Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus receberam habeas corpus preventivo e não sairão presos do plenário nesta sexta-feira
Após oito anos da data da tragédia, a condenação saiu na tarde desta sexta-feira no Foro Central, de Porto Alegre
O júri do julgamento da Boate Kiss condenou, na tarde desta sexta-feira, os réus Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus pelas mortes de 242 pessoas e ferimento de mais de 600 sobreviventes no incêndio da Boate Kiss, que ocorreu em 27 de janeiro de Santa Maria. Eles foram responsabilizados levando em consideração o dolo eventual. O juiz Orlando Faccini Neto anunciou as penas de cada um dos acusados após os jurados se reunirem na sala secreta.
De acordo com a decisão do magistrado, o regime inicial será
fechado. Porém, em razão do Habeas Corpus preventivo concedido pelo Tribunal de
Justiça do Estado foi suspensa a prisão imediata dos acusados nesta
sexta-feira. A decisão, favorável ao advogado Jader Marques, defensor de
Elissandro Spohr, que recebeu a maior pena entre os quatro, se aplica a
todos. O Ministério Público e a defesa podem recorrer da sentença dada
nesta sexta-feira.
Antes de iniciar a leitura da sentença, o magistrado disse que não a
leria inteira, pois acha desnecessária. Ele falou sobre os dez dias de
julgamento e elogiou a postura dos jurados e agradeceu a contribuição deles no
processo. "Impossível agradecer o envolvimento que tiveram, o
compromentimento com esse dever cívico que, entretanto, ficaram longe de suas
famílias e não recebem nada por isso. Com uma pressão significativa dada a
importância de tudo", disse. Aos familiares, ele disse que não ia dedicar
palavras, mas o seu trabalho de juiz.
Ao longo da leitura da sentença, o juiz também citou um trecho do livro
escrito sobre a tragédia escrito por Daniela Arbex, uma das sobreviventes da
noite. "Todos os réus terão tempo de cultivar as suas famílias nesta
trajetória. Nada disso caberá às vítimas. As consequências são gravissimas para
a comunidade de Santa Maria e os familiares. Vejam que mesmo no plenário, em
diversas referencias, muitas vítimas após terem conseguido no local, voltaram
em um ato heroico", disse.
Sentenças:
Elissandro Callegaro Spohr
Pena base: 15 anos
Pena final: 22 anos e 6 meses
Mauro Londero Hoffmann
Pena base: 13 anos
Pena final: 19 anos e 6 meses
Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão
Pena base: 12 anos
Pena final: 18 anos
Desfecho após oito anos e 10 meses
Uma espera de oito anos e 10 meses chegou ao fim nesta sexta. Foram dez
dias de julgamento no caso da Boate Kiss, com sessões marcadas pela emoção, por
relatos de desespero e até de superação. O júri, realizado no Foro Central de
Porto Alegre, também foi acompanhado atentamente por Santa Maria, lugar da
tragédia. Na cidade, tendas foram montadas para abrigar familiares e amigos das
vítimas que não conseguiram fazer a viagem até a Capital. Inicialmente, os
locais ficaram restritos a pessoas próximas de quem perdeu a vida na boate, mas
depois, com o passar dos dias, eles foram abertos para toda a população do
município.
As primeiras horas do julgamento foram tensas. Durante a chegada de
Luciano Bonilha, um dos réus no processo, um homem gritou a palavra "assassino".
Visivelmente emocionado, ele respondeu dizendo que não era assassino. Em
seguida, Bonilha passou mal e precisou de atendimento médico. Restabelecido,
ele conversou com a reportagem do Correio do Povo. “Hoje, quando eu cheguei
aqui, vi tudo aquilo de novo. Este júri será meu último grito para tentar
mostrar a minha verdade e contar a história da minha vida, peço para todos que
me escutem, sempre respeitando a dor dos pais e dos sobreviventes. Ninguém sabe
a dor deles”, disse na ocasião.
A partir da escolha do Conselho de Sentença, feita no primeiro dia, o
julgamento pôde ser iniciado com a perspectiva de duração de duas semanas. No
decorrer dos depoimentos, juiz, promotores e advogados perceberam que seria
possível vencer todas as etapas do processo em um tempo menor, principalmente
depois que o Ministério Público dispensou três testemunhas e uma vítima.
