“Não há fundamento legal para pleitear o impeachment”
Dilma Rousseff: querem
apontar para sua saída do poder; porém, até que se prove o contrário, não há
indícios de sua ligação com os esquemas de corrupção.
Um dia normal de
trabalho: vários sites abertos na tela do computador, telefone ao lado tocando
e os principais jornais do país sobre a mesa.
Nas manchetes, mais
informações sobre os escândalos de corrupção da maior empresa pública do
Brasil, a Petrobrás. Celular vibra e vejo que chegou mais uma mensagem em um
dos grupos de WhatsApp. Desbloqueio o aparelho, abro a janela do aplicativo e
leio: “Locais estabelecidos, até o momento, para o impeachment de Dilma.
15/03/2015 a partir das 9h30”.
“Bem, isso é novidade”,
penso. Continuo lendo e logo abaixo há uma lista de praças, museus, igrejas,
avenidas, universidades; locais em 48 cidades
espalhadas pelo país em que
provavelmente haverá concentração de pessoas no dia marcado. A mensagem acaba
com uma nota: ...
“Lembrando que, se por
algum motivo seja sério ou só preguiça, você não puder sair de casa para ir até
os locais combinados, fique pelo menos sentado na calçada em frente à sua casa,
pegue uma cadeira de praia e fique conversando com seus vizinhos sobre o
gramado, mas vá pra rua de verde e amarelo! O povo está dormindo. Nós estamos
acordados. Nós companheiros da internet somos unidos, para fazer o que nunca
antes foi feito nesse país: ‘ou a corrupção para, ou nós paramos o Brasil!’”.
O clima proposto pela
mensagem é semelhante ao vivido em junho de 2013, quando dezenas de pessoas
saíram às ruas cobrando melhoria na qualidade de vida. Naquele mês, o Google
apontava milhares de pesquisas pela palavra impeachment, termo utilizado para identificar
o impedimento, impugnação, cassação do mandato de um chefe do Poder Executivo,
seja municipal, estadual ou federal. À época, os possíveis alvos da expressão
eram alguns governadores e a presidente.
Quase dois anos se
passaram e a palavra voltou à “boca do povo”, aliás, às “teclas do povo”, dessa
vez voltada exclusivamente à presidente Dilma Rousseff (PT). Acontece que o
Google divulgou nova estatística mostrando que, se “impeachment” foi muito
procurado em junho de 2013, o total daquele mês não chegou sequer à metade das
buscas de fevereiro de 2015: 36%. Por que as pesquisas pelo enunciado quase
triplicaram?
Os motivos são muitos:
têm ligação direta com as manchetes dos jornais que estavam sobre a mesa quando
a mensagem de WhatsApp chegou, mas também tem uma causa mais pragmática.
Afinal, a opinião pública tende a se basear nas concretudes do cotidiano. A
marca do governo petista — Lula e Dilma, de 2002 à atualidade — são os
programas sociais, que, de uma forma ou outra, provocaram a melhora no poder de
compra da população em geral.
Porém, desde que assumiu
o novo governo, Dilma e sua equipe econômica fizeram valer — mais por dever que
por querer — uma série de medidas que mancharam em cheio essa marca: corte de
gastos; aumento de impostos, o que elevou o preço de coisas essenciais, como
alimentos, energia e gasolina; e mudanças nas regras de direitos trabalhistas,
como concessão de pensão por morte, seguro-desemprego e abono salarial, e dos
próprios programas sociais, caso do Programa Universidade para Todos (ProUni),
entre outros.
Ora, tais fatos fizeram
com que a popularidade da presidente caísse drasticamente. Pesquisa do
instituto Datafolha mostra que a avaliação de ótimo/bom do governo Dilma caiu
de 42%, em dezembro, para 23%, em fevereiro. No sentido contrário, 44% dos
entrevistados disseram que a atual gestão é ruim ou péssima; em dezembro eram
23%.
Os grandes veículos de
comunicação do país afirmaram que o Palácio do Planalto ficou consternado com
os resultados. Tal afirmação pode não ser verdadeira, uma vez que, inteligente,
Dilma já sabia que as mudanças promovidas são, embora necessárias, impopulares.
Tanto que durante a campanha eleitoral do ano passado, se recusou a falar sobre
elas. Ao contrário, fez duras críticas à postura de seus adversários, sobretudo
Aécio Neves (PSDB), que pregavam a alteração do rumo político-econômico do
país.
Vem daí grande parte da
insatisfação popular, afinal “Dilma falou que ia para a esquerda, mas resolveu
virar à direita”. Contudo, há de se pontuar que esse tipo de alarde popular
tende a se desfazer com a possível volta do crescimento econômico brasileiro,
algo que, de fato, deve acontecer até 2016 — isso, claro, se o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, conseguir cumprir suas metas.
