sábado, 26 de março de 2016

Ação de conscientização sobre epilepsia pede fim do preconceito

A campanha mundial foi criada por uma garota canadense de 9 anos, em 1998, para conscientizar mais pessoas sobre essa doença, que atinge 50 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Famílias de pessoas que têm epilepsia, condição neurológica que leva a crises de convulsão, se reuniram hoje (26) no Parque da Cidade Sarah Kubitschek, em Brasília, em uma ato para marcar o Purple Day, ou Dia Roxo. A campanha mundial foi criada por uma garota canadense de 9 anos, em 1998, para conscientizar mais pessoas sobre essa doença, que atinge 50 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apesar de a maioria dos pacientes conseguir viver normalmente quando medicada adequadamente, quem enfrenta a condição no dia a dia conta ainda há muito preconceito e desinformação. “As pessoas têm medo de se expor e de serem taxadas, existem muitos mitos em torno dessa condição. Algumas pessoas acham até hoje que é contagioso, que se tiver contato com a baba tem problema, que tem que
conter a pessoa durante a crise, segurar a língua”, disse Danielle Delmasso, organizadora do evento.

A filha mais nova de Danielle, Manuela, de 6 anos, teve a primeira crise convulsiva 20 dias após o nascimento. Como não tem outros casos na doença na família, Danielle não conhecia bem a condição. “Quando acontece dentro de casa, você depara com um mundo novo e desconhecido. O que a gente quer fazer é trazer consciência para a maioria das pessoas, para que entendam que não é coisa de outro mundo”, disse.

"As pessoas ainda têm medo de dizer que têm epilepsia. Se vai à procura de um emprego, se colocar na ficha que tem epilepsia, ele não é admitido. Se tiver uma crise no trabalho, na primeira crise ele já é demitido”, completou a presidente da Associação dos Pacientes com Epilepsia do Distrito Federal, Rosa Maria Lucena da Silva. Segundo Rosa, o filho sofreu muito, por 18 anos, até conseguir fazer a cirurgia para a doença em Goiânia, e segundo ela, ficar “99% curado”. “Ele ainda toma um remédio, mas nunca mais teve convulsões”, contou, aliviada. O filho de Rosa teve uma queda aos 3 anos e bateu a cabeça. Aos 18 anos ele teve a primeira crise. “A gente acredita que foi o acidente.”

Existe uma lista de medicamentos que é fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Temos lutado para incluir medicações novas que estão saindo no mercado, têm um controle melhor e têm tido bons resultados, ainda é uma batalha a se travar com os governos”, disse Danielle, que comemora a aprovação, na última semana, da Lei 5.635, que inclui o canabidiol na lista de medicamentos distribuídos gratuitamente pela rede pública de saúde, pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.

“Tem pessoas que mudaram de vida com essa medicação e ela pode trazer qualidade de vida para muita gente. Mas o maior ganho que tivemos com essa batalha toda foi trazer esclarecimento, foi chamar atenção da sociedade para 'olha, não é bem assim, a gente tem outros caminhos, as pessoas devem ser acolhidas'".

Acesso ao tratamento

Diagnosticada aos 12 anos com epilepsia, Alaide Ferreira da Silva Gomes é uma das fundadoras da Associação dos Pacientes com Epilepsia do Distrito Federal, criada em 1999. Ela disse que o preconceito contra quem tem epilepsia já melhorou muito. “Já chegaram a me 'expulsar demônios' na hora das crises, a minha mãe tinha essa cabeça, eu sofri muito. A minha guerra na associação foi mais por causa do preconceito, sob o lema 'Epilepsia não é contagioso, contagioso é o preconceito'”.

Segundo Alaide, a sociedade está mais consciente sobre o tema. “Quantas vezes eu passei mal dentro de ônibus, por exemplo, e quando acordei do desmaio eu estava só, ninguém me ajudava. As pessoas achavam que a baba pegava [transmitia a doença] e isso não é verdade. Meu médico costuma dizer que a epilepsia é um defeito no cérebro. São dois fios descascados que se chocam e dão choque, não é contagioso. Acho que essa visão da população mudou”, disse.

“Você pode ver, quando alguém tem uma crise na rua hoje, as pessoas vêm, as pessoas te socorrem, chamam o Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência].”

Para Alaide, o maior problema a ser enfrentado para melhorar a vida de quem tem epilepsia é o acesso a tratamento adequado. De acordo com ela, oje, no Distrito Federal, a cirurgia não é oferecida pela rede pública, e o equipamento que dá o diagnóstico preciso da doença não está disponível. “Se o aparelho para o câncer não se consegue instalar, imagina [no caso da] epilepsia, que não costuma matar”, disse a funcionária pública, que trabalha no Hospital de Base de Brasília.

A fundadora da associação contou que um laboratório doou um aparelho chamado EEG ao Hospital de Base. Usado no monitoramento da epilepsia, o aparelho localiza o foco da doença para saber se o paciente pode ou não fazer a cirurgia, além de definir o tipo de crise. Segundo Alaide, no Hospital de Base, no entanto, ainda faltam profissionais de saúde capacitados para operá-lo. “O aparelho de monitorização não é só para cirurgia, ele também identifica a crise do paciente e o médico pode medicar melhor o paciente”, ela destacou.

Alaide ainda está um pouco cética sobre a chegada do canabidiol. “Eu fico revoltada porque a gente tenta tenta, tenta, e morre na praia, porque ainda falta remédio. A gente usa a substância carbamazepina, um remédio barato, para o governo não sai nem um centavo o comprimido. E não tem na rede. Então, se um remédio de um centavo está em falta, imagina um canabidiol desse. Eu não tenho muita esperança não.”

“É muito difícil para o paciente, às vezes a pessoa toma um remédio que pega no fornecimento do SUS e ela, em um mês, consegue pegar uma caixa, e, no outro mês, não consegue, porque está em falta. E você descontinuar um tratamento desse é terrível, alguns pacientes não podem ficar nem um dia sem a medicação”, completou Danielle Delmasso.

A indicação para o caso de presenciar uma pessoa em crise é proteger o paciente de uma possível queda, principalmente a cabeça, para evitar pancadas. Se a crise durar mais de cinco minutos, a recomendação é chamar assistência medica. “Mas, em geral, a crise passa sozinha. O tratamento é para garantir qualidade de vida. Tem risco sim, mas a pessoa pode ter vida melhor”, ressaltou Danielle.

A Agência Brasil telefonou para o número de plantão da assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde do DF para que o órgão comente o assunto e foi orientada a enviar um e-mail com as perguntas. A reportagem enviou o e-mail e aguarda a resposta.


Fonte: Correio Braziliense