O segundo dia de júri começou com as testemunhas Emanuel Almeida Pastl e
Jéssica Montardo Rosado. Pastl, um dos sobreviventes, relatou o pânico sentido
na Kiss logo depois do início do incêndio. Ele contou ainda que se desencontrou
do irmão e, a partir daí, uma correria começou. "As pessoas entraram
em estado de pânico e começaram a se empurrar. Foi horrível”, lembrou. Em
seguida, a vítima relatou ao júri: “Não tinha alarme de incêndio, nem
sinalização e iluminação. Não senti em mim água caindo de chuveiros de teto
durante o incêndio”. A manifestação de Jéssica foi carregada de emoção e
ampliou o cenário citado por Pastl. “Eu me apavorei. Havia muita gente
caindo em cima dos outros”, recordou.
O engenheiro responsável pelo projeto de isolamento acústico da Kiss,
Miguel Ângelo Teixeira, prestou depoimento e garantiu que em nenhum
momento sugeriu o recomendou o uso de espuma. Teixeira, a primeira testemunha
de acusação, disse que soube através da esposa do incêndio, e que o advogado de
Elissandro Spohr estaria citando o engenheiro como responsável pela colocação
de espumas no local. "Falei com o delegado na época e pedi para prestar
depoimento, pois queria esclarecer os fatos", disse.
A discussão em torno dos artefatos de fogo usados na noite da tragédia
abriu o terceiro dia de julgamento. O administrador da loja de fogos de
artifício onde foram comprados os itens usados pela banda Gurizada
Fandangueira, Daniel Rodrigues da Silva, colocou que os produtos adquiridos não
eram para ambientes fechados. Na mesma sessão, o PM Érico Paulus Garcia, que
atuava como barman da Kiss, relatou que conseguiu salvar entre 15 e 20 pessoas
da casa noturna. Garcia contou ainda que viu o início do incêndio, quando o
vocalista Marcelo de Jesus dos Santos ergueu o artefato pirotécnico e as
fagulhas atingiram a espuma.
Nos dias de julgamento que se seguiram, mais relatos chocantes tomaram
conta do plenário do Foro Central, como o da segurança da Kiss Doralina Peres.
Ela perdeu cinco colegas de trabalho na tragédia, duas mulheres e três homens.
Em seu depoimento, relatou que não se lembra de algumas coisas do início do
incêndio, tudo porque desmaiou duas vezes, sendo uma dentro da casa noturna.
Algo semelhante foi narrado por outra vítima da tragédia. Delvani Rosso
lembra-se da casa lotada e do momento em que ele e outros seis amigos
entrelaçaram os braços para sair da boate. A iniciativa funcionou até um certo
momento. Quando as luzes se apagaram dentro da Kiss, ele notou que a fumaça
ficou ainda mais forte e percebeu que não conseguiria mais sair. "Comecei
a inalar a fumaça e meus joelhos ficaram fracos e perdi a força”, contou.
Pelo lado das defesas, familiares dos réus tomaram a palavra durante o
sétimo dia de julgamento. Márcio André dos Santos, irmão de Marcelo de Jesus,
relatou a não existência de planejamento para eventuais problemas nos shows
pirotécnicos. Além disso, Márcio André descreveu o pré-julgamento recebido a
partir da tragédia. "Temos vontade de chegar para algum familiar das
vítimas e dar a nossa verdade. Essa dor é a nossa dor. Nós não queríamos matar
ninguém lá. Meu irmão não quis matar ninguém lá ", afirmou emocionado o
percussionista.
A esposa de Elissandro Spohr também foi convocada a contar o lado do
réu. A mulher de Kiko, Nathália Daronch, negou que o sócio da Kiss tivesse dado
autorização para o uso dos fogos. “Sei que não houve essa autorização porque eu
estava lá na passagem de som. Eu sabia que era um momento muito importante,
tudo que ia ser apresentado era dito. Em nenhum momento foi solicitado (uso de
artefatos pirotécnicos). Já tivemos um outro episódio que foi solicitado e
negado", disse Nathália.
Um dos depoimentos mais aguardados ocorreu no oitavo dia de julgamento,
quando o prefeito de Santa Maria à época da tragédia, Cezar Schirmer, deu seu
depoimento sobre o incêndio. Arrolado como testemunha da defesa de Elissandro
Spohr, o atual secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto
Alegre disse que o Executivo municipal não teve responsabilidade alguma no que
aconteceu na Kiss. Schirmer ainda criticou as investigações e o andamento do
inquérito. “Desde o começo eu ouvi insinuações de que deveria estar aqui, não
como testemunha, mas como réu. Não fiz nada!”, exclamou. A fala de Schirmer foi
criticada por familiares das vítimas que estavam no Foro Central, a ponto de
deixarem a sala em protesto.
Fonte: