sexta-feira, 5 de abril de 2019

Em reunião com líderes partidários, Bolsonaro acena com a 'boa política'


Segundo participantes das conversas, a mudança de tom do chefe do Executivo foi essencial para o diálogo

As reuniões de ontem, como a feita com Geraldo Alckmin, foram acompanhadas de perto por Onyx Lorenzoni: pedido de desculpas do presidente(foto: Marcos Correa/PR)

O governo deu, ontem, o pontapé da renovação no diálogo com o Congresso. O presidente Jair Bolsonaro recebeu os presidentes nacionais do PRB, PSD, PSDB, PP, DEM e MDB em reuniões que começaram às 8h30 e, com pausas na agenda, terminaram às 17h20. A principal sinalização da renovação no trato foi o abandono do discurso entre a “velha” e a “nova” política. Aos caciques, acenou que é a “boa” política que deve predominar. O efeito no mercado veio de forma rápida e a bolsa voltou a responder com bom humor (leia mais na página 4).

Dos mandatários, ouviu que terá apoio para a aprovação da reforma da Previdência. No entanto, ela inevitavelmente será alterada. Foi alertado que as regras de aposentadorias dos trabalhadores rurais e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) serão suprimidas do texto. Também recebeu a advertência de que alguns partidos não farão parte da base governista e que o fechamento de questão pela reforma é incerto até o momento. Ainda assim, a reunião foi avaliada como positiva pelas legendas e pelo próprio pesselista.

O presidente da República mais ouviu do que falou. Foi, inclusive, humilde. Pediu desculpas por “caneladas” durante o período eleitoral, quando insinuou na campanha que o MDB representava a velha política e que os demais partidos representados nas reuniões de ontem reuniam “a nata do que há de pior no Brasil”. Para o mandatário emedebista, Romero Jucá, o gesto de Bolsonaro representa um desprendimento para ouvir e conversar. “Mostra uma mão estendida. O governo pode cometer equívocos, mas não pode ser condenado por cometê-los. Agora, tem que ter humildade e rapidez para corrigi-los. E tenho certeza de que o governo quer fazer isso, pois quer um bom resultado no trabalho”, ponderou.

O “despertar” de Bolsonaro para o novo canal de diálogo com o Congresso não surgiu do dia para a noite. Ao longo da última semana, foi alertado pelos ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Secretaria de Governo, Santos Cruz, a trocar o disco e mudar o discurso agressivo. Há duas semanas, teve embates com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o Congresso, ao dizer que alguns parlamentares não querem “largar a velha política”, em crítica ao chamado “toma lá, dá cá”, por supostas cobranças de cargos. A repercussão gerou uma crise entre os poderes que, agora, começa a ser contornada.

A articulação política do Planalto alertou Bolsonaro a procurar uma relação com mais harmonia, respeito e linguagem parlamentar que dessem condições para construir o bom convívio com o Congresso. Deu certo. Jucá disse ao presidente que não existe a “nova” e a “velha” política, e ele concordou. “Existe política que tem que ser construída com diálogo ao longo do tempo. E o presidente terminou concordando que o que vale é a ‘boa’ política. Portanto, taxar de ‘velha’ ou ‘nova’ é um desserviço”, avaliou.


Um dos responsáveis pelo diálogo aberto foi o DEM, de ACM Neto e Rodrigo Maia(foto: Ed Alves/CB/D.A Press)



O diálogo, no entanto, não convence os presidentes nacionais a embarcar na base governista, ou seja, manter fidelidade às pautas do governo. O recado dado a Bolsonaro é de que cada dia será uma agonia diferente, de modo que toda matéria precisará ser dialogada à parte. O mesmo vale para o fechamento de questão, instrumento usado pelos partidos para votar em bloco com orientação pré-determinada. “Não discutimos fechar questão, que será avaliada e discutida dependendo do tema, da proposta, de como os debates fluírem”, explicou Jucá.

Força-tarefa
Os encontros de Bolsonaro com os presidentes partidários têm dedo do DEM. Nas últimas semanas, o partido se movimentou internamente para apagar o incêndio na relação entre o governo e o Congresso. A estratégia foi construída por meio de uma força-tarefa montada internamente a fim de melhorar o relacionamento entre Maia e Lorenzoni. A pessoas próximas, o presidente nacional do partido, ACM Neto, prefeito de Salvador, vem garantindo que a convivência entre os dois está melhor. E ontem sinalizou, inclusive, que há a possibilidade de o DEM fazer parte da base governista.

