sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Pressão pelo voto aberto

Petistas, mensaleiros e até líderes partidários contribuíram para livrar deputado de cassação


Depois de uma votação secreta, que manteve o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon (sem partido-RO), a quinta-feira foi de reações nos corredores na Câmara, nas redes sociais e na sociedade civil, aumentando a pressão pelo fim do voto secreto na Casa. Para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão é inconstitucional: Donadon foi condenado por peculato e formação de quadrilha, mas também teve os direitos políticos suspensos — manter o mandato, portanto, foi uma afronta à decisão do Supremo. ...

O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), afirmou que, na próxima terça-feira, vai pedir à comissão especial da Casa que coloque em votação a PEC 196, para cassação automática de parlamentares por condenação criminal ou falta de
decoro. A PEC foi aprovada em dois turnos no Senado e passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em junho. A comissão especial, no entanto, não levou o projeto adiante.

— Diz o ditado popular que há males que vêm para o bem. Vamos ver se esse episódio (da absolvição de Donadon), que, a meu ver, fragilizou a Câmara, produz uma coisa boa e positiva: a consciência de que esse tipo de processo não pode ser pelo voto secreto. Essas posições têm que ser claras. Não colocarei mais processo de cassação sob o manto do voto secreto.

A proposta, no cálculo de Alves, deverá ser votada pela comissão especial até setembro. Se for aprovada, seguirá para dois turnos de votação no plenário. Se a comissão retardar a análise do texto, o presidente da Câmara afirmou que vai trabalhar para aprovar outra PEC, a que estabelece que todos os votos do Congresso têm que ser abertos. Neste caso, faltam uma votação em segundo turno na Câmara e a apreciação do Senado.

A votação terminou em 131 votos contra a cassação, 233 a favor e 41 abstenções (para a perda do mandato, seriam necessários 257 votos). Os números mostram também o descompromisso dos deputados com a votação do pedido de cassação do colega. A lista dos ausentes na sessão de anteontem à noite na Câmara chegou a 108 deputados, entre eles três líderes partidários: Beto Albuquerque (PSB) , Jovair Arantes (PTB) e Eduardo Sciarra (PSD).

Acordo para salvar ‘bagrinho’
A não cassação de Donadon começou a ser desenhada na semana passada, durante votação do parecer pela perda do seu mandato na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). PT, PMDB, PP e PR se uniram para derrubar proposta do deputado Jutahy Júnior (PSDB-BA) determinando que, em caso de condenação criminal, o presidente da Câmara decretaria a vacância do mandato por ato de ofício, sem passar pelo plenário. A emenda foi derrotada por 36 votos a 16. Ao rejeitarem a emenda Jutahy, os partidos mira vam nos futuros processos de cassação.

Integrantes da base e da oposição diziam ontem que na CCJ houve “acordão” para salvar o “bagrinho”, abrindo caminho para absolver os mensaleiros e outros parlamentares com processos no STF. O deputado Nélson Marquezelli (PTB-SP) foi um que alertou Henrique Alves de que, se o caso Donadon fosse a plenário, o deputado escaparia no voto secreto.

— Alertei que, como há muitos deputados com problemas na Justiça, levar a um confronto entre Câmara e Justiça, perderia a Justiça. Foi o que aconteceu. A Mesa poderia ter evitado isso — disse Marquezelli.

Chico Alencar (PSOL-RJ) e Jutahy Júnior foram os únicos que se inscreveram para encaminhar a favor da cassação de Donadon.

— Houve uma coalizão contra o Congresso. Quando o Donadon falava, havia um silêncio reverencial. O Henrique pediu para que respeitasse o prazo, e o plenário começou a gritar: “Deixa ele falar!”. Quando eu comecei a falar, gritavam: “Chega! Vamos votar!”. Era a impaciência do corporativismo — contou Alencar.

Os líderes do PT, José Guimarães (CE), e do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), negaram a existência de acordão.

— A bancada do PT sozinha não consegue dar vitória a ninguém, muito menos a Donadon — disse Guimarães.

— Por que minha bancada? E os 108 que faltaram? O que houve foi uma reação de pena — disse Cunha.

Por Maria Lima, Evandro Éboli e Paulo Celso Pereira
Fonte: O Globo - 30/08/2013