Congresso aprovou em julho de 2013 lei para fechar o cerco a empresas
que integram esquemas de corrupção. Mas até hoje Dilma não editou decreto para
regulamentar medida
"Quando
se pensou a lei, a ideia era que a empresa sempre fosse responsabilizada. Se a lei
pudesse ser aplicada no caso da operação Lava Jato, as empreiteiras não seriam
poupadas" Luiz Navarro, ex-secretário-executivo da CGU...
Em
dezembro de 2003, entrou em vigor no país o decreto de criação do Conselho de
Transparência Pública e Combate à Corrupção, um colegiado destinado a pensar
medidas de aperfeiçoamento da administração pública e estratégias de
enfrentamento de irregularidades. A época era próspera para o engenheiro Paulo
Roberto Costa, que mantinha uma sólida carreira na Petrobras e estava prestes a
ocupar a poderosa diretoria de Abastecimento da estatal – posto do qual ele
operou o mais vultuoso esquema de desvio de recursos públicos de que se tem
notícia no Brasil.
Dez
anos depois, o Congresso Nacional aprovou a chamada Lei Anticorrupção,
endurecendo – enfim – o cerco a empresas que abastecem propinodutos e abrindo
espaço para que elas sejam penalizadas, inclusive, com a
dissolução obrigatória
se tiver se beneficiado de malfeitos. A manifestação tardia do Congresso sobre
a importância de estancar esquemas de corrupção ficou mais evidente nos últimos
meses, período no qual o país tem sido surpreendido diariamente com a ousadia
de empresários e lobistas que, com a bênção de políticos, articularam o
megaesquema de lavagem de dinheiro que movimentou pelo menos 10 bilhões de
reais. Não é exagero afirmar que a existência há mais tempo de uma lei dura
poderia ter inibido o assalto aos cofres da Petrobras com a participação das
maiores empreiteiras do país.
“A
lei trouxe um impacto inibidor da corrupção, uma vez que agora é possível
alcançar diretamente o agente corruptor, ou seja a empresa, e em seu
patrimônio”, diz o ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage. Para
ele, ao punir as companhias corruptoras pela via administrativa, o poder
público ainda se livra de ter de aguardar a morosidade do Judiciário para
reaver os valores desviados. “Com a lei não será necessário aguardar o moroso
processo judicial que existe hoje no país, em que o excesso de recursos
protelatórios faz com que um processo na Justiça dure quinze ou vinte anos”,
afirma.
“Não
tenho dúvida de que a Lei Anticorrupção estabeleceu um novo grau de
responsabilização das empresas e uma nova relação com o poder público. Com a
lei fica mais fácil responsabilizar as empresas porque passamos a ter a
responsabilidade objetiva, que é aquela sem a necessidade de se provar a
intenção ou de se comprovar o conhecimento do fato. Basta termos a confirmação
de que o fato ocorreu e que a empresa tinha interesse ou se beneficiaria com
aquele fato”, completa o advogado Luiz Navarro, ex-secretário-executivo da CGU
e um dos idealizadores da nova legislação. “Quando se pensou a lei, a ideia era
que a empresa sempre fosse responsabilizada. Se a lei pudesse ser aplicada no
caso da operação Lava Jato, as empreiteiras não seriam poupadas”, afirma.
A
Lei Anticorrupção, em vigor desde 29 de janeiro deste ano, mas ainda à espera
de regulamentação pela presidente Dilma Rousseff, não pode ser utilizada para
punir os desmandos de empresários e empreiteiras envolvidos no atoleiro de
corrupção na Petrobras, mas parte de suas inovações, como a possibilidade de
acordos de leniência com corruptores, deve ser colocada em prática pela CGU
para mapear detalhes da trama criminosa, exigir ressarcimento dos cofres
públicos e fixar multas milionárias às companhias malfeitoras. “No caso da Lava
Jato, as empresas podem chegar a um acordo, denunciar quem praticou os atos e
quem recebeu dinheiro da corrupção, restituir os cofres públicos, pagar altas
multas como pena e então não ser impedidas de participar de novas licitações”,
explica Navarro.
Responsável
por mediar as prováveis negociações, o ministro Jorge Hage já recebeu pedido de
uma das empresas citadas na Lava Jato para firmar um acordo de leniência e da holandesa
SBM Offshore, que admitiu ter pago propina a funcionários da Petrobras. No
governo, a estimativa é que as demais empresas citadas na operação da Polícia
Federal recorram ao mesmo caminho para conseguir manter a condução de obras e
evitar o risco de serem declaradas inidôneas. Nos Estados Unidos, um dos países
que serviu de inspiração para a elaboração da lei anticorrupção, 95% dos casos
de irregularidades envolvendo empresas acabam em acordo, segundo estatísticas
apresentadas pelo governo brasileiro.
Apesar
de poder ser utilizada parcialmente contra as empresas citadas na Lava Jato –
na prática, como estímulo a acordos de leniência –, a aplicação completa da
lei, inspirada em modelos da Alemanha, Reino Unido, França, Estados Unidos,
Chile, Colômbia e México, esbarra há quase um ano na paralisia do Palácio do
Planalto, que não regulamentou trechos importantes da nova legislação. Sem um
decreto presidencial, a Lei Anticorrupção permanece sem parâmetros para
dosimetria de multas a empresas corruptoras ou para atenuantes a companhias que
tiverem aderido a políticas de governança e integridade. Depois de ter
prometido, no início do ano, a regulamentação rápida da lei, o ministro Jorge
Hage voltou a dizer nesta semana esperar que a pendência seja resolvida
“brevemente”. Diante de um escândalo de outra galáxia, como bem classificou o
ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, é difícil entender a
resistência de Dilma.
Fonte: Revista
Veja -Por LARYSSA BORGES - 23/11/2014 - - 11:15:28