segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ministério de Minas e Energia foi alvo de espionagem internacional

Agência canadense de segurança, parceira dos Estados Unidos, mapeou ligações e e-mails da pasta

Documentos confidenciais do governo americano mostram que o Ministério de Minas e Energia (MME) do Brasil também foi alvo da espionagem internacional. A denúncia foi feita neste domingo pelo “Fantástico”, da TV Globo, em reportagem de Glenn Greenwald e Sonia Bridi — dupla que já identificou a investida americana contra as comunicações da presidente Dilma Rousseff e da Petrobras. Desta vez, eles revelam o funcionamento de uma ferramenta de espionagem da Agência Canadense de Segurança em Comunicação (Csec) — parceira dos americanos — e como ela mapeou as ligações e os e-mails do ministério. ...
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O documento foi vazado por Edward Snowden, o ex-agente da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) que atualmente está exilado na Rússia e que também denunciou a espionagem feita contra a presidente e a Petrobras.

A apresentação dos canadenses ocorreu em junho do ano passado, numa reunião anual de analistas ligados a agências de espionagem de cinco países. O grupo, chamado de Five Eyes (Cinco Olhos), é composto por Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. De acordo com o “Fantástico”, Snowden estava
nesta conferência.

Não há indicações, no entanto, do período em que as comunicações do ministério foram mapeadas. De acordo com a reportagem, os canadenses conseguiram, inclusive, monitorar comunicações em VPNs, redes consideradas seguras por utilizar tecnologia on-line semelhante à dos bancos. No ministério transitam dados sobre mineração, petróleo e energia elétrica. O Canadá é um dos maiores produtores mundiais de energia (petróleo e elétrica) do mundo e sede de algumas das maiores empresas de mineração.

Espionagem começa com dados simples


A apresentação indica o passo a passo do funcionamento de um programa, chamado Olympia, e como ele mapeia as comunicações de um alvo — no caso, o Ministério de Minas e Energia do Brasil. De acordo com o relato feito na reunião anual, a quebra de sigilo, embora seja obtida com uma complexa rede de dados e cruzamentos, inicia-se com duas informações simples: um número de telefone e um domínio de internet, no caso, @mme.gov.br.

Com o programa, os espiões conseguem fazer uma varredura nas comunicações do ministério, indicando as ligações feitas, os números e os modelos de aparelho utilizados. Também rastreia comunicações por computador, inclusive e-mails. Os IPs (sigla em inglês para protocolo de internet ou o “endereço” de cada computador) indicam, por exemplo, que o ministério se comunicou com países como Reino Unido, Canadá, Arábia Saudita, Jordânia, Afeganistão, Irã, África do Sul e Tailândia. Já as ligações mostram contatos com Reino Unido, Equador, Peru, Venezuela, Polônia e Cingapura.

O “Fantástico” identificou o destino de uma dessas ligações: a Organização Latino-Americana de Energia (Olade), sediada no Equador. De acordo com a reportagem, um dos números mapeados foi o do diplomata Paulo Cordeiro, ex-embaixador do Brasil no Canadá, hoje lotado no Departamento de Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Documento sugere parceria com americanos

Ainda segundo a reportagem, não há qualquer indicação de que o conteúdo das comunicações monitoradas tenha sido acessado. Sabe-se apenas quem falou com quem, quando, onde e por qual meio. Porém, a apresentação traz instruções sobre os próximos passos a serem seguidos pelo grupo de inteligência que assistiu ao encontro.

Entre as indicações está a utilização de um grupo chamado TAO (Taylored Access Operations) — a tropa de elite dos espiões cibernéticos da americana NSA. Ele poderia se valer de um sistema chamado de BPoA, que não pôde ser identificado, para aprofundar o trabalho. O documento ainda sugere análises mais detalhadas dos dados e uma invasão conhecida como “man on the side” (o homem ao lado, numa tradução livre), que consistiria em ter um computador ao lado daquele que foi invadido para copiar seus dados, sem alterá-los.

Em nota ao “Fantástico”, a NSA informou que os Estados Unidos estão revisando as ações de inteligência, tal como fora prometido pelo presidente Barack Obama, na ONU. Na ocasião, o americano afirmou que o programa está sendo revisto para concentrar a atuação no combate ao terrorismo. Já a Embaixada do Canadá informou que não comenta assuntos de inteligência e segurança.

Em junho, as primeiras revelações sobre a espionagem da NSA mostraram que, há sete anos, a agência coleta informações de telefonemas de cidadãos americanos, identificando data, horário e local das ligações feitas nos EUA. Na internet, a investigação atinge seus cidadãos e também estrangeiros, por meio de e-mails, serviços de bate-papo, vídeos, fotos, downloads, senhas e dados armazenados. Tudo graças a “parcerias estratégicas” com empresas como a Microsoft e com o aval da Casa Branca.

Em julho, documentos comprovaram que, na última década, o Brasil foi espionado pela NSA. Dois meses depois, vazaram informações sobre a espionagem de Dilma Rousseff. A NSA teve acesso a telefonemas, e-mails e mensagens não só de seu celular como de importantes assessores do governo. Em setembro, Dilma acusou o programa americano de ser ilegal e antidemocrático.

Concessões e políticas públicas ficam expostas

Especialistas lembram que pasta decidiu sobre leilões e nova lei de mineração

As discussões para elaboração do novo Código da Mineração, lançado pela presidente Dilma Rousseff, em junho, poderiam ser, em tese, um dos motivos que despertaram o interesse de espiões, canadenses ou americanos, pelo Ministério de Minas e Energia, segundo avaliação de ex-funcionários do governo entrevistados pelo GLOBO. O novo código eleva a Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (Cfem), o royalty do setor, para até 4% do faturamento das empresas.

— O ministério estava modificando toda a regulamentação; então grupos internacionais têm interesse de saber o mais rápido possível quais vão ser novas regras, para saber se vale a pena investir. Esta espionagem deve ter sido feita, talvez até impulsionada pelas empresas do setor — disse Peter Greiner, ex-secretário do Ministério de Minas e Energia.

Analistas destacaram ainda que as decisões da pasta englobam interesses comerciais de concessionárias do setor, o que gera preocupações quanto ao vazamento de informações. Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobras e diretor da Coppe, lembrou que contratos de concessões do setor elétrico e petrolífero passam pelo ministério. Por isso, empresas podem sair beneficiadas se acessarem manifestações de interesse ou lances de concorrentes em concessões. Outro exemplo de ação estratégica discutida no ministério foi a decisão de colocar em leilão o campo de Libra, com reservas estimadas de oito a 12 bilhões de barris de petróleo, primeira área do pré-sal a ser oferecida em outubro pelo governo sob o novo regime de partilha. Ele disse que o discurso da presidente Dilma Rousseff na Assembleia Geral da ONU, no qual manifestou indignação por ter o governo espionado, não é o bastante:

— Esta espionagem mostra nossa vulnerabilidade. O governo deveria intervir em empresas americanas que trabalham com sistemas computacionais (acessados pela NSA). Para abrir negociação, temos que dar um passo à frente para depois dar um passo atrás.

Por Daniel Haidar
Fonte: O Globo - 07/10/2013