Inspirados na Operação Castelo de Areia, sepultada por decisão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) há quase quatro anos, advogados de
empreiteiros montaram uma operação de guerra para tentar acabar com a Lava Jato

Menos de quatro anos
depois – e com oito empreiteiras a mais encrencadas – os principais advogados
do país tentam replicar a estratégia bem sucedida. Esgrimem teses de que houve
cerceamento de defesa, irregularidades na instrução do processo e ilegalidades
nos grampos telefônicos para esvaziar a megaoperação Lava Jato. O mesmo Thomaz
Bastos, apelidado à época do julgamento do mensalão de God (Deus, em inglês)
pelos colegas de banca, foi até a véspera de sua morte, em novembro do ano
passado, responsável por orquestrar as linhas gerais de defesa das construtoras
do chamado Clube do Bilhão. Ele reagrupou boa parte dos advogados que
trabalharam para minar a Castelo de Areia.
Questionamentos sobre
métodos de investigação, como a legalidade ou conveniência de se utilizar
grampos telefônicos, são recorrentes em processos criminais. Além da Castelo de
Areia, grandes operações como a Satiagraha e a Chacal, que investigaram
negócios do banqueiro Daniel Dantas, ou a Faktor, que apurou crimes cometidos
pelo empresário Fernando Sarney, já tiveram parte das provas anuladas porque a
Justiça considerou ilegais os métodos de investigação da Polícia Federal e do
Ministério Público. No caso da Lava Jato, a defesa dos empreiteiros tenta
explorar simultaneamente cinco grandes frentes – endossadas inclusive pela
Defensoria Pública da União, que representa um laranja do doleiro Alberto
Youssef, um dos cabeças do propinoduto que sangrou a Petrobras.
A própria Polícia
Federal encontrou na casa do presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa,
apontado como o chefe do cartel de empreiteiras, um roteiro traçado para tentar
desidratar a Lava Jato. Em seis páginas de anotações manuscritas, as ordens
para os demais investigados: “fragilizar ou eliminar” as delações premiadas,
fazer uma “campanha na imprensa para mudar a opinião pública” e “trazer a
investigação para o STF”.
Colocadas em prática nas
primeiras “respostas à acusação”, as defesas dos empreiteiros seguiram à risca
as orientações do chefe do cartel. Os argumentos recorrentes dos advogados são
de ilegalidade de escutas telefônicas, o uso de prisões preventivas como
estratégia para forçar delações premiadas, apreensões indiscriminadas nas sedes
das empreiteiras, um possível impedimento do juiz Sergio Moro para julgar o
caso e a necessidade de a Lava Jato ter sido encaminhada integralmente ao
Supremo Tribunal Federal (STF) – já que parlamentares são investigados como
beneficiários de propina.
“O que se vê em Curitiba
é a tradução ao português da 'Operação Mãos Limpas', a seu modo e à sua
maneira, menoscabo às garantias constitucionais. O magistrado, quem quer que
seja, deve se conter, nunca agir mediante íntima convicção, senão como elemento
inerte nos autos, imparcial no sopesamento das idas e vindas da balança do
contraditório”, critica o criminalista Nélio Machado, responsável pela defesa
do lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano e apontado como o
operador do PMDB no esquema do petrolão. “O modelo em que se inspira Moro é o
dos juízes acusadores, os de instrução, e não os de julgamento, que não se
envolvem com os casos que lhes são submetidos, em relação aos quais devem ter
isenção e equidistância. Fazer cruzada não é papel de juiz.”
“Não é possível delinear
os rumos [da investigação] com base em relatos de delatores, pois se
auto-reconheceram como corruptos e corruptores”, diz o advogado Antonio
Pitombo, que integra a defesa do vice-presidente da Engevix Gerson Almada e
ataca diretamente a legitimidade das delações premiadas feitas na Lava Jato.
Quanto à proibição de que políticos com foro privilegiado sejam mencionados nos
depoimentos de delação premiada sob os cuidados de Moro, ele acrescenta: “Se
não pode o delator falar sobre todo o pretenso esquema ilícito, evidente que a
verdade que chegará aos autos não é a real, mas uma fração que comprometa, em
menor proporção, aqueles que ele não está autorizado a referir.”
Com enfoque na
eficiência da argumentação que reduziu a pó a Operação Castelo de Areia, os
advogados são unânimes em contestar a validade dos grampos telefônicos que
levaram à descoberta do bilionário escândalo do petrolão. Alegam falta de
autorização judicial, extensão do monitoramento a pessoas que não o doleiro
Carlos Habib Chater, investigado inicial da Lava Jato, descumprimento de
acordos internacionais envolvendo empresas de telefonia e até o uso de grampos
para promover uma “devassa” na vida dos suspeitos.
“As provas obtidas são
ilícitas, bem como as delas decorrentes, devendo ser declarada a nulidade com a
extensão a todos os atos subsequentes”, afirma o advogado Roberto Telhada, que
defende a construtora OAS.
Para o advogado Celso
Vilardi, que defende a Camargo Corrêa, os grampos são irregulares porque teriam
sido feitos também contra pessoas retratadas apenas por apelidos. Nas conversas
monitoradas pelos investigadores, doleiros como Alberto Youssef e Nelma Kodama,
por exemplo, eram identificados como “Primo” e “Greta Garbo”. “Nenhuma
justificativa, nenhuma explicação. Simplesmente prorrogou-se o monitoramento
telemático, incluiuram-se outros pin numbers [na lista de grampos] e, por fim,
deu-se indício à interceptação telefônica de investigados ainda não
identificados”, diz o defensor. “A autoridade policial representou pela
extensão da interceptação telemática que já havia sido decretada em face de
Carlos Habib Chater, incluindo no pólo passivo da medida seis novos
investigados sem qualquer identificação, quanto mais qualificação.”
Fonte: Por Laryssa Borges, Veja - 22/02/2015