Dentre os muitos
ensinamentos que o campo da educação toma emprestado de outras áreas do
conhecimento, um em particular, é apropriado para entender as recentes medidas
proclamadas pela Secretaria de Educação do Distrito Federal. Falo
particularmente do conceito de “burocracia do nível de rua”. Esse termo foi
cunhado por Michael Lipsky, em 1980, quando atuava na cadeira de ciência
política da prestigiada MIT – Massachusetts Institute of Technology. Seus
ensinamentos são hoje leitura obrigatória na formação da burocracia do estado
brasileiro e matéria recorrente em concursos públicos, que exigem esse tipo de
formação. ...
O conceito de “burocracia do nível de rua”, criado pelo autor diz respeito a servidores públicos que agem diretamente com cidadãos. Entrariam nessa classificação os professores, policiais e assistentes sociais, entre outros. A formulação clássica de burocracia weberiana não levava em consideração os servidores que atuavam na
ponta de qualquer sistema e para tanto, os burocratas
seriam meros formuladores que não pertenceriam a um serviço público de massas.
Ao longo do tempo admitiu-se que aqueles que atuam na prestação direta dos
serviços não seriam meros implementadores de políticas, mas teriam papel
importante na discricionariedade, que pode alterar em muito os desejos
proclamados pela alta burocracia.O conceito de “burocracia do nível de rua”, criado pelo autor diz respeito a servidores públicos que agem diretamente com cidadãos. Entrariam nessa classificação os professores, policiais e assistentes sociais, entre outros. A formulação clássica de burocracia weberiana não levava em consideração os servidores que atuavam na
Na implementação de políticas públicas o conceito de “burocracia do nível de rua” tornou-se fundamental para entender porque algumas políticas dão certo e outras não. Essa análise recai sobre o importante papel que esses servidores desempenham ao mediar essa relação entre o Estado e o cidadão, recaindo sobre eles o bônus e o ônus no atendimento.
Introduzo esse panorama apenas para situar a surpreendente decisão da Secretaria de Educação de adotar a política de ciclos e semestralidade. A desconfiança gerada por quem atua diretamente na ponta do sistema, os professores, e aqueles que se beneficiam da prestação, os alunos e os pais, que tem filhos na escola pública, são importantes atores que podem comprometer a execução dessa iniciativa.
Mudanças emanadas da alta burocracia não são uma novidade e nem deixarão de existir. A questão na política é como diminuir as chances do insucesso por mais razoáveis que sejam os argumentos. Particularmente na educação estamos experimentados em medidas com essas características. Tomemos o caso, que nos parece mais elucidativo, o ensino médio. O Parecer n. 15/1998, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação durante o governo FHC e que tinha o objetivo de criar uma nova concepção de ensino médio que acabara de ser consagrado pela Constituição de 1988, como última etapa da educação básica, criou o conceito de “estética da sensibilidade”. Entretanto, isso não conseguiu se traduzir em algo inovador e sequer se incorporou nos Parâmetros Curriculares Nacionais e, portanto, não chegou às salas de aula do ensino médio, pelo simples fato que os professores não foram envolvidos para implementar uma nova concepção de abordagem curricular.
São muitos os estudos que mostram que não basta que as intenções sejam consistentes é preciso que elas angariem apoio para sua execução. Nesse particular, a adoção da semestralidade do ensino médio nasce com enorme resistência há menos de 20 dias do início do ano letivo de 2013.
Além de questões conceituais na adoção da semestralidade há aspectos operacionais que não foram suficientemente esclarecidos para a gestão do processo pedagógico nas escolas. Uma questão simples, por exemplo, como lidar com a matrícula dos alunos por disciplinas nas escolas. Isso muda radicalmente a otimização do trabalho. Isso sem falar no aspecto metodológico. Mudar a cultura de uma organização passa por convencer quem é parte dela e nesse aspecto parece-nos que os gestores atuais consideraram que isso é relativizado pelo sucesso que a medida pode trazer.
As contribuições que as pesquisas no campo da implementação de políticas já nos proporcionaram revelam que quanto mais distante estiver a decisão de mudar do objeto a ser modificado, as chances de ficar como está são muito elevadas. Ou seja, se essa mudança não passar por um processo de convencimento dos reais operadores das ações proclamadas, as chances do insucesso serão muito grandes. Como uma teoria está sempre à prova pode ser que seja o momento. Será?
Por: Remi Castioni - é professor-pesquisador FE/UnB
Fonte: Blog do Washington Dourado - 18/01/2013