quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Em depoimentos, acusados pelo MP detalham 'máfia das próteses' no DF

Médicos levavam 30% sobre próteses e hospitais, 15%, dizem funcionários. Hospital e empresa negam; investigação já ouviu mais de 100 pessoas.

Depoimentos obtidos com exclusividade pela TV Globo apontam detalhes do suposto esquema conhecido como "máfia das próteses", revelado pela operação Mr. Hyde da Polícia Civil do Distrito Federal. Funcionários da empresa TM Medical deram detalhes aos investigadores sobre o pagamento de propina a médicos e hospitais, que resultava em cirurgias e implantes desnecessários e de baixa qualidade.

Desde o dia 1º de setembro, quando a operação foi deflagrada no DF, a Polícia Civil e o Ministério Público ouviram mais de cem pessoas, incluindo dezenas de vítimas do suposto esquema. O inquérito ultrapassa as 300 páginas. Segundo a investigação, médicos e empresários se uniram para favorecer a TM Medical e o hospital Home. Os dois negam irregularidades (veja posicionamentos no fim desta reportagem).
Em depoimento, a funcionária da TM Medical Rosângela Souza afirmou que, no papel, os donos da empresa eram Micael Alves e Mariza Martins. Na prática, segundo ela, era o médico Johnny Wesley Martins quem comandava as fraudes.
O esquema incluía a reprodução de lacres de próteses em uma gráfica. Segundo Rosângela, o material era grampeado nos relatórios de cirurgias entregues aos planos de saúde, como forma de aumentar o valor ressarcido pelas operadoras. Cada
lacre era "reciclado" por até 50 vezes.
Outra funcionária da TM, Sammer Oliveira, explicou no depoimento que os lacres falsificados "transformavam" uma prótese de má qualidade, mais barata, em um produto importado. Ela também confirmou aos investigadores que os médicos recebiam comissão em dinheiro vivo.
Sammer diz ter visto, em várias ocasiões, o funcionário Micael Alves aguardando médicos no estacionamento, ou médicos aguardando o funcionário no vestiário para receber o dinheiro. No depoimento, ela também afirma que a propina é "tão comum, que nenhuma empresa sobrevive sem pagar os 30% de faturamento ao médico".
O depoimento da funcionária também aponta que os médicos estão "acostumados" a receber propina e, por isso, passaram a exigir cada vez mais dos fornecedores. Além do dinheiro vivo, eles estariam recebendo viagens, congressos e pagamentos diretos de prestações de carro e reformas em imóveis.

Hospital envolvido
Em outro depoimento prestado à Polícia Civil e ao MP, o funcionário da TM Edson Luis Cabral disse que o hospital Home, na Asa Sul, recebia 15% de comissão sobre os lucros do esquema de corrupção.
De acordo com o inquérito, a instituição era a mais utilizada pela organização criminosa porque conseguia agilizar o processo de pagamento junto aos planos de saúde.
Um documento apreendido pela Polícia Civil e anexado ao inquérito mostra o suposto superfaturamento. Em uma das cirurgias, o médico Juliano Almeida pediu produtos de valores "absurdamente superiores" aos cobrados pelo fornecedor, em um total de R$ 19,7 mil. O preço de mercado das próteses variava entre R$ 1,6 mil e R$ 2 mil, de acordo com a investigação.

Posicionamentos
O Conselho Regional de Medicina afirmou à TV Globo que já investigava a conduta dos médicos. A defesa da TM Medical respondeu que o inquérito traz "hipóteses levianas" e nega que tenha feito cirurgias desnecessárias ou utilizado material impróprio.
O hospital Home afirmou que "só presta serviços hospitalares" e que não interfere nas condutas médicas. Segundo a instituição, o mercado hospitalar tem como praxe a cobrança de uma taxa de administração, decorrente do uso de próteses e medicamentos.
Mariza Martins, Micael Alves, Rosângela Souza, Johnny Wesley e Sammer Oliveira fazem parte do grupo de 19 pessoas denunciadas pelo Ministério Público à Justiça, e já se tornaram réus no processo. O Tribunal de Justiça do DF não aceitou a denúncia do MP contra um diretor e um sócio do Home.



Fonte: G1