Fórum Nacional de Membros do Ministério
Público da Infância e Adolescência
O
Fórum Nacional de Membros do Ministério Público da Infância e Adolescência –
Proinfância vem a público externar a presente moção de repúdio diante de todo o
descaso do poder público para com as primeiras eleições unificadas dos
Conselhos Tutelares de todos os municípios do Brasil, ocorridas no último
domingo, 04 de outubro de 2015.
Em
razão do absoluto descaso com que se trata a infância e juventude no Brasil,
não é exagero dizer que o último 04 de outubro também marcou a pior eleição já
realizada na história do país: despreparo e insuficiência das equipes de
mesários; logística inadequada para atender os eleitores; subdimensionamento da
demanda esperada; longas e intermináveis filas de espera; pessoas expostas, por
horas a fio, ao sol do meio-dia em pleno sertão nordestino; candidatos
fraudando descaradamente as regras de conduta eleitoral que deles esperavam
obediência; transporte irregular de eleitores aos borbotões; boca de urna
desavergonhada dos candidatos e seus cabos eleitorais; falta de sanção penal
para as condutas vedadas; votações ocorrendo, em pleno século XXI, mediante
urnas de lona - no que se incluem muitas capitais (João Pessoa/PB, São Luís/MA,
Vitória/ES etc); eleições não realizadas ou anuladas em quatro dos maiores
municípios do país: São Paulo/SP, Salvador/BA, Belém/PA e Rio de Janeiro/RJ;
apurações que adentraram a madrugada em virtude da necessidade de se
"cantar" o voto; os promotores de justiça da infância e juventude
praticamente sozinhos no combate ao mar de irregularidades em que soçobravam,
dentre outras.
Reza
a sabedoria popular que é melhor procurar soluções do que apontar culpados.
Porém, neste caso, eles são tantos que é impossível não os mencionar.
Primeiro,
o Congresso Nacional, que inseriu no Estatuto da Criança e do Adolescente a
previsão de que as eleições de todos os Conselhos Tutelares do país ocorressem
na mesma data, mas deixou de prever a participação da Justiça Eleitoral,
desconsiderando a falta de estrutura da maioria dos municípios e os custos para
a realização do pleito (no Distrito Federal, por exemplo, foram gastos 9
milhões de reais para o seu preparo). Pior ainda, esqueceu o legislador
brasileiro de prever sanções penais para condutas proibidas em qualquer
eleição, como a boca de urna e o transporte irregular de eleitores, deixando
todos os que participaram das eleições à mercê das mais diversas – e
escancaradas – condutas imorais.
Segundo,
a Justiça Eleitoral – justiça de estrutura caríssima entre nós, utilizada
apenas de dois em dois anos –, que simplesmente virou as costas para estas
eleições, limitando-se, quando muito (e em apenas alguns Estados), a emprestar
algumas urnas eletrônicas para as metrópoles e urnas de lona – em número
absolutamente insuficiente, por sinal – aos demais municípios. A Justiça
Eleitoral, que, em nome de um suposto espírito democrático, muito exige dos
municípios para a realização das suas
eleições (funcionários, escolas,
equipamentos etc), os deixou desamparados, tendo que suportar todos os custos e
desgastes decorrentes das dificuldades de organização deste pleito. As urnas
eletrônicas, orgulho nacionalmente divulgado pela publicidade institucional do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ficaram em sua larga maioria muito bem
guardadas, preservadas desta eleição "menor".
Terceiro,
o Governo Federal, que se manteve à distância de todo o processo, deixando, com
o perdão do lugar comum, esta "bomba" estourar nos colos de cada
prefeito e Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não
basta expedir atos normativos e esperar que, em todos os rincões do país, o
milagre aconteça! Num país de dimensão continental, de realidades tão díspares,
chegam a ser irresponsáveis aqueles que, tendo condições, não dão o verdadeiro
suporte – funcionários, automóveis, computadores, material de expediente etc –
e aguardam que o Ministério Público fiscalize e faça tudo acontecer Brasil
afora.
Quarto
– e não menos importante – o nosso Ministério Público, instituição
constitucionalmente vocacionada à "defesa do regime democrático e da ordem
jurídica" (Constituição Federal, artigo 127), porém cuja administração
superior nunca deu prioridade à infância e juventude, tratando a atribuição
como qualquer outra e fazendo promotores cumularem-na com tudo o mais. Nas
eleições do dia 04, houve Ministérios Públicos que sequer designaram
funcionários e promotores para cada município; vários promotores tiveram que
fiscalizar, sozinhos, as eleições em vários municípios ao mesmo tempo – alguns
até com sete cidades a seu encargo; muitos de
seus membros se omitiram ao longo do processo ou se negaram
expressamente a auxiliar os promotores da infância e juventude na tarefa que
seria, de maneira previsível, desgastante e inglória, sem falar naqueles que
simplesmente tiraram férias no período em que estas eleições se iriam realizar
– demonstrando, assim, o apreço que têm para com a proteção integral de nossas
crianças e adolescentes. O triste fato é que não houve empenho suficiente da
cúpula ministerial para obter o apoio da Justiça Eleitoral – apoio este que foi
negado por ofício sequer assinado pelo Ministro Dias Tofffoli, então Presidente
do TSE, ainda hoje na função.
Nada
justifica tamanho despreparo nestas eleições que já haviam sido agendadas há
mais de três anos, quando da promulgação da Lei 12.696, de 25 de julho de 2012.
Ao invés de se mostrar um momento de celebração da vida cívica em nossa nação,
o pleito de 04 de outubro de 2015 se mostrou um verdadeiro e lamentável
atentado à democracia.
Se
há algo de bom neste dia tão traumático para a incipiente democracia
brasileira, isto se deve ao fato de que o 04 de outubro de 2015 foi a prova
cabal de que a máxima "criança e adolescente são prioridade absoluta"
não passa de uma frase sem lastro em nossas práticas sociais e governamentais.
Nosso país ainda tem diante de si um longo caminho a percorrer se quiser ser um
país sério para com sua população, especialmente os pequenos. Caem as máscaras
no Brasil! Mas que nesta "pátria amada", "terra adorada entre
outras mil", nasça, um dia, uma verdadeira democracia – a qual se deve
expressar antes, durante e depois do voto livre, desimpedido e consciente.
Os
membros do Ministério Público integrantes do Proinfância continuarão
desempenhando seu ofício, na expectativa de que esse dia, um dia, chegará.
André
Tuma Delbim Ferreira
Coordenador
ProInfância
Millen
Castro Medeiros de Moura
Coordenador
ProInfância
Sasha
Alves do Amaral
Coordenador
ProInfância
Flávio
Okamoto
Secretário-Geral
ProInfância