O que deve, realmente,
preocupar o Planalto se chama Operação Lava Jato.
Ação só poderia ocorrer
com fatos concretos
Pedro Paulo: “Não há
fundamento legal para pleitear o impeachment”Pedro Paulo: “Não há fundamento
legal para pleitear o impeachment”
A Operação Lava Jato,
além de limpar — mesmo que aos poucos — parte da corrupção na Petrobrás, tem
causado um verdadeiro reboliço político. Não se sabe ao certo se, de fato, os
burburinhos de impeachment partem da população, como dizem, por exemplo, os
senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Ronaldo Caiado (DEM-GO), ou se é parte
de um plano da “oposição golpista” como tem defendido Lindbergh Farias (PT-RJ)
e Gleisi Hoffmann (PT-PR). O debate está sendo feito, mas a pergunta não é se a
presidente Dilma Rousseff vai ou não ser deposta, mas se ela pode ser.
Sem sombra de dúvidas,
as denúncias de corrupção são graves. Conseguiram superar as do mensalão em
2005, época em que o presidente petista era outro: Lula. Como agora, mesmo com
muitas pessoas próximas à Presidência sendo comprovadamente ligadas a atos
ilegais, nada se provou diretamente contra Lula.
As denúncias de
corrupção poderiam tirar a presidente do cargo baseado no quinto inciso —
probidade na administração — do artigo 85 da Constituição Federal, que aponta
os crimes de responsabilidade porventura cometidos por um presidente da
República. O artigo constitucional é regulado pela Lei 1.079, que classifica
como ilegal a um chefe do Executivo “proceder de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Contudo, para que um
pedido de impeachment seja protocolado no Congresso Nacional — responsável pelo
processo é preciso, primeiro, que haja uma ligação direta com a pessoa Dilma
Rousseff. É justamente neste ponto que os pedidos de cassação da líder do país
pecam, visto que, se não há nada que comprove sua inocência, tampouco há algo
que ateste sua culpa.
Isso significa que Dilma
pode ser a líder “limpa” de um governo “sujo”? Pode, pelo menos legalmente
falando, afinal, há inocência até que se prove o contrário. Como explica o
advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros, sem nada que impute à presidente
algum ato de improbidade ou responsabilidade, “não há qualquer fundamento legal
para que o Congresso possa admitir, ou sequer pleitear o impeachment, mesmo
que alguém solicite”.
E alguém pode solicitar
o impedimento da presidente? Nos últimos quatro anos foram apresentados mais de
uma dúzia de pedidos de impeachment contra Dilma. Todos foram arquivados por
falta de elementos que justificassem as propostas. O motivo da não aceitação
dos requerimentos é, segundo Medeiros, baseado na jurisprudência. Isso acontece
porque, por mais que o processo de cassação de um chefe do Poder Executivo
seja político, é necessário “existir juízo de admissibilidade no próprio
Congresso, que, para instaurar processo de impeachment, precisa ter dados
concretos em mãos”.
Fatos podem levar um
pedido de impeachment à votação no Congresso; delatores, Paulo Roberto Costa e
Pedro Barusco ainda não ligaram a presidente à corrupçãoFatos podem levar um
pedido de impeachment à votação no Congresso; delatores, Paulo Roberto Costa e
Pedro Barusco ainda não ligaram a presidente à corrupção.
Todavia, nos bastidores
corre a notícia de que alguém pode fazer o escândalo chegar à presidente, em
semelhança do que ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em
1992. Quem poderia fazer esse papel, a priori, são os delatores da Operação
Lava Jato.
Por enquanto, são 13.
Entre eles: Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás;
Pedro Barusco, ex-gerente de Engenharia da Petrobrás; Alberto Youssef, o
doleiro; e Shinko Nakandakari, ex-gerente da Odebrecht, último nome a aderir
ao sistema de delação e que está entre os 11 nomes indicados como supostos
operadores financeiros que atuariam a mando de empresas e políticos na estatal
— lembrando que entre esses também está o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.
Não se sabe o que os
envolvidos no esquema, adeptos do sistema de delação premiada, podem confessar
à Justiça. Caso algum dê provas de que a própria participava das ilegalidades,
isso com certeza causará problemas a Dilma. Mas apenas se.
À época de Collor, além
das pessoas que dispararam contra o presidente como o irmão Pedro Collor e o
motorista Eriberto França, várias instituições tiveram papel importante em seu
afastamento. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi uma das principais,
visto que entregou à Câmara Federal o pedido formal de impeachment, que foi
admitido e aprovado por 441 votos a favor e 38 contra. Atualmente, uma possível
cassação do mandato da recém-eleita Dilma Rousseff não é sequer discutida no Conselho
Federal da OAB. A informação é dos próprios conselheiros.
