Duas obras do programa de
habitação do governo federal “Minha Casa, Minha Vida” foram flagradas com
trabalho escravo nos últimos quatro meses na Bahia. Os casos aconteceram em
Camaçari, na região metropolitana de Salvador, e Feira de Santana, a 120 quilômetros da
capital do Estado. Em ambos, os trabalhadores resgatados haviam sido
contratados por empresas terceirizadas. Através do programa, o banco público
Caixa Econômica Federal financia casas para famílias com renda mensal de até R$
5 mil. ...
Em Camaçari foram oito
pessoas resgatadas em 13 de junho. Elas trabalhavam nas obras do “Residencial
Caminho do Mar”, que deve contar com 1,5 mil sobrados quando estiver pronto, de
acordo com informações do site da Gráfico Empreendimentos, responsável pela
construção. Os trabalhadores foram aliciados pela empresa
Andrade Alves em
Acajutiba, município a cerca de
O auditor fiscal do
trabalho Vitor Filgueiras, responsável pela libertação, conta que a denúncia
partiu dos próprios trabalhadores: “Eles foram à sede da Gerência Regional do
Trabalho e Emprego no município para pedir socorro porque haviam sido demitidos
e queriam voltar para sua terra natal, mas não tinham dinheiro para a viagem e
passavam fome”. Eles seriam despejados do hotel onde estavam no mesmo dia e estavam
sem comer desde o dia anterior porque o fornecimento de refeições havia sido
cortado um dia depois da demissão. Como não receberam as passagens de retorno,
os empregados estavam com o direito de ir e vir violados, o que contribuiu para
a caracterização de condições análogas às de escravo.
Mais uma irregularidade
apurada pela fiscalização foi a falsificação dos exames médicos dos
trabalhadores. De acordo com Vitor, eles datam de 29 de abril e teriam sido
feitos em um município próximo de Camaçari, mas as vítimas só chegaram à cidade
um dia antes do início do trabalho, em 5 de maio. Outras 30 funcionárias da
mesma empresa também foram demitidas sem receber os salários devidos, mas, como
eram do mesmo município da obra, tinham como ir para casa e suas condições não
foram consideradas de trabalho escravo.
Depois da fiscalização, a
construtora pagou todas as obrigações trabalhistas. Em nota, a Gráfico
Empreendimentos declarou que “respeita integralmente as normas trabalhistas e
nunca realizou qualquer forma de terceirização ilícita”. “A Gráfico cobra de
seus subempreiteiros o respeito à legislação trabalhista e, quando há algum
descumprimento, assume solidariamente as obrigações com os trabalhadores”,
escreveu. Ela afirma que “contestou nas instâncias adequadas todos os autos de
infração aos quais se refere a reportagem e ainda aguarda pelas decisões”.
Feira de Santana
A outra obra do “Minha
Casa, Minha Vida” flagrada com trabalhadores em condições análogas às de
escravos foi em Feira de Santana. A fiscalização ocorreu em 13 de março e
resgatou 24 pessoas aliciadas em diferentes cidades do interior da Bahia em um
canteiro da CSO Engenharia. As vítimas, que tiveram de pagar a viagem, foram
contratadas pela terceirizada Construtora Lima e trabalhavam há um mês no
local. A terceirização foi considerada irregular, já que os empregados atuavam
na mesma atividade fim da CSO e eram subordinados diretamente a funcionários da
terceirizadora. A empresa também não apresentou documentos que comprovassem a
realização dos exames médicos obrigatórios.
De acordo com a auditora
fiscal do trabalho Liane Durão, as duas casas que formavam o alojamento
fornecido pela empresa estavam em condições degradantes. O local não possuía
água potável e estava “extremamente” sujo porque não tinha ninguém responsável
pela limpeza, o que obrigava os trabalhadores a limpá-lo durante a noite e nos
fins de semana. Animais como escorpiões e carrapatos entravam com frequência na
casa. Além disso, os próprios empregados tinham de comprar os produtos de
limpeza. Uma das casas não tinha vaso sanitário, o que os obrigava a fazer suas
necessidades no mato. As refeições não eram fornecidas durante a noite e aos
fins de semana e, como não havia geladeira ou isopor para armazenar a comida, a
carne ficava pendurada em varais.
Outro problema era a falta
de camas e o fornecimento de colchões inadequados. Segundo Liane, dormir nos
colchões “era como se estivesse diretamente no chão, o que fez muitos dos
trabalhadores comprarem novos”.
Em nota, a CSO Engenharia
disse que o fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, “usurpando de matéria
de competência exclusiva do Poder Judiciário em relação à licitude ou não da
terceirização, autuou a empresa em razão de supostas irregularidades relacionadas
a empregados de empresa terceirizada”. A empresa também declarou que “já adotou
as medidas judiciais cabíveis”. Dos R$ 60 mil devidos em verbas rescisórias, só
R$ 39 mil foram pagos até agora.
Fonte:
Portal Brasil de Fato - 25/07/2013