quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Impeachment: Dilma se livrará caso prove ser a líder “limpa” de um governo “sujo”

“Não há fundamento legal para pleitear o impeachment”
Dilma Rousseff: querem apontar para sua saída do poder; porém, até que se prove o contrário, não há indícios de sua ligação com os esquemas de corrupção.

Um dia normal de trabalho: vários sites abertos na tela do computador, telefone ao lado tocando e os principais jornais do país sobre a mesa.
Nas manchetes, mais informações sobre os escândalos de corrupção da maior empresa pública do Brasil, a Petrobrás. Celular vibra e vejo que chegou mais uma mensagem em um dos grupos de WhatsApp. Desbloqueio o aparelho, abro a janela do aplicativo e leio: “Locais estabelecidos, até o momento, para o impeachment de Dilma. 15/03/2015 a partir das 9h30”.

“Bem, isso é novidade”, penso. Con­tinuo lendo e logo abaixo há uma lista de praças, museus, igrejas, avenidas, universidades; locais em 48 cidades
espalhadas pelo país em que provavelmente haverá concentração de pessoas no dia marcado. A mensagem acaba com uma nota: ...

“Lembrando que, se por algum motivo seja sério ou só preguiça, você não puder sair de casa para ir até os locais combinados, fique pelo menos sentado na calçada em frente à sua casa, pegue uma cadeira de praia e fique conversando com seus vizinhos sobre o gramado, mas vá pra rua de verde e amarelo! O povo está dormindo. Nós estamos acordados. Nós companheiros da internet somos unidos, para fazer o que nunca antes foi feito nesse país: ‘ou a corrupção para, ou nós paramos o Brasil!’”.

O clima proposto pela mensagem é semelhante ao vivido em junho de 2013, quando dezenas de pessoas saíram às ruas cobrando melhoria na qualidade de vida. Naquele mês, o Google apontava milhares de pesquisas pela palavra impeachment, termo utilizado para identificar o impedimento, impugnação, cassação do mandato de um chefe do Poder Executivo, seja municipal, estadual ou federal. À época, os possíveis alvos da expressão eram alguns governadores e a presidente.

Quase dois anos se passaram e a palavra voltou à “boca do povo”, aliás, às “teclas do povo”, dessa vez voltada exclusivamente à presidente Dilma Rousseff (PT). Acontece que o Google divulgou nova estatística mostrando que, se “impeachment” foi muito procurado em junho de 2013, o total daquele mês não chegou sequer à metade das buscas de fevereiro de 2015: 36%. Por que as pesquisas pelo enunciado quase triplicaram?

Os motivos são muitos: têm ligação direta com as manchetes dos jornais que estavam sobre a mesa quando a mensagem de WhatsApp chegou, mas também tem uma causa mais pragmática. Afinal, a opinião pública tende a se basear nas concretudes do cotidiano. A marca do governo petista — Lula e Dilma, de 2002 à atualidade — são os programas sociais, que, de uma forma ou outra, provocaram a melhora no poder de compra da população em geral.

Porém, desde que assumiu o novo governo, Dilma e sua equipe econômica fizeram valer — mais por dever que por querer — uma série de medidas que mancharam em cheio essa marca: corte de gastos; aumento de impostos, o que elevou o preço de coisas essenciais, como alimentos, energia e gasolina; e mudanças nas regras de direitos trabalhistas, como concessão de pensão por morte, seguro-desemprego e abono salarial, e dos próprios programas sociais, caso do Programa Universidade para Todos (ProUni), entre outros.

Ora, tais fatos fizeram com que a popularidade da presidente caísse drasticamente. Pesquisa do instituto Datafolha mostra que a avaliação de ótimo/bom do governo Dilma caiu de 42%, em dezembro, para 23%, em fevereiro. No sentido contrário, 44% dos entrevistados disseram que a atual gestão é ruim ou péssima; em dezembro eram 23%.

Os grandes veículos de comunicação do país afirmaram que o Palácio do Pla­nalto ficou consternado com os resultados. Tal afirmação pode não ser verdadeira, uma vez que, inteligente, Dilma já sabia que as mudanças promovidas são, embora necessárias, impopulares. Tanto que durante a campanha eleitoral do ano passado, se recusou a falar sobre elas. Ao contrário, fez duras críticas à postura de seus adversários, sobretudo Aécio Neves (PSDB), que pregavam a alteração do rumo político-econômico do país.

Vem daí grande parte da insatisfação popular, afinal “Dilma falou que ia para a esquerda, mas resolveu virar à direita”. Contudo, há de se pontuar que esse tipo de alarde popular tende a se desfazer com a possível volta do crescimento econômico brasileiro, algo que, de fato, deve acontecer até 2016 — isso, claro, se o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, conseguir cumprir suas metas.

O que deve, realmente, preocupar o Planalto se chama Operação Lava Jato.

Ação só poderia ocorrer com fatos concretos
Pedro Paulo: “Não há fundamento legal para pleitear o impeachment”Pedro Paulo: “Não há fundamento legal para pleitear o impeachment”

A Operação Lava Jato, além de limpar — mesmo que aos poucos — parte da corrupção na Petrobrás, tem causado um verdadeiro reboliço político. Não se sabe ao certo se, de fato, os burburinhos de impeachment partem da população, como dizem, por exemplo, os senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), ou se é parte de um plano da “oposição golpista” como tem defendido Lindbergh Farias (PT-RJ) e Gleisi Hoffmann (PT-PR). O debate está sendo feito, mas a pergunta não é se a presidente Dilma Rousseff vai ou não ser deposta, mas se ela pode ser.

Sem sombra de dúvidas, as denúncias de corrupção são graves. Conseguiram superar as do mensalão em 2005, época em que o presidente petista era outro: Lula. Como agora, mesmo com muitas pessoas próximas à Presidência sendo comprovadamente ligadas a atos ilegais, nada se provou diretamente contra Lula.

As denúncias de corrupção poderiam tirar a presidente do cargo baseado no quinto inciso — probidade na administração — do artigo 85 da Constituição Federal, que aponta os crimes de responsabilidade porventura cometidos por um presidente da República. O artigo constitucional é regulado pela Lei 1.079, que classifica como ilegal a um chefe do Executivo “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Contudo, para que um pedido de impeachment seja protocolado no Congresso Nacional — responsável pelo processo é preciso, primeiro, que haja uma ligação direta com a pessoa Dilma Rousseff. É justamente neste ponto que os pedidos de cassação da líder do país pecam, visto que, se não há nada que comprove sua inocência, tampouco há algo que ateste sua culpa.

Isso significa que Dilma pode ser a líder “limpa” de um governo “sujo”? Pode, pelo menos legalmente falando, afinal, há inocência até que se prove o contrário. Como explica o advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros, sem nada que impute à presidente algum ato de improbidade ou responsabilidade, “não há qualquer fundamento legal para que o Con­gresso possa admitir, ou sequer pleitear o impeachment, mesmo que alguém solicite”.

E alguém pode solicitar o impedimento da presidente? Nos últimos quatro anos foram apresentados mais de uma dúzia de pedidos de impeachment contra Dilma. Todos foram arquivados por falta de elementos que justificassem as propostas. O motivo da não aceitação dos requerimentos é, segundo Medeiros, baseado na jurisprudência. Isso acontece porque, por mais que o processo de cassação de um chefe do Poder Exe­cutivo seja político, é necessário “existir juízo de admissibilidade no próprio Congresso, que, para instaurar processo de im­peachment, precisa ter dados concretos em mãos”.

Fatos podem levar um pedido de impeachment à votação no Congresso; delatores, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco ainda não ligaram a presidente à corrupçãoFatos podem levar um pedido de impeachment à votação no Congresso; delatores, Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco ainda não ligaram a presidente à corrupção.

Todavia, nos bastidores corre a notícia de que alguém pode fazer o escândalo chegar à presidente, em semelhança do que ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Quem poderia fazer esse papel, a priori, são os delatores da Operação Lava Jato.

Por enquanto, são 13. Entre eles: Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás; Pedro Barusco, ex-gerente de Engenharia da Pe­trobrás; Alberto Youssef, o doleiro; e Shinko Nakan­dakari, ex-gerente da Odebrecht, último nome a aderir ao sistema de delação e que está entre os 11 nomes indicados como supostos operadores financeiros que atuariam a mando de empresas e políticos na estatal — lembrando que entre esses também está o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Não se sabe o que os envolvidos no esquema, adeptos do sistema de delação premiada, podem confessar à Justiça. Caso algum dê provas de que a própria participava das ilegalidades, isso com certeza causará problemas a Dilma. Mas apenas se.

À época de Collor, além das pessoas que dispararam contra o presidente como o irmão Pedro Collor e o motorista Eriberto França, várias instituições tiveram papel importante em seu afastamento. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi uma das principais, visto que entregou à Câmara Federal o pedido formal de impeachment, que foi admitido e aprovado por 441 votos a favor e 38 contra. Atualmente, uma possível cassação do mandato da recém-eleita Dilma Rousseff não é sequer discutida no Conselho Federal da OAB. A informação é dos próprios conselheiros.

Se a chefe cair, o próximo presidente será peemedebista

Muito tem se perguntado, nos últimos dias, sobre como funciona um processo de impeachment e quem assumirá o governo em caso da possível saída de Dilma Rousseff. Uma coisa é certa: não será Aécio Neves (PSDB). Veja:

1) O pedido de impeachment passa pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). É ele quem decide se o pedido será ar­qui­vado ou encaminhado ao plenário;

2) Caso chegue ao plenário, a proposta precisa receber dois terços dos votos, isto é, 342;

3) Uma vez aprovado na Câ­ma­ra, o pedido passa para o Senado, onde também precisareceber dois terços dos votos — 54 — em, no máximo, 180 dias. As sessões de julgamento do processo devem ser guiadas pelo presidente do Su­premo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski , que, porém, não tem direito a voto;

4) Caso aprovado o impeach­ment, há dois caminhos a serem seguidos: a perda do mandato ou a ilegibilidade por oito anos, caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello;

5) Quem deve assumir o cargo, dada a vacância, é o vice-presidente Michel Temer (PMDB). Isso se o im­peachment afetar apenas a presi­dente. Caso Temer também seja deposto, são duas as possibi­li­dades: se o im­pe­dimento ocorrer antes da metade do mandato, novas eleições são con­vo­cadas; se fora após a metade do man­da­to, ape­nas os membros do Congres­so Na­cional podem eleger os can­didatos;

6) No período entre a saída da presidente e do vice, quem assume o cargo é o presidente da Câmara dos Deputados, neste caso, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Se ele não puder ser tomar posse, sobe à posição o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Isto é, em todas as possibili­da­des, se Dilma for deposta, o pró­ximo presidente será peemedebista.

Na mira do Tribunal de Contas da União 
Ministro André Luís propõe investigação contra ex-conselheiros da Petrobrás Ministro André Luís propõe investigação contra ex-conselheiros da Petrobrás
Na última sexta-feira, 13, a matéria “TCU quer discutir papel de conselho em Pasadena”, do jornal O Estado de S. Paulo, informou que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderá discutir a participação da presidente Dilma Rousseff no prejuízo de aproximadamente R$ 2,25 bilhões, causado por um “erro” na compra da refinaria de Pasadena (EUA) por parte da Petrobrás.

Segundo a matéria, o ministro André Luís de Carvalho formalizou, em plenário, a proposta de julgamento de Dilma e dos outros membros do Conselho de Administração da petroleira na época da compra — 2006. Acontece que, em julho do ano passado, o TCU apontou para um prejuízo de US$ 792 milhões na compra da refinaria. A corte decidiu que 14 ex-dirigentes da Petrobrás responderão a um processo que visa confirmar responsabilidades por danos ao erário, dos quais dez tiveram bens bloqueados.

Porém, o tribunal não chegou a incluir os ex-conselheiros no processo, sob o argumento de que estes aprovaram o negócio sem conhecer as cláusulas prejudiciais existentes no contrato. Dos diretores da Petrobrás, à época, dois foram presos pela Polícia Federal (PF) acusados de envolvimento nos esquemas investigados pela Ope­ração Lava Jato: Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abasteciment­o, e Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da estatal.

Os dois apontaram classificaram como um equívoco não incluir os ex-conselheiros na responsabilidade pela transação. Costa, por exemplo, disse ter recebido US$ 1,5 milhão para não se opor à compra da refinaria. A proposta do ministro ainda será enviada à área técnica do TCU, que dará um parecer sobre o caso.

A grande questão: em 2006, quando a primeira parte da refinaria foi adquirida, Dilma era ministra-chefe da Casa Civil e presidente do colegiado. Ou seja, participou das discussões que aprovaram o negócio. Além disso, se a aquisição começou na gestão do ex-presidente Lula, ela só foi finalizada em 2012, já na gestão de Dilma. Ou seja, se o TCU chegar à conclusão de que Dilma, diretamente, foi responsável pelo enorme prejuízo na Petrobrás, isso dá subsídios para que um processo de impeachment seja apresentado? Não.

Como explica Pedro Paulo de Medeiros, advogado criminalista, mesmo se considerada diretamente responsável pelo prejuízo da Petrobrás na compra da refinaria de Pasadena, tal comprometimento não terá ligação direta com a Presidência da República, cargo que exerce atualmente e que seria afetado por um provável impeachment, mas com sua reponsabilidade na época, que era ministra-chefe da Casa Civil. “Para sofrer impeachment, Dilma precisa ter cometido ato de responsabilidade como presidente da República”, diz.



Fonte: Por Marcos Nunes Carreiro, Jornal Opção. Foto: Marcelo Camargo/ABR/Estação da Notícia