Apesar
de considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal, policiais
legislativos do Distrito Federal vão receber curso de tiro pago pela Casa.
Categoria faz pressão na Esplanada por uma lei que lhe garanta armas
A Câmara Legislativa (CLDF) vai contratar uma
empresa para treinar seus policiais legislativos para o manuseio de armas de
fogo. Uma resolução interna de 2006 concedeu o porte aos agentes e inspetores
de polícia da CLDF, mas o benefício é considerado inconstitucional pelo
Ministério Público Federal, que entrou com uma Adin contra o texto. Enquanto o
Supremo Tribunal Federal (STF) não julga o tema, a categoria pressiona o
Planalto e o Congresso Nacional por uma lei que garanta o benefício a policiais
legislativos de todo o país. Hoje, assembleias legislativas de poucos estados,
como Acre, Rio Grande do Sul e Pernambuco, garantem o porte a agentes e
inspetores.
A Resolução nº 223/2006 da CLDF trouxe detalhes
sobre a estrutura, a competência e as atribuições da Coordenadoria de Polícia
da Câmara Legislativa. O texto também estabelece que “é livre o porte de arma
de uso permitido no território do Distrito Federal aos inspetores e agentes de
Polícia Legislativa, mediante prévia autorização do presidente da Câmara
Legislativa”.
A Casa tem um inspetor e 44 agentes
legislativos, dos quais 35 na ativa e nove aposentados. Todos têm porte de
armas concedido pela Presidência da CLDF. A Câmara Legislativa dispõe de quatro
revólveres calibre .38 em seu patrimônio. Mas, segundo o Sindicato dos
Servidores da CLDF, esses revólveres ficam acautelados, e a maioria dos
policiais legislativos porta suas próprias armas particulares.
Para ter porte de armas, os policiais
legislativos devem passar por avaliação psicológica periódica que ateste a
capacidade do servidor para o uso da arma, além de prévia habilitação dos
agentes e inspetores em curso específico de treinamento, renovado em intervalo
não superior a três anos. A licitação para capacitação, que será realizada em 9
de julho, custa R$ 90,3 mil. Para participar da concorrência pública, a empresa
precisa ser registrada no Comando do Exército.
A contratação é para uma quantidade estimada de
70 testes de capacidade técnica para manuseio de armas de fogo. O treinamento e
o teste de capacidade técnica deverão ser feitos com o uso de revólver calibre
.38 e pistola .380. Segundo a assessoria da CLDF, o curso é para os
atuais servidores e também vai beneficiar os concursados prestes a serem
nomeados. O edital previa uma vaga de inspetor e três de agente de Polícia
Legislativa mas, diante do deficit, o número de convocados pode aumentar.
A capacitação será feita em três fases. A
primeira é uma instrução inicial teórico-prática, com a oferta de cartilha de
armamento e tiro da Polícia Federal. A segunda etapa é o treinamento prático
com disparo de arma de fogo, realizado em estande de tiro, em que cada um dos
candidatos efetuará 60 disparos com revólver calibre .38 e 72 com pistola
calibre .380. A última fase é realizada em estandes de tiros, com mais 22
disparos, quando a capacidade de manuseio do candidato é analisada. Os testes
são realizados com alvos de silhueta humana e com distâncias que variam entre
5m e 7m. A empresa contratada terá seis meses para concluir os testes.
Inconstitucionalidade
A ação direta de inconstitucionalidade (Adin)
contra a resolução que deu porte de armas aos policiais legislativos da CLDF
foi ajuizada pelo MPF em 2015 e tramita sob a relatoria do ministro Gilmar
Mendes. Em parecer protocolado no ano passado, a procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, lembrou que o Estatuto do Desarmamento não prevê o
porte a essas categorias. “A competência da Câmara Legislativa do Distrito
Federal para organizar sua polícia não a autoriza tratar de matéria de
interesse nacional, cuja competência para legislar seja privativa da União”,
justificou Dodge.
O presidente da Associação dos Policiais
Legislativos do DF, Luiz Alberto Ferreira, lembrou que o Supremo não concedeu a
liminar derrubando os efeitos da resolução e que, portanto, o benefício está em
vigor. “O porte não é concedido automaticamente, é preciso preencher uma série
de requisitos, como exame psicológico e teste de tiro”, argumentou. Ele
ressaltou que a categoria está atenta à tramitação de projetos no Congresso que
tratem sobre o assunto. A ideia é não depender apenas da resolução
interna da CLDF, diante do risco de o STF derrubar o normativo.
Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública e ex-secretário da pasta no DF, Arthur Trindade destacou que outras
categorias excluídas daquelas com porte garantido no Estatuto do Desarmamento
lutam pelo benefício. Entre elas estão servidores do Detran, agentes
socioeducativos e penitenciários e guardas municipais. Muitos conseguem a
benesse por meio de leis locais, posteriormente questionadas e derrubadas.
“Esse debate não se resume a uma questão funcional, mas de construção de status
desses profissionais. O porte funciona como um símbolo de pertencimento a uma
categoria mais ampla, que é a carreira policial, com todas as eventuais
benesses decorrentes, como aposentadoria especial”, explicou. “No fundo,
o grande debate é em torno de quem entra e de quem está fora do artigo 144 da
Constituição”, disse o especialista. Esse artigo define os órgãos públicos que
têm atribuição de garantir a segurança pública.
Para ele, a partir da concessão do porte, é
preciso que haja uma política institucional em que o órgão público concede as
armas, com padronizações e controle sobre os armamentos, além de capacitação
aos agentes. “A possibilidade de cada um comprar a sua arma é a pior das
opções, porque aí não existe controle nenhum”.
Fonte: Correio Braziliense