Mesmo depois de o Procurador-Geral da
Suíça ter confirmado oficialmente que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
foi informado do bloqueio das suas contas naquele País [movimentou algo em
torno de 5 milhões dólares]; mesmo depois de ele ter confirmado que o deputado
“tentou reverter o
congelamento de suas contas emanobrou para
evitar o envio de seus dados bancários ao Brasil, onde terá que responder a
processos criminais por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, crime
organizado etc.” (Estadão 7/10/15:
A8), mesmo assim, continua o presidente da Câmara dizendo: “Eu não tenho conta no exterior”.
Mentiu na CPI da Petrobras, mentiu inúmeras vezes para seus colegas de
Parlamento, mentiu diante de jornalistas e continua mentindo inveteradamente.
Vai renunciar à presidência da Câmara? “Em
hipótese alguma” (declaração
de 7/10/15, pela manhã).
Neste
tenebroso episódio, trata-se de um louco ou, apenas, de um mentiroso? De um
desavergonhado mentiroso. E por que nós humanos mentimos tanto, inclusive e,
sobretudo, para nós mesmos? Quando nos deparamos
com graves crises nas nossas
vidas, algo realmente muito estressante, como nos comportamos? Quais mecanismos
psicológicos são desencadeados? Por que começamos negando (descaradamente) a
verdade?
Grande parcela
dos humanos enfrentamos as grandes crises da seguinte maneira (veja Pedro Bermejo, Quiero tu voto, p. 33 e ss.):
1º) negando o problema; 2º) buscando culpados; 3º) praticando medidas
desesperadas; 4º) reconhecendo o problema; 5º) buscando soluções racionais
(quando existentes) para ele. As três primeiras etapas são regidas pela emoção.
As duas últimas, pela razão.
Eduardo Cunha
ainda está vivendo (até o momento que escrevo este artigo) as três primeiras
etapas (as emocionais). Já negou ter conta no exterior inúmeras vezes, já
culpou o governo do PT assim como o Procurador-Geral e o Ministro da Justiça
pelas investigações criminais da sua participação no escândalo da Petrobras, já
disse estar sendo perseguido e já praticou incontáveis barbaridades contra o
governo (pautas-bombas). Até aqui, pura emoção! É previsível que, em breve, venha
a etapa da razão. Começará aceitando o problema e vai buscar uma solução (a
menos estressante possível). Pode renunciar à presidência da Câmara (ou vai ser
“renunciado”), para manter, provisoriamente, o cargo de deputado (e continuar
com prerrogativa de foro). Isso é praticamente certo. Em seguida aguardará o
seu destino: cassação do mandato pelos seus pares ou condenação pelo STF, com
perda do cargo. Para não ir para a cadeia pode ser que aceite fazer delação
premiada. Nesse caso, uma boa limpeza na venal e decrépita República brasileira
pode ser feita. Eduardo Cunha não deveria ser apenas mais um “escândalo” na
vida pública brasileira emporcalhada: é hora de decretarmos o fim dessa maneira
de fazer política e negócios.
Por que
começamos negando os nossos problemas (as crises)? Pedro Bermejo, neurologista
espanhol, explica (Quiero tu voto, p. 32 e ss.): “O cérebro humano conta
com uma série de características para evitar o sofrimento, o que nos faz mais
felizes e potencializa nossas capacidades para afrontar o estresse e os
problemas desde o ponto de vista emocional; mas também, nesta fase emocional,
nos impede de tomar decisões corretas para sair do problema; diante de uma
crise nosso cérebro põe em marcha uma série de mecanismos para superá-la; a negação
é uma forma de funcionar do cérebro, é um autoengano, que tem o objetivo de
evitar sofrimentos sem pensar nas desastrosas consequências posteriores”.
Por que
mentimos inveteradamente? A biologia evolutiva e a psicologia dizem que
“mentimos para nós mesmos para mentir melhor para as demais pessoas” (Robert
Trivers, La insensatez de los
necios, p. 11). Praticamos o autoengano para poder enganar melhor os
outros. Quem não mente para si mesmo não se transforma num grande mentiroso.
Quem se vende como honesto, não o sendo, primeiro tem que estar convencido
dessa desonestidade. O engano assim como o autoengano “é uma faceta obscura e
opaca da nossa personalidade, um aspecto que preferimos não encarar, assumindo
o risco que isso implica”. Sofremos com o autoengano, mas também desfrutamos
dele.
Somos,
ademais, protagonistas de uma contradição brutal (diz Trivers, p. 18):
“Procuramos obter informação [isso foi o que Cunha fez sobre suas contas na
Suíça] e logo em seguida atuamos destruí-la. Por um lado, os órgãos dos
sentidos evolucionaram e nos brindam hoje uma imagem sumamente detalhada e
precisa do mundo circundante (...) em conjunto, os sitemas sensoriais estão
organizados para nos brindar um reflexo pormenorizado e preciso da realidade
[como ter contas bancárias clandestinas fora do País] (...) Não obstante tudo
isso, uma vez que toda essa informação chega ao cérebro, com frequência a mente
consciente a torce ou distorce. Negamos a nós mesmos a verdade. Projetamos
sobre os demais traços que na realidade são nossos e logo os atacamos.
Reprimimos as recordações penosas, inventamos outras totalmente falsas,
racionalizamos o comportamento imoral, atuamos sem cessar para elevar a opinião
que temos de nós mesmos e recorremos a toda uma série de mecanismos de defesa do
eu. Por quê? Porque queremos enganar os outros”.
“Perigosa é a
mentira que se conta para si próprio” (Gabriel, o Pensador), porque ela é a
base da mentira que se conta para os outros. “A repetição não transforma em
verdade uma mentira” (Franklin Roosevelt), mas ela é a base do autoengano. “O
humano tem uma capacidade inesgotável de mentir, especialmente para si mesmo”
(George Santayana), porque é dessa forma que se prepara para mentir e para
enganar os outros.
Fonte:
Jus Brasil