Em 18 de setembro, uma decisão burocrática do plenário do Tribunal de
Contas da União levantou a ponta de um novelo escondido desde 2005.
Outra fonte do valerioduto
Por unanimidade, os nove
ministros do TCU acataram o parcelamento de um débito judicial do jornalista
Laerte de Lima Rimoli, ex-chefe da Assessoria de Comunicação Social do antigo
Ministério do Esporte e do Turismo, no fim do segundo governo de Fernando
Henrique Cardoso. Entre 2001 e 2002, segundo auditoria do tribunal, o
ministério, comandado por Carlos Melles (maio de 2000 a março de 2002) e Caio
Carvalho (março de 2002 a
1º de janeiro de 2003), desviou 10,6 milhões de reais para a SMP&B
Comunicação, uma das agências de publicidade controladas por Marcos Valério de
Souza, operador dos “mensalões” tucano e petista. ...
Naquela época, o
publicitário mantinha laços estreitos com o esquema eleitoral do PSDB. Em 1998,
ele havia montado a operação de financiamento clandestino da fracassada
campanha de reeleição de Eduardo Azeredo ao governo de Minas Gerais, gênese do
esquema mais tarde replicado pelo PT. O rastro de dinheiro descoberto pelo TCU,
graças a uma auditoria feita em 2001, demonstra que o “valerioduto” tucano
funcionou até as
vésperas das eleições presidenciais de 2002, possivelmente para
cobrir compromissos das campanhas de 1998 tanto de Azeredo, hoje deputado
federal, quanto de FHC.
No resumo feito pelos
auditores a partir da avaliação de contratos firmados pelo ministério,
revelou-se um emaranhado de fraudes montadas para financiar a agência do
publicitário. Entre as irregularidades, os fiscais do TCU anotaram o pagamento
de aditivos desnecessários, utilização de serviços sem respaldo contratual,
ausência de fiscalização de contratos, pagamentos feitos sem comprovação da
execução do serviço e emissão de notas fiscais frias. Curiosamente, as
auditorias foram estimuladas pelas denúncias da CPI dos Correios em 2005, base
do processo do “mensalão” petista.
O primeiro contrato
analisado, de maio de 2001, tratava de uma licitação de 4,3 milhões de reais
para a prestação de serviços de publicidade. Segundo o edital, o objetivo era
municiar campanhas na área de esporte, promover o turismo em municípios e
incrementar a “comunicação do governo”. Ao todo, 22 empresas concorreram. Em
primeiro lugar ficou a SMP&B. Mas, como cautela nunca é demais, a segunda
colocada foi a DNA Propaganda, também de Marcos Valério.
Em 2005, o plenário do
TCU, baseado nas auditorias, condenou quatro servidores do ministério a
ressarcir os cofres públicos por conta dos pagamentos irregulares. São eles
Adeildo Máximo Bezerra, ordenador de despesas da pasta, e os três chefes da
Assessoria de Comunicação Social no período, Estanilau da Costa Sá Júnior,
Isabel Cristina Tanese e Rimoli.
Rimoli, ocupante do cargo
entre julho e dezