domingo, 16 de julho de 2017

Início do recesso parlamentar não significa fim da crise política

Nas próximas duas semanas, os parlamentares estarão de recesso, mas isso não significa que os dias serão tranquilos na Esplanada


Férias nada tranquilas na Esplanada
O início do recesso parlamentar, na última sexta-feira, não significou que a crise política entrou de férias. Longe disso. Ao longo das próximas duas semanas até que o Congresso retome os trabalhos, governistas e oposicionistas seguirão trabalhando nas bases para conquistar votos contra ou a favor do processo envolvendo o presidente Michel Temer.

Novas delações do ex-deputado Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro devem ser oficializadas. Quando retornar de uma missão oficial aos estados, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá apresentar novas denúncias, por obstrução de justiça e formação de quadrilha.

“Quando foi o último recesso que serviu para amenizar as crises?”, questionou o cientista político e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Carlos Melo.

Ele lembra que, em janeiro de 2016, após a decisão do Supremo Tribunal Federal de definir o rito de tramitação do impeachment de Dilma, a impressão era de que a então presidente escaparia da cassação. Quando o Congresso retornou aos trabalhos, em fevereiro, bastaram três meses para que a petista fosse afastada do cargo. Para Melo, após o êxito do governo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), onde conseguiu — à custa da troca de deputados e da liberação de emendas parlamentares — aprovar, por 41 a 24, um relatório favorável ao presidente; os interessados em afastar o peemedebista buscarão novas alternativas.

“Podemos prever que fatos novos — se existirem — apareçam na última semana de julho, mais próximo do retorno dos trabalhos parlamentares”, completou Melo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou para o dia 2 de agosto a sessão plenária para votar o relatório apresentado pelo deputado Paulo Abi-Ackel, após a base conseguir derrubar o texto adverso apresentado pelo deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ). O próprio Planalto já trabalha com novos atrasos provocados por falta de quorum em agosto, levando o processo para setembro.

A ideia inicial do Planalto era resolver o caso antes do recesso. Agora, a estratégia é empurrar com a barriga. “Esse governo já sobreviveu a tantos escândalos e tem tantos ministros envolvidos em denúncias que fica difícil precisar o que é necessário para que ele seja derrubado”, reconheceu o professor de ciência política do Ibmec-MG, Adriano Gianturco. É com isso que o Planalto conta. Para um integrante da
cúpula do Planalto, quanto mais o processo demorar, mais a classe política e os agentes econômicos chegarão à conclusão de que é melhor deixar Temer até o fim do mandato e delegar ao povo a escolha do novo presidente por eleições diretas em outubro de 2018.

Um fiel escudeiro do presidente Michel Temer garante que dá para relaxar nas próximas duas semanas. Carlos Marun (PMDB-MS) diz que a vitória na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dá a segurança de que o governo precisa nos próximos dias. “Essa denúncia já está liquidada. É um sinal de tranquilidade, mas não de desconcentração. E de felicidade, porque conseguimos provar a fragilidade da denúncia. Depois dessa, duvido que venham outras denúncias. Caem por terra todas as outras acusações”, defende Marun.

Para o deputado federal Daniel Coelho (PSDB-PE), não há possibilidade de um recesso tranquilo pela frente, pois a crise política existe independentemente de parar o Congresso ou não. Em relação ao encaminhamento da denúncia em plenário, Coelho diz que não faz diferença o governo conseguir derrubar a denúncia. “O placar dos votos é que será determinante. A chance de a base governista vencer é enorme, mas um governo que tem 270, 280 votos contra ele não tem condições de governar”, acredita.

Há também quem acredite que o contato dos deputados com o eleitorado nos estados pode ser prejudicial para o governo, pois sentiriam o termômetro da influência que um voto pró-Temer poderia causar nas próximas eleições, em outubro de 2018. “Todas as pesquisas indicam que o Temer tem de sair. Os deputados ficarão constrangidos e isso arrastará um número importante de votos”, acredita o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP).

Pressão, sem gente na rua ou panelas sendo batidas. O sociólogo Bruno Borges explica o motivo da apatia. “Em todo o mundo, especialmente nos países ocidentais, há uma onda de negação das instituições e da política como espaço de resolução de conflitos. Essa realidade potencializa a tendência.” Internamente, afirma Bruno, há um sentimento de esgotamento na população. Diante de uma democracia muito recente, o país viveu momentos intensos de mobilização na década de 1990 — com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor — e a iniciada em 2013, que culminou na saída de Dilma Rousseff do poder.

“Duas vivências que não conseguiram proporcionar uma terceira via. A partir daí, tudo piorou. Passamos a questionar o Executivo, o Legislativo e até o Judiciário. A sociedade questiona o seu poder de organização, porque não se chega a uma representatividade. Há um desgaste natural, desconfiança e constrangimento”, explica Borges. O sociólogo, porém, lembra que, apesar de não haver pressão nas ruas, existe um forte assédio pelas redes sociais. “É uma pressão real. O político mais novo reconhece isso e acompanha. Não é o fato político a que a gente está acostumado. A rua tem força para tirar um governo. A internet talvez não tenha, mas é uma força que não podemos deixar de considerar”, acrescenta.

Julho longe da folga

Recesso significaria tempo de paz no Congresso, porém, com o adiamento da votação da denúncia de Temer para 2 de agosto, as próximas duas semanas prometem ser conturbadas. Confira os cenários positivo e negativo para o governo:

Calmaria

» Com pelo menos mais uma denúncia contra o presidente da República na mesa, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, passará esta semana nos Estados Unidos, em missão oficial.

» Sem os trabalhos no Congresso, governo terá mais facilidade de negociar com a base e de traçar uma estratégia sobre a votação da denúncia em plenário. Alguns falam em esperar as outras para votar todas de uma vez e evitar sucessivos desgastes.

Tormenta

» Vazamento de delações do doleiro Lúcio Bolonha Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

» Pressão sobre os deputados em seus colégios eleitorais.

» A apresentação de novas denúncias por Rodrigo Janot.

» Na última semana de julho, o Comitê de Política Monetária do Banco Central anunciará uma nova queda na taxa de juros. A depender do percentual, indicará o nível de confiança no governo sobre a capacidade de tocar ou não as reformas.



Fonte: Correio Braziliense