segunda-feira, 29 de junho de 2015

CPI dos Transportes: Depoimento confirma influência de advogado em licitação

Inexperiência pode ter sido estratégica

Apesar das negativas do secretário de Transportes na gestão de Agnelo Queiroz (PT), os parlamentares estão convencidos de que o certame foi prejudicial aos cofres públicos.

O depoimento de Galeno Furtado na CPI dos Transportes confirmou boa parte das suspeitas dos deputados distritais. ... O ex-presidente da comissão de licitação disse ter sido influenciado pelas orientações do advogado Sacha Reck, que também teria ligação com a empresa que elaborou o edital. Apesar das negativas do secretário de Transportes na gestão de Agnelo Queiroz (PT), os parlamentares estão convencidos de que o certame foi prejudicial aos cofres públicos e à qualidade do sistema.

Mesmo com o recesso parlamentar durante o mês de julho, a Câmara Legislativa chega perto de atestar as fraudes no processo de escolha das empresas que vão operar o transporte pelos próximos dez anos. A exemplo da CPI de Curitiba, que recomendou a anulação da escolha das empresas, os distritais querem fazer o mesmo no Distrito Federal e já veem grande possibilidade de isso acontecer.

Depoimentos

A CPI colheu depoimentos conclusivos. Nas semanas anteriores, foram chamados ex-servidores do DFTrans e da Secretaria dos Transportes e o empurra-empurra na responsabilidade irritou os integrantes da comissão. Enquanto os nomes do governo passado se eximiram da responsabilidade, os atuais
gestores se limitaram a fazer avaliações técnicas do sistema. Assim, os depoimentos de Galeno Furtado e José Walter Vasquez trouxeram expectativa.

O primeiro deles precisou ser convocado quatro vezes para ir até a Câmara prestar esclarecimentos. Os distritais aprovaram a primeira convocação há duas semanas, mas o ex-presidente da comissão de licitação alegou estar nos Estados Unidos.

Em depoimento na última quinta-feira, Furtado admitiu conhecer a ligação de Sacha Reck com a empresa que realizou o edital. Ainda assim, ele garantiu que recebeu pareceres favoráveis da Procuradoria do DF para a continuidade.

A afirmação causou estranheza nos membros da CPI. O relator, deputado Raimundo Ribeiro (PSDB), avaliou o caso como uma situação atípica. “Tenho a impressão de que os procuradores foram induzidos ao erro”, disse.

 Inexperiência pode ter sido estratégica

O ex-presidente da comissão de licitação demonstrou arrependimento ao aceitar o cargo. Até então, Galeno Furtado nunca havia desempenhado a função. Os deputados suspeitam que a falta de conhecimento teria sido estratégica para direcionar a concorrência a determinados grupos econômicos.

O presidente da CPI, deputado Bispo Renato (PR) afirma que já é possível chamar a licitação de “fraude de cartas marcadas”. E isso só foi possível graças à atuação de Furtado. Ainda assim, o parlamentar crê na boa vontade do depoente de colaborar. “Ele não procurou esconder o que estava acontecendo. Mas parece pelos depoimentos que ele era uma marionete, que estava sendo comandado por alguém e não tinha, ainda que seja economista, muita realidade daquilo que estava fazendo. Até hoje, Galeno parece não ter muita noção do que aconteceu”, avaliou.

Mesmo diante das irregularidades e de ter sofrido ameaças, o responsável pela licitação seguiu adiante e não cancelou o certame. A quebra dos sigilos fiscal e telefônico de Galeno Furtado foram autorizados.

Celina Leão culpa governo passado

Os responsáveis por defender o caso na Procuradoria também foram convidados a falar. Os advogados revelaram episódios curiosos sobre a licitação. 

A Secretaria de Transportes teria quebrado o protocolo comum a casos dessa natureza, já que Sacha Reck - designado apenas como consultor - era quem repassava as informações técnicas utilizadas na batalha judicial travada. Foram mais de 200 liminares contra o processo licitatório. Apesar de terem sido negadas as ações que pediam paralisação imediata da licitação, o mérito do caso ainda tramita na Justiça e o certame pode ser inviabilizado, uma vez que os processos ainda estão sendo avaliados.

Investigação

Os parlamentares já convidaram vereadores de Curitiba que participaram de uma CPI similar. A presidente da Câmara, Celina Leão (PDT) já vinha em contato com eles após descobrir que os mesmos envolvidos atuaram de maneira parecida no edital da cidade. Segundo a distrital, a capital paranaense era conhecida como modelo de sistema de mobilidade urbana, mas os novos contratos trouxeram prejuízo financeiro e menor eficiência na operação.

As suspeitas de irregularidades começaram há mais de dois anos. Por isso mesmo, Celina quer uma investigação rigorosa para comprovar a culpa dos gestores do governo passado, o qual a deputada fazia oposição. “O GDF teve todas as condições do mundo de suspender essa licitação e fazer um processo sério. Quando começamos a alertar os problemas que haviam, a licitação ainda não havia sido assinada. Isso mostra o caráter e a intenção de cometer o crime”, criticou.

Ex-secretário defende licitação

Os supostos avanços da licitação foram defendidos com unhas e dentes pelo ex-secretário de Transportes, José Walter Vasquez. O depoimento à comissão contou até com apresentação de slides e mostrou dados sobre as condições anteriores e atuais do sistema: ganho em número efetivo de veículos rodando, menos poluição e mais acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida teriam sido as vantagens da nova operação.

Apesar da redução oficial de 860 veículos, a nova operação teria mais ônibus, porque as quebras seriam minimizadas. “Tinha empresário com 80 carros novos escondidos, enquanto colocava para rodar apenas ônibus velhos”, criticou o ex-secretário.

O ex-secretário negou ter recebido influência de autoridades. “Ninguém queria se aproximar, porque essa licitação era considerada um fracasso certo”, disse.

Tempo de viagem

 Ainda assim, Vasquez admitiu que faltou fazer as mudanças adequadas para que o sistema mudasse de lógica. Segundo ele, apenas a troca da frota não seria suficiente para aumentar a qualidade do transporte coletivo. Os planos do governo de Agnelo Queiroz (PT) eram fazer com que os passageiros se acostumassem com viagens com baldeações, ao invés de ir de um ponto a outro. “A troca de ônibus não é confortável para ninguém, mas se o usuário comprasse essa ideia, retribuiríamos com menor tempo de viagem”, explicou.

Vasquez chegou a defender que, caso confirmadas as irregularidades, as empresas que fraudaram a concorrência sejam excluídas.



Fonte: Por Daniel Cardozo, Jornal de Brasília - 28/06/2015