quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Invasão prospera no Setor de Embaixadas

Apesar de considerada ilegal pelo governo do DF, ocupação não para de crescer na altura da 813 Sul, onde deveriam haver somente representações estrangeiras

Na tarde de ontem, homem erguia muro ao redor de uma das residências: dono admite ser invasor e aposta na antiquidade de outras construções

Uma invasão instalada há décadas se esconde às margens da Avenida das Nações e atrás de uma universidade na 614 Sul, em uma área considerada nobre do Plano Piloto. São mais de 50 casas de alvenaria — entre elas muitos templos religiosos — erguidas no Setor de Embaixadas, onde deveria haver somente representações diplomáticas. Sem a atuação do Estado, a ocupação irregular não para de crescer, mesmo com decisões judiciais contrárias aos invasores. O Correio flagrou um homem erguendo os muros de uma residência, na tarde de ontem. Ao lado, um centro espírita anunciava em uma placa a existência de estacionamento privativo.

Localizada na altura da 813 Sul, a invasão é defendida por uns em razão da antiguidade e da tradição cultural e religiosa, mas também é uma das preocupações de especialistas em razão do desvirtuamento do projeto original traçado pelo urbanista Lucio Costa, que dividiu
Brasília em blocos numerados e setores para atividades pré-determinadas.  ...

Na 813 Sul, um vão de terra separa a ocupação da única instalação internacional da quadra, a Embaixada da República Popular da China. A poucos metros dali, é possível encontrar edificações aparentemente recentes, mas com placas de endereço e energia elétrica. Em muitas, os lotes abrigam mais de uma construção. Na tarde de ontem, um homem montava as colunas e preparava o cimento para erguer os muros de uma casa. Ele não quis se identificar, mas disse morar na região há 15 anos. “Não vou sair daqui porque não vou morar com meus filhos embaixo de um viaduto”, ressaltou.

O pedreiro revelou que fiscais estiveram no local há quase dois anos e não voltaram mais. “Perdi as contas de quantas vezes falaram que iam derrubar as casas daqui. Nunca conseguiram, porque entramos na Justiça”, contou. “Brasília em si foi feita de invasões e eu estou fazendo isso aqui (erguendo o muro) para ninguém entrar na minha casa e roubar as minhas coisas”, completou.

Mais adiante, homens carregavam tábuas para dentro de um terreno, onde há várias casas recém-rebocadas. Há ainda pelo menos três templos, onde são feitas reuniões de grupos religiosos. As casas contam com tevê por assinatura e há vários carros novos e caros.

Sem prazos

A Administração Regional de Brasília diz estar ciente do problema e promete enviar ofício aos órgãos fiscalizatórios cobrando uma solução, mas não falou em prazos. Já o subsecretário de Defesa do Solo e da Água, Nonato Cavalcanti, afirmou que esta semana uma equipe de assistentes sociais vai ao local verificar as condições das famílias e fazer um cadastro da quantidade de adultos e crianças. Após o levantamento socioeconômico, os agentes farão uma ação de retirada. “A secretaria também tem preocupação com o lado humano e não podemos deixá-las ao relento”, disse, também sem citar prazos.

O subsecretário alegou que a invasão está no local há décadas em razão de diversas ações judiciais limirares e não por inércia do poder público. A solução apresentada seria a mesma de todos os anos: encaminhamento dos moradores à cidade de origem e inscrição nos programas habitacionais do GDF. “Muitas daquelas pessoas já participaram dos programas de habitação, mas venderam as casas e essas serão retiradas de fato. O nosso corpo jurídico vai entrar em contato com a Procuradoria do DF para verificar quem ainda tem pendência judicial e quais recursos já foram julgados. À medida que caírem, as liminares, vamos executar as operações”, garantiu.

Palavra de especialista

Inércia do poder público


A região da 813 Sul é conhecida como cobra coral. Nós temos ali uma situação que precisa ser negociada com serenidade, por ser uma ocupação tradicional ligada a religiões. Os grupos culturais são muito maiores que a de moradores. É uma ocupação pioneira, da época do presidente Juscelino Kubitschek. Mas a área realmente deve ser desocupada, pois é destinada a instituições públicas e embaixadas, mas somente se a proposta de translado da comunidade for satisfatória.

A comunidade está numa situação de vantagem para negociar, porque são décadas de inércia do poder público. É uma discussão que envolve assistentes sociais, antropólogos, sociólogos e até historiadores, mas, hoje em dia, o governo só negocia com policiais e advogados.

Quando o governo permite uma ocupação durante décadas, como é o caso, ele coloca as pessoas numa fila em que não sabem se serão atendidas. Isso é pedir para elas apostarem na ilegalidade, devido ao comportamento administrativo incompetente que premia a má conduta por parte da população grileira.

Frederico Flósculo,
arquiteto e urbanista, mestre em Planejamento Urbano pela UnB



Fonte: Mara Pulkiz - Correio Braziliense - 08/01/2014