Embora não seja um relacionamento que os aproxime em âmbito pessoal, favorece o clima em nível profissional. Com a evolução no convívio, o DEM vem se movimentando nos bastidores do Congresso para instruir que assuntos relacionados ao Executivo sejam conversados com Lorenzoni, de modo a fortalecer a articulação do ministro dentro do governo, deixando que Maia cuide da agenda legislativa. É um processo para não interferir na interlocução de nenhum dos dois.

A prova do fortalecimento dado a Lorenzoni são as próprias reuniões de ontem. Ele foi o principal responsável pela construção da agenda. Não é para menos o esforço do DEM. O partido percebeu que o ministro vinha sendo preterido por bancadas partidárias, que optam por conversar com outros interlocutores do governo, como Santos Cruz e o ministro da Economia, Paulo Guedes. São movimentos adotados de olho na continuidade da expansão da legenda, nas eleições de 2020 e 2022. Entende que um ministro da Casa Civil forte atrai bons nomes para lançar em postos estratégicos nos próximos pleitos. Um ministro enfraquecido, não.

O fortalecimento do cacife político dos principais líderes do partido é favorável para puxar cabos eleitorais e candidatos fortes, em uma possibilidade de crescer na esteira do PSL. Onde o partido de Bolsonaro não conseguir emplacar ou não tiver um nome forte suficiente nas próximas eleições, o DEM estará presente. ACM Neto é só elogios a Lorenzoni. “Ele vem demonstrando absoluta compreensão da necessidade de construir uma articulação política que permita o avanço da pauta do país”, disse. Lorenzoni articulou, inclusive, reuniões com mais cinco partidos na próxima semana, e mantém conversas para que as reuniões com os presidentes sejam mensais.


"Existe política que tem que ser construída com diálogo ao longo do tempo. E o presidente terminou concordando que o que vale é a ‘boa’ política”
Romero Jucá, presidente do MDB

Reforma com justiça social
Claro, a reforma da Previdência deu o tom das conversas de ontem. Segundo os líderes, as mudanças precisarão se concentrar em garantir justiça social, com corte de privilégios, e o ajuste fiscal. Foi o aviso do presidente do PSDB, Geraldo Alckmin. O tucano frisou que será preciso alterar alguns pontos para que a legenda apoie o texto. “Idade mínima e tempo de transição. A reforma é muito complexa e detalhista. Não aprovaremos nenhum benefício menor que o salário mínimo. O nome já diz: é o mínimo. Nós somos contra o BPC, assim como a questão rural. Se há uma diferença na área urbana, precisa haver na rural”, destacou.


Especialistas acreditam em paz momentânea 

Em uma live feita ontem, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre o dia de reuniões e deixou claro que o toma lá dá cá não fez parte das conversas. “Tratamos de questões partidárias, governabilidade e a nova Previdência. Ao contrário do que parte da mídia disse, em nenhum momento tratamos aqui de cargos. Eles (os líderes partidários) têm o perfeito entendimento de que querem colaborar não com o governo, mas com o Brasil”, discursou. Para especialistas, falta agora ver se as conversas serão colocadas em prática.

A análise é de que os congressistas darão um voto de confiança, mas com um pé na frente e outro atrás, como gatos escaldados desconfiados do que pode vir pela frente. Não é para menos. A declaração de Bolsonaro de que “tem político que não quer largar a velha política” foi dada em 23 de março, menos de um mês depois da reunião com líderes de 18 partidos. “Como em outros momentos, Bolsonaro deu sinalizações de que queria um bom diálogo e, depois, mudou o discurso dando patadas”, lembrou o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.

Ribeiro prevê uma trégua momentânea na relação entre o Executivo e o Legislativo. “E isso não significa que apoiarão as pautas do governo logo de cara. Serão cautelosos”, analisou. Os líderes voltarão a ter fé no governo, mas, se Bolsonaro voltar a ser polêmico e agressivo no trato com os parlamentares, perderia de vez a confiança com os partidos.

Os presidentes nacionais são líderes que falam pelo partido e podem dialogar em nível institucional, se articulam o apoio ou não a determinadas pautas do governo, ressalta o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da consultoria Arko Advice. Ele aconselha, no entanto, que o governo amplie o leque de articulação. “Será preciso ter um diálogo com várias instâncias. Não somente com os presidentes, mas, também, com governadores, líderes e vice-líderes na Câmara e no Senado”, avaliou.


Fonte: Correio Braziliense