quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Filho de ministro do TCU atuou em contrato

Advogado Tiago Cedraz diz que saiu de negociação sob suspeita por não concordar com repasses a ‘terceiros’

O filho do vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Aroldo Cedraz, atuou na execução do contrato que previa um suposto pagamento de propina de US$ 10 milhões em caso de venda de uma refinaria da Petrobras em San Lorenzo, na Argentina. O advogado Tiago Cedraz, de 31 anos, era sócio do escritório Cedraz & Tourinho Dantas, uma das partes do contrato que previa repasse de uma “taxa de sucesso” de US$ 10 milhões caso se concretizasse a venda da refinaria a um empresário do jogo na Argentina. ...

Em entrevista à revista “Época”, o lobista e engenheiro João Augusto Rezende Henriques, ex-servidor de carreira da Petrobras, disse que contratos da área internacional da estatal — entre eles o referente à venda da refinaria em San Lorenzo — serviram para o pagamento de propina a parlamentares do PMDB. Ao GLOBO, o filho do
ministro Aroldo Cedraz confirmou ter atuado no contrato e afirmou que os “honorários” deveriam ser repassados a terceiros. Tiago, porém, não citou supostos beneficiários de repasses e disse que o contrato acabou ficando pelo caminho.

O advogado afirmou ter atuado na execução dos serviços que culminariam na venda da refinaria, até discordar de seu sócio, o advogado e ex-deputado federal Sérgio Tourinho Dantas, quem de fato assinou o contrato em 2009. Segundo o relato do filho do ministro do TCU, Sérgio comunicou que deveria haver cessão a terceiros do dinheiro a ser repassado, o que não teria sido acatado pelo sócio. Ainda conforme Tiago, o valor do contrato chegou a ser reduzido em 88%, até ser rescindido. Mesmo assim, o filho de Aroldo Cedraz continuou sócio de Sérgio até agosto de 2012.

— O contrato foi fechado e trabalhamos nele num determinado momento. Mas nenhum dinheiro foi recebido. Em razão de vários desgastes com Sérgio, a parceria acabou — disse o advogado.

Tiago confirmou que ele e o pai conheceram e ficaram amigos de Sérgio na Bahia — o escritório do ex-deputado, que seria sócio de lobistas do PMDB, segundo a reportagem de “Época”, fica em Salvador. Aroldo e Sérgio foram deputados federais no mesmo período, no início da década de 90, quando integraram o mesmo partido, o antigo PFL, hoje DEM.

Tiago e Sérgio eram os principais sócios do Cedraz & Tourinho Dantas. Hoje, o primeiro é um dos donos do Cedraz Advogados, que fica no Lago Sul, em Brasília. O segundo é sócio do Brandão & Tourinho Dantas, que teria dois escritórios, um em Brasília e outro em Salvador. No endereço na capital federal citado no site, não há nenhum escritório. A recepção do prédio informa que a equipe se mudou para um escritório no Lago Sul.

Há 15 dias, Cedraz se disse impedido de julgar processos

A poucos dias de vir à tona a existência de um contrato que, supostamente, serviria de fonte de pagamento de propina a parlamentares do PMDB, envolvendo o escritório do filho, o ministro Aroldo Cedraz tomou uma decisão interna no TCU. Numa sessão reservada no último dia 31, dez dias antes da publicação da reportagem de “Época”, o vice-presidente do tribunal apresentou uma lista de 59 advogados que o deixam impedido de atuar nos respectivos processos. Na lista estão o próprio filho, Sérgio, e os sócios dos dois escritórios, o Cedraz Advogados e o Brandão & Tourinho Dantas. Foi a primeira vez em que o ministro elaborou uma lista dos advogados que, a partir de então, o impede de atuar nos respectivos processos.

Tiago disse que a iniciativa da lista partiu dele mesmo. Seu escritório, com 40 advogados, tem 150 processos em tramitação no tribunal onde atua o pai ministro:

— Eu mesmo disse a ele que iria incluir o Sérgio (Tourinho) e sócios na lista de impedimentos.

O GLOBO identificou que o ministro se declarou impedido em um processo em que o filho atuava. Em outro, não estava presente na sessão em plenário. No terceiro, ainda não havia tomado posse. O mesmo não ocorreu numa prestação de contas da Companhia Energética do Piauí (Cepisa) ao TCU, que tinha Sérgio Tourinho como um dos advogados. Em janeiro de 2011, o plenário do tribunal considerou regulares as contas dos responsáveis. Aroldo Cedraz participou da sessão, não se declarou impedido e votou, como consta no sistema aberto de andamento dos processos no site do tribunal.

O ministro Cedraz confirmou que votou num processo que tinha o sócio do filho como advogado. “O voto não foi decisivo, ele não era o relator e acompanhou o voto dos demais ministros. Para evitar ocorrência como essa, o ministro procedeu à sistematização comunicada em plenário (lista de impedimentos)”, citou a assessoria do TCU em resposta ao GLOBO.

Questionado sobre a amizade com Sérgio Tourinho Dantas, o ministro Aroldo Cedraz afirmou apenas, por meio da assessoria de imprensa do TCU, ter sido contemporâneo do ex-deputado na Câmara. Cedraz disse ainda que, desde sua posse no tribunal, em 2007, vem se declarando impedido em processos “que possam gerar conflito de competência ou de interesse”. O ministro citou nove processos em que se declarou impedido. Cinco deles se referem a fiscalizações de repasses federais a municípios da Bahia, estado do ministro. “Em 24 de julho, o ministro apenas sistematizou, por meio de comunicação ao plenário, procedimento que já vinha sendo adotado”, disse.

Por Vinicius Sassine
Fonte: O Globo - 15/08/2013