sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Há brechas legais propositais para evasão e lavagem de dinheiro, diz doleiro

CPI da Petrobras vai pedir ao Banco Central e à Receita Federal o cruzamento de dados das operadoras de câmbio que enviaram dinheiro para o exterior, por meio de operações chamadas de remessa de frete, para empresas importadoras que não tinham registro para esta atividade
Gustavo Lima / Câmara dos Deputados
Lucas Pacce Jr. (D), que fez delação premiada à Justiça, em depoimento à CPI da Petrobras: Banco Central facilitou as irregularidades ao permitir que as corretoras atuassem como bancos no mercado de câmbio, a partir de 2006

O operador Lucas Pacce Jr., acusado de envolvimento no esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior pela Operação Lava Jato, apontou, em depoimento à CPI da Petrobras, a existência de brechas legais que permitem evasão de divisas e lavagem de dinheiro por meio de corretoras e bancos, à margem da fiscalização do Banco Central (BC).
Ele disse ainda que as irregularidades só são possíveis graças a falhas na fiscalização e à colaboração de gerentes de bancos.
Pacce participava do esquema da doleira Nelma Kodama, que operava o envio de dinheiro para o exterior junto com o também doleiro Alberto Youssef. Ao responder pergunta do relator da CPI, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ), ele disse que o Banco Central facilitou as irregularidades ao permitir que as corretoras atuassem como
bancos no mercado de câmbio, a partir de 2006 – por meio da Medida Provisória 315/2006, transformada na lei 11.371/06.
Brechas propositais
“Na minha opinião, existem brechas propositais”, disse. Ele deu como exemplo o fato de os doleiros abrirem empresas de fachada que serviam apenas para enviar dinheiro para o exterior, oficialmente para pagar importações fraudulentas.
“A empresa não faz remessa de carga e não faz frete. A empresa opera 300 mil dólares por dia, e ninguém verifica. Nunca chega produto nenhum, e ela não tem Radar. Sem Radar, a empresa não poderia nem fazer operações legais de importação, e no entanto faz”, disse.
Radar é uma autorização que permite acesso ao Sistema Integrado de Comércio Exterior da Receita Federal (Siscomex). Sem isso, a empresa não poderia fazer operações de importação e muito menos mandar dinheiro para o exterior como se fosse o pagamento. “Mas isso continua a acontecer hoje, mesmo depois da Operação Lava Jato”, disse.
Propinas na Petrobras
Com base nas informações de Pacce, a CPI vai pedir ao Banco Central e à Receita Federal o cruzamento de dados das operadoras de câmbio que enviaram dinheiro para o exterior, por meio de operações chamadas de remessa de frete, para empresas importadoras que não tinham registro Radar para esta atividade.
Segundo a Polícia Federal, essa operação de remessa de dinheiro para o exterior fazia parte do esquema de pagamento de propina descoberto na Petrobras pela Operação Lava Jato.
A afirmação de Pacce, que fez acordo de colaboração com a Justiça, revoltou os deputados da CPI. “Lamento que estiveram aqui o presidente do Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e o diretor do BC, dizendo que havia um controle grande do sistema financeiro. E agora um operador diz que não havia controle algum”, disse o deputado Antônio Imbassahy (PSDB-BA).
Controle
Antes de Pacce, a comissão ouviu o depoimento do diretor de Fiscalização do Banco Central, Anthero de Moraes Meirelles, que defendeu a eficiência dos mecanismos de controle da atividade de doleiros, usados no esquema de desvio de recursos da Petrobras para lavagem de dinheiro e pagamento de propina.
Segundo Meirelles, o sistema de controle é robusto e os diversos órgãos envolvidos comunicam operações suspeitas ao Coaf e ao Ministério Público. Ele disse que, graças a esse sistema, que funciona sob rígidos padrões internacionais, corretoras como a Districash e a Bonus Banval, acusadas de evasão de divisas, foram liquidadas. E outras, como a TOV, acusada de irregularidades pela doleira Nelma Kodama, estão sendo investigadas.
Descalabro
O deputado Antônio Imbassahy discordou da avaliação do diretor do BC. “Segundo o Ministério Público, investigados movimentaram 400 milhões de dólares em operações fraudulentas, um volume enorme. Fala ainda de 900 operações de câmbio fraudulentas em 2013 e 2014. Só a TOV movimentou R$ 270 milhões. Como aconteceu este descalabro?”, perguntou.
O diretor do BC atribuiu a ocorrência de evasão de divisas e lavagem de dinheiro por meio de doleiros ao mercado informal de dólar, que não passa pelo controle das instituições financeiras.
Os deputados André Moura (PSC-SE), Izalci (PSDB-DF) e Bruno Covas (PSDB-SP) também ficaram insatisfeitos com respostas de Meirelles. “Fica parecendo que está tudo bem”, disse Izalci.
Sem conhecimento
A CPI também ouviu outras duas pessoas: Maria Lúcia Ramires Cardena acusada de lavagem de dinheiro junto com o doleiro Raul Srour, e Marco Stefano, diretor da corretora TOV, uma das maiores do País.
Srour é acusado de envolvimento em evasão de divisas e lavagem de dinheiro junto com os também doleiros Nelma Kodama e Alberto Youssef. A corretora TOV foi acusada de participar do esquema de remessas ilegais por Kodama.
Maria Lúcia disse aos deputados que era apenas a secretária que marcava a agenda e atendia telefonemas para Srour, e Stefano alegou trabalhar no setor de bolsa de valores da corretora TOV, sem contato com a área de câmbio.

Reportagem – Antônio Vital
Edição – Newton Araújo

Fonte: Agência Câmara Notícias