Se a chefe cair, o
próximo presidente será peemedebista
Muito tem se perguntado,
nos últimos dias, sobre como funciona um processo de impeachment e quem
assumirá o governo em caso da possível saída de Dilma Rousseff. Uma coisa é
certa: não será Aécio Neves (PSDB). Veja:
1) O pedido de
impeachment passa pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). É ele
quem decide se o pedido será arquivado ou encaminhado ao plenário;
2) Caso chegue ao
plenário, a proposta precisa receber dois terços dos votos, isto é, 342;
3) Uma vez aprovado na
Câmara, o pedido passa para o Senado, onde também precisareceber dois terços
dos votos — 54 — em, no máximo, 180 dias. As sessões de julgamento do processo
devem ser guiadas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo
Lewandowski , que, porém, não tem direito a voto;
4) Caso aprovado o
impeachment, há dois caminhos a serem seguidos: a perda do mandato ou a
ilegibilidade por oito anos, caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello;
5) Quem deve assumir o
cargo, dada a vacância, é o vice-presidente Michel Temer (PMDB). Isso se o impeachment
afetar apenas a presidente. Caso Temer também seja deposto, são duas as
possibilidades: se o impedimento ocorrer antes da metade do mandato, novas
eleições são convocadas; se fora após a metade do mandato, apenas os
membros do Congresso Nacional podem eleger os candidatos;
6) No período entre a
saída da presidente e do vice, quem assume o cargo é o presidente da Câmara dos
Deputados, neste caso, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Se ele não puder ser
tomar posse, sobe à posição o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Isto é, em todas as
possibilidades, se Dilma for deposta, o próximo presidente será
peemedebista.
Na mira do Tribunal de
Contas da União
Ministro André Luís
propõe investigação contra ex-conselheiros da Petrobrás Ministro André Luís
propõe investigação contra ex-conselheiros da Petrobrás
Na última sexta-feira,
13, a matéria “TCU quer discutir papel de conselho em Pasadena”, do jornal O
Estado de S. Paulo, informou que o Tribunal de Contas da União (TCU) poderá
discutir a participação da presidente Dilma Rousseff no prejuízo de
aproximadamente R$ 2,25 bilhões, causado por um “erro” na compra da refinaria
de Pasadena (EUA) por parte da Petrobrás.
Segundo a matéria, o
ministro André Luís de Carvalho formalizou, em plenário, a proposta de julgamento
de Dilma e dos outros membros do Conselho de Administração da petroleira na
época da compra — 2006. Acontece que, em julho do ano passado, o TCU apontou
para um prejuízo de US$ 792 milhões na compra da refinaria. A corte decidiu que
14 ex-dirigentes da Petrobrás responderão a um processo que visa confirmar
responsabilidades por danos ao erário, dos quais dez tiveram bens bloqueados.
Porém, o tribunal não
chegou a incluir os ex-conselheiros no processo, sob o argumento de que estes
aprovaram o negócio sem conhecer as cláusulas prejudiciais existentes no
contrato. Dos diretores da Petrobrás, à época, dois foram presos pela Polícia
Federal (PF) acusados de envolvimento nos esquemas investigados pela Operação
Lava Jato: Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento, e Nestor Cerveró,
ex-diretor da área Internacional da estatal.
Os dois apontaram
classificaram como um equívoco não incluir os ex-conselheiros na
responsabilidade pela transação. Costa, por exemplo, disse ter recebido US$ 1,5
milhão para não se opor à compra da refinaria. A proposta do ministro ainda
será enviada à área técnica do TCU, que dará um parecer sobre o caso.
A grande questão: em
2006, quando a primeira parte da refinaria foi adquirida, Dilma era
ministra-chefe da Casa Civil e presidente do colegiado. Ou seja, participou das
discussões que aprovaram o negócio. Além disso, se a aquisição começou na
gestão do ex-presidente Lula, ela só foi finalizada em 2012, já na gestão de
Dilma. Ou seja, se o TCU chegar à conclusão de que Dilma, diretamente, foi
responsável pelo enorme prejuízo na Petrobrás, isso dá subsídios para que um
processo de impeachment seja apresentado? Não.
Como explica Pedro Paulo
de Medeiros, advogado criminalista, mesmo se considerada diretamente
responsável pelo prejuízo da Petrobrás na compra da refinaria de Pasadena, tal
comprometimento não terá ligação direta com a Presidência da República, cargo
que exerce atualmente e que seria afetado por um provável impeachment, mas com
sua reponsabilidade na época, que era ministra-chefe da Casa Civil. “Para
sofrer impeachment, Dilma precisa ter cometido ato de responsabilidade como
presidente da República”, diz.
Fonte: Por Marcos Nunes Carreiro, Jornal
Opção. Foto: Marcelo Camargo/ABR/Estação da Notícia