quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Siemens propôs pagar R$ 138 mil ao mês se ‘traísse’ cartel no DF, diz Cade

Documentos mostram acordo para subcontratar empresa concorrente. Contrato de manutenção do Metrô-DF era de R$ 69,4 milhões por ano.

O consórcio Metroman, formado pela Siemens e Serveng-Civilsan, elaborou um contrato que previa multa de R$ 138 mil ao mês caso “traísse” o cartel para executar os serviços de manutenção do Metrô do Distrito Federal, aponta relatório do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a que o G1 teve acesso. O gasto previsto com o serviço de manutenção era de R$ 69,4 milhões por ano.

A Metroman venceu em 2007 a licitação para manutenção do Metrô-DF em disputa com o Consórcio Planalto. Outros dois consórcios foram desclassificados da
competição, entre eles um representado pela MPE Montagens, empresa que seria beneficiada pela multa. ...

Desde janeiro deste ano, o Cade investiga o suposto cartel para a exploração de contratos de serviços dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal (veja arte ao lado sobre a denúncia de cartel).

Em 2006, um ano antes de vencer licitação, a Siemens se comprometeu a subcontratar por R$ 80 mil mensais a MPE Montagens e Projetos Especiais, empresa que integrava um consórcio concorrente na disputa pelo serviço. De acordo com o documento, a contratação só ocorreria se a empresa desistisse das ações judiciais contra sua desclassificação da licitação e dos processos contra a Metroman.

As ações impediam a definição do vencedor da concorrência, aberta em 2005 e finalizada em 2007. A MPE seria subcontratada para prestar serviços de consultoria para "otimização da execução das atividades de manutenção preventiva e corretiva".

A minuta do contrato, elaborado pela Siemens com a concordância da Serveng-Civilsan, tinha uma cláusula de garantia contra uma eventual “traição” à MPE – a multa de R$ 138 mil mensais caso o consórcio Metroman não subcontratasse a empresa após ser declarado vencedor da licitação.

O relatório do Cade não revela se o acordo foi assinado pelas partes. Segundo o órgão, o material ainda passa por análise e, por isso, não é possível comprovar se houve irregularidade.

O Metrô informou ao G1 que a MPE nunca foi subcontratada pela companhia ou pelo consórcio Metroman. A MPE afirmou que nunca teve contrato direto com o Metrô ou com o consórcio. A Siemens informou que não falaria sobre a investigação. A Serveng informou por e-mail que sua atuação “é pautada em estrito cumprimento da lei e que prestará todos os esclarecimentos necessários ao Cade para a elucidação dos fatos”.

Trocas de mensagens
Em um e-mail com data de 30 de agosto de 2006, o diretor da Siemens Everton Rheinheimer pede ao engenheiro da empresa alemã Ben Hur de Coutinho Viana que prepare um “termo de compromisso” para a contratação da MPE.

O e-mail diz que “o documento deve incluir, porém não se limitar, aos seguintes pontos: (...) “retirada pela MPE da ação contra o Metrô e/ou nosso consórcio” e “multa por não-contratação não deve exceder ao valor do resultado calculado para o escopo a ser subcontratado". Pelo termo, os repasses à MPE estariam vinculados aos pagamentos feitos pelo Metrô à Metroman.

A cláusula 8.1 da minuta de contrato trata da garantia contra a eventual não subcontratação da MPE. “Fica estabelecida, de comum acordo, a multa equivalente a R$ 138.000,00 (cento e trinta e oito mil reais) a ser paga mensalmente à MPE pela Siemens em caso de não subcontratação da MPE", diz o documento.

Em outro e-mail, datado de 14 de setembro de 2006 e encaminhado ao diretor da Siemens Newton José Leme Duarte, Rheinheimer diz: "Amanhã tenho um encontro importante com o pessoal da MPE ref. ao Projeto Manut. Metro DF e preciso me ausentar da reunião PTS por volta das 11h00".

A minuta elaborada pela Siemens também previa um acordo de sigilo com a MPE sobre a subcontratação da empresa. De acordo com o documento, ao fim do contrato, todas as informações transmitidas à MPE pelo consórcio seriam destruídas ou devolvidas e a empresa subcontratada não teria o direito a guardar cópias "nem para fins de arquivo".

Na minuta do acordo de sigilo, o item 2 diz que "(...) A parte Recebedora (MPE) obriga-se ainda a manter em sigilo a existência deste Acordo, e o fato dela estar se reunindo ou recebendo informações da Parte Reveladora [Siemens]".

Licitação
Durante o processo de licitação, dois dos quatro consórcios formados para disputar os serviços de manutenção do Metrô foram desclassificados, em maio de 2006: o Mantrem, representado pela MPE, Opportrans e Bombardier, e o Planalto, que reunia Tejofran, SPA e O&M.

Os únicos que permaneceram na disputa foram a Metrô Planalto, formado pelas empresas Alstom, Iesa e TCBR, e a Metroman, com Siemens e Serveng-Civilsan.

Em julho, os dois consórcios inabilitados impetraram mandados de segurança na Justiça para retornarem à disputa. O consórcio Planalto, no entanto, não conseguiu a habilitação na Justiça e a da Mantrem não foi julgada, o que deixou em suspenso todo o processo de licitação.

A batalha judicial se prolongou até maio de 2007, quando foi publicado no Diário Oficial o anúncio da abertura dos envelopes com as propostas, com apenas dois consórcios: a Metroman e a Metrô Planalto. O contrato foi vencido pela Metroman em setembro de 2007.

As investigações sobre o suposto cartel para a exploração de contratos de serviços dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal tiveram início em janeiro deste ano, depois que executivos da Siemens entregaram documentos denunciando a fraude em troca de ficar livre de eventuais condenações judiciais.

Os documentos indicavam o envolvimento de 23 altos funcionários de 18 empresas nas supostas irregularidades.

Por Isabella Formiga
Fonte: G1 - 21/08/2013