segunda-feira, 8 de julho de 2019

Com porte de armas questionado, Câmara Legislativa terá curso de tiro




Apesar de considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal, policiais legislativos do Distrito Federal vão receber curso de tiro pago pela Casa. Categoria faz pressão na Esplanada por uma lei que lhe garanta armas

Resolução interna de 2006 concedeu o porte aos agentes e inspetores de polícia da Câmara Legislativa: só assembleias do Acre, Rio Grande do Sul e Pernambuco garantem benefício(foto: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press - 7/11/16)

A Câmara Legislativa (CLDF) vai contratar uma empresa para treinar seus policiais legislativos para o manuseio de armas de fogo. Uma resolução interna de 2006 concedeu o porte aos agentes e inspetores de polícia da CLDF, mas o benefício é considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal, que entrou com uma Adin contra o texto. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não julga o tema, a categoria pressiona o Planalto e o Congresso Nacional por uma lei que garanta o benefício a policiais legislativos de todo o país. Hoje, assembleias legislativas de poucos estados, como Acre, Rio Grande do Sul e Pernambuco, garantem o porte a agentes e inspetores.

A Resolução nº 223/2006 da CLDF trouxe detalhes sobre a estrutura, a competência e as atribuições da Coordenadoria de Polícia da Câmara Legislativa. O texto também estabelece que “é livre o porte de arma de uso permitido no território do Distrito Federal aos inspetores e agentes de Polícia Legislativa, mediante prévia autorização do presidente da Câmara Legislativa”.


A Casa tem um inspetor e 44 agentes legislativos, dos quais 35 na ativa e nove aposentados. Todos têm porte de armas concedido pela Presidência da CLDF. A Câmara Legislativa dispõe de quatro revólveres calibre .38 em seu patrimônio. Mas, segundo o Sindicato dos Servidores da CLDF, esses revólveres ficam acautelados, e a maioria dos policiais legislativos porta suas próprias armas particulares.

Para ter porte de armas, os policiais legislativos devem passar por avaliação psicológica periódica que ateste a capacidade do servidor para o uso da arma, além de prévia habilitação dos agentes e inspetores em curso específico de treinamento, renovado em intervalo não superior a três anos. A licitação para capacitação, que será realizada em 9 de julho, custa R$ 90,3 mil. Para participar da concorrência pública, a empresa precisa ser registrada no Comando do Exército.

A contratação é para uma quantidade estimada de 70 testes de capacidade técnica para manuseio de armas de fogo. O treinamento e o teste de capacidade técnica deverão ser feitos com o uso de revólver calibre .38  e pistola .380. Segundo a assessoria da CLDF, o curso é para os atuais servidores e também vai beneficiar os concursados prestes a serem nomeados. O edital previa uma vaga de inspetor e três de agente de Polícia Legislativa mas, diante do deficit, o número de convocados pode aumentar.

A capacitação será feita em três fases. A primeira é uma instrução inicial teórico-prática, com a oferta de cartilha de armamento e tiro da Polícia Federal. A segunda etapa é o treinamento prático com disparo de arma de fogo, realizado em estande de tiro, em que cada um dos candidatos efetuará 60 disparos com revólver calibre .38 e 72 com pistola calibre .380. A última fase é realizada em estandes de tiros, com mais 22 disparos, quando a capacidade de manuseio do candidato é analisada. Os testes são realizados com alvos de silhueta humana e com distâncias que variam entre 5m e 7m. A empresa contratada terá seis meses para concluir os testes.

Inconstitucionalidade

A ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a resolução que deu porte de armas aos policiais legislativos da CLDF foi ajuizada pelo MPF em 2015 e tramita sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes. Em parecer protocolado no ano passado, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, lembrou que o Estatuto do Desarmamento não prevê o porte a essas categorias. “A competência da Câmara Legislativa do Distrito Federal para organizar sua polícia não a autoriza tratar de matéria de interesse nacional, cuja competência para legislar seja privativa da União”, justificou Dodge.

O presidente da Associação dos Policiais Legislativos do DF, Luiz Alberto Ferreira, lembrou que o Supremo não concedeu a liminar derrubando os efeitos da resolução e que, portanto, o benefício está em vigor. “O porte não é concedido automaticamente, é preciso preencher uma série de requisitos, como exame psicológico e teste de tiro”, argumentou. Ele ressaltou que a categoria está atenta à tramitação de projetos no Congresso que tratem sobre o assunto.  A ideia é não depender apenas da resolução interna da CLDF, diante do risco de o STF derrubar o normativo.

Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário da pasta no DF, Arthur Trindade destacou que outras categorias excluídas daquelas com porte garantido no Estatuto do Desarmamento lutam pelo benefício. Entre elas estão servidores do Detran, agentes socioeducativos e penitenciários e guardas municipais. Muitos conseguem a benesse por meio de leis locais, posteriormente questionadas e derrubadas. “Esse debate não se resume a uma questão funcional, mas de construção de status desses profissionais. O porte funciona como um símbolo de pertencimento a uma categoria mais ampla, que é a carreira policial, com todas as eventuais benesses decorrentes, como aposentadoria especial”, explicou.  “No fundo, o grande debate é em torno de quem entra e de quem está fora do artigo 144 da Constituição”, disse o especialista. Esse artigo define os órgãos públicos que têm atribuição de garantir a segurança pública.

Para ele, a partir da concessão do porte, é preciso que haja uma política institucional em que o órgão público concede as armas, com padronizações e controle sobre os armamentos, além de capacitação aos agentes. “A possibilidade de cada um comprar a sua arma é a pior das opções, porque aí não existe controle nenhum”.


Fonte: Correio Braziliense