A tese
da exclusividade da PGR é um grave ataque à Constituição, e qualquer tentativa
de implementá-la deve ser vista e julgada como crime de responsabilidade.
Fonte: A redação
