Ministros ignoram prazo de duas sessões para
devolução de ações
O regimento interno do Supremo Tribunal
Federal (STF) é claro: quando um ministro pede vista de um processo, precisa
devolvê-lo ao plenário duas sessões depois para que o julgamento seja retomado.
Talvez seja a regra mais ignorada do tribunal. Existem hoje 216 processos com o
julgamento paralisado no plenário por pedidos de vista. O mais antigo deles
data de maio de 1998, do ministro Nelson Jobim, que se aposentou no tribunal em
2006, deixando para trás esse processo. ...
Do total de
pedidos de vista, apenas 37 foram devolvidos, mas ainda não foram julgados. O
presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, já avisou que esses casos
terão prioridade. Na pauta de julgamentos do plenário
da próxima semana foram
incluídas dezenas de ações nessa situação que, agora, devem ter o julgamento
concluído.
O pedido de
vista serve para o ministro examinar melhor o processo antes de votar. Entre os
processos com tramitação paralisada por esse motivo, há vários assuntos
debatidos, que vão desde a legalidade da cobrança do IPTU em cemitério até a
possibilidade de empresas financiarem campanhas eleitorais.
Dos
ministros em atividade, quem coleciona o maior número de pedidos de vista é
Luís Roberto Barroso, com 31 processos. Desses, apenas três foram devolvidos ao
plenário, mas ainda não foram julgados. Entre os pedidos de vista, há um grupo
de 20 processos sobre o mesmo assunto. Portanto, uma vez decidido um caso,
todos estarão julgados. Ele pediu vista desses casos em dezembro do ano
passado. A assessoria de Barroso lembra que, apesar de ter o costume de
interromper muitos julgamentos, o ministro devolve os casos ao plenário com
rapidez.
O ministro
Ayres Britto, aposentado em 2012, alcançou a marca de 76 pedidos de vista, dos
quais 70 não foram devolvidos antes de ele deixar o tribunal. Nesses casos,
cabe a quem o substituiu levar os casos de volta ao plenário. Quem ocupou o
lugar de Ayres Britto no tribunal foi Barroso. A assessoria dele informa que
muitos desses processos não foram sequer estudados pelo gabinete, que tem
priorizado os pedidos de vista feitos pelo próprio Barroso.
Um dos
processos dos quais Ayres Britto pediu vista questiona a contribuição
previdenciária de aposentados. A ação foi ajuizada pelo Prona em 2004.
Questionado pelo GLOBO, o ex-ministro estranhou que houvesse tantos pedidos de
vista em seu nome. Informado sobre o ano da maior parte deles, de 2009, lembrou
que à época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e estava empenhado no
planejamento das eleições do ano seguinte. Dos seus 76 pedidos, 59 foram feitos
em 2009.
— Quando
você é presidente, você vive mais no tribunal eleitoral do que no Supremo.
Provavelmente, houve impossibilidade de cuidar desses processos no Supremo —
diz Ayres Britto.
A causa da
qual Jobim pediu vista em 1998 é uma ação direta de inconstitucionalidade
proposta pelo PT, PDT e PCdoB contra lei editada no mesmo ano que disciplina o
contrato de trabalho temporário. A cadeira antes ocupada por Jobim hoje é de
Cármen Lúcia. O caso chegou às mãos dela em 2010 e, desde então, não recebeu
nenhum andamento. A ministra, por sua vez, acumula 12 pedidos de vista feitos
por ela mesma, com apenas um devolvido ao plenário.
Gilmar
Mendes tem 17 pedidos de vista, dos quais três foram devolvidos. Dias Toffoli
tem 15, com quatro devolvidos para julgamento.
O ministro
Marco Aurélio Mello é dos que menos pede vista. Dos oito pedidos, devolveu
sete. O único que mantém em seu gabinete foi feito na semana passada. Ele disse
que estava pronto para votar, mas se engasgou com uma bala durante a sessão,
teve uma crise de tosse e não conseguiu mais falar. O julgamento, então,
precisou ser adiado. O processo chegou ao tribunal em 1995 e trata do registro
de uma propriedade em Tocantins.
— Pedir
vista é ruim, porque se perdem na memória as sustentações da tribuna e os votos
dos outros ministros. Se não houver conscientização, o pedido de vista vira
perdido de vista e vai para as calendas gregas. Chegamos ao extremo, agora
temos que cuidar disso e sanear o quadro — observa o ministro.
Para Marco
Aurélio, é tarefa difícil liberar logo os votos em pedidos de vista, diante da
quantidade de trabalho nos gabinetes:
— Eu mesmo
fiquei com um processo um tempo maior, mas liberei. Estamos recebendo 200
processos por semana, a sobrecarga é muito grande, você acaba cuidando mais dos
seus processos e não priorizando os pedidos de vista — afirma o ministro.
Um dos
processos que teve pedido de vista há mais tempo está nas mãos do decano da
Corte, Celso de Mello. A vista foi solicitada em maio de 2008 e o processo é do
ano anterior. Trata-se do recurso da proprietária de um cemitério em Santo
André (SP), que questiona a cobrança do IPTU pelo município. Ela alega que a
Constituição Federal concede imunidade tributária aos templos de qualquer
culto. Segundo a autora, o imóvel deve ser considerado um templo, já que
perante os túmulos são realizadas homenagens e ritos.
Fonte: Por Carolina
Brígido, O Globo - 05/04/2015