sábado, 27 de novembro de 2021

Meu “pai de criação” faleceu. Tenho também direito na herança, como seus demais filhos?

FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA, ou seja, aquela decorrente não de vínculo sanguíneo mas de VÍNCULO DE AFETO tem reconhecimento jurídico e consequentes efeitos jurídicos (patrimoniais e sucessórios) como aponta com acerto a jurisprudência pátria. O jurista PAULO LOBO (Direito Civil. 2021) esclarece essa importante questão com a precisão cirúrgica de sempre:

"(...) Têm-se como abrangidas as hipóteses de mãe e pai socioafetivos registrados, aos quais se pode acrescentar a mãe biológica, ou o pai biológico ou ambos, o que resultará em TRÊS ou QUATRO pais, no total. Se não há mais a exclusividade do MODELO BINÁRIO e se é admissível a MULTIPLICIDADE das parentalidades, o registro civil da parentalidade biológica deixou de ser obstáculo à concomitância do registro da parentalidade socioafetiva subsequente. Pelas mesmas razões, não há impedimento para a concomitância de parentalidade socioafetiva. (...) O filho será herdeiro necessário tanto do PAI SOCIOAFETIVO ou da MÃE SOCIOAFETIVA quanto do PAI BIOLÓGICO ou da MÃE BIOLÓGICA, em igualdade de direitos em razão aos demais herdeiros necessários de cada um. Terá DUPLO DIREITO À HERANÇA, levando-o a situação vantajosa em relação aos respectivos irmãos socioafetivos, de um lado, e irmãos biológicos, do outro, mas essa não é razão impediente da aquisição do direito".

EFETIVAMENTE, temos que no caso em tela, presente o vínculo aos pais pelo cordão biológico e pelo cordão afetivo, justo e acertado que decorram desses laços também aqueles efeitos previstos em lei decorrentes da filiação (como o direito à HERANÇA), estreme de dúvidas que não se pode tolerar no direito pátrio qualquer discriminação à origem das filiações, como determina com absoluta clareza o comando constitucional (par. 6º do art. 227 da CRFB/88).

MAS COMO RECONHECER A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA? Atualmente a filiação socioafetiva pode ser reconhecida EXTRAJUDICIALMENTE nos moldes do PROVIMENTO CNJ 63/2017 ou judicialmente, tanto quando preenchidos os requisitos exigidos na via Extrajudicial (já que a via judicial é inafastável - art. 5º, inc. XXXV), assim como e especialmente nos casos onde a via Extrajudicial reste obstaculizada justamente por não atender ao referido Provimento 63/2017.

A Corte Superior recentemente teve a oportunidade de confirmar que os efeitos patrimoniais e sucessórios devem estar presentes também na filiação socioafetiva. Com a referida decisão o STJ modificou o resultado alcançado pelo TJMG que, violando regras do CCB/2002 e do ECA, lamentavelmente estabelecia condenável tratamento diferenciado entre a paternidade biológica e socioafetiva:

"RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. (...) RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. TRATAMENTO JURÍDICO DIFERENCIADO. PAI BIOLÓGICO. PAI SOCIOAFETIVO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. (...) 2. A possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF). Isso porque conferir "status" diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos. 3. No caso dos autos, a instância de origem, apesar de reconhecer a multiparentalidade, em razão da ligação afetiva entre enteada e padrasto, determinou que, na certidão de nascimento, constasse o termo "pai socioafetivo", e AFASTOU a possibilidade de efeitos patrimoniais e sucessórios. 3.1. Ao assim decidir, a Corte estadual conferiu à recorrente uma posição filial inferior em relação aos demais descendentes do "genitor socioafetivo", violando o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da Lei n. 8.069/1990. 4. Recurso especial provido para reconhecer a equivalência de tratamento e dos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva na hipótese de multiparentalidade". (REsp 1487596/MG. J. em: 28/09/2021)


Por Julio Martins


Fonte: www.juliomartins.net