Um plano orquestrado para
o desmonte da saúde pública. É assim que podemos definir a licitação lançada
recentemente pela Prefeitura do Rio de Janeiro para contratação da Organização
Social (OS) que vai gerir as emergências dos principais hospitais da cidade. A
prefeitura pretende entregar a coordenação, a operacionalização e a execução
das ações e serviços públicos de saúde à iniciativa privada. Se há recursos
disponíveis, por que não investir na qualificação da administração pública? O
argumento é a limitação imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que impede
a contratação de
médicos com salários compatíveis com o mercado. Resumindo, a
legislação emperra a contratação de servidores para cuidar da saúde da
população, mas permite a entrega de R$168 milhões em recursos públicos à
iniciativa privada. Permite que a OS lucre com o dinheiro público destinado ao
atendimento da população. ...
Por
não estar em conformidade com a legislação, o processo licitatório foi suspenso
pela Justiça em liminar obtida pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do
Rio de Janeiro. A decisão destaca que a Lei Municipal 5.026/09 e o Decreto
30.780/09 admitem que as Organizações Sociais de saúde atuem exclusivamente em
unidades criadas a partir da entrada em vigor da lei. Não há, então,
autorização legal para atuação nos hospitais Lourenço Jorge, Miguel Couto,
Salgado Filho e Souza Aguiar. A Justiça também considerou que o curto prazo
previsto no edital não permitiria a ampla participação dos interessados e
dificultava a fiscalização pública da licitação. Afinal, a prefeitura havia
planejado abrir os envelopes com as propostas das candidatas ao contrato de
mais de R$100 milhões em apenas dez dias corridos.
Fato
é que, após dois anos de mandato, o gestor público abdicou do seu dever
constitucional de administrar as emergências, o grande gargalo da saúde pública
da cidade. Abdicou sem lutar. Não há vontade política para alterar a
legislação. Não houve nenhum movimento político para que a saúde pública, em
função da sua importância para a população, tivesse um tratamento diferenciado.
Ora, pelos milhões de reais oriundos dos royalties do petróleo, o governador, o
prefeito, deputados e vereadores deixaram seus gabinetes e foram às ruas em
protesto contra a Emenda Ibsen. Protestaram diante da covardia sofrida pelo
Estado do Rio de Janeiro. E a covardia sofrida pelos cidadãos que não conseguem
atendimento nos hospitais de emergência, não é merecedora de mobilização
semelhante?
Não
estou aqui defendendo que não existam regras e leis para controle e
fiscalização do dinheiro público. A Lei de Responsabilidade Fiscal é de grande
valia, mas não pode ser colocada acima da vida de quem mora nesta cidade.
Criemos, então, a Lei de Responsabilidade Social a fim de garantir o que é
direito constitucional dos cidadãos brasileiros: o acesso à saúde.
*Luis
Fernando Soares Moraes é presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado
do Rio de Janeiro.
Fonte:
O Globo - 13/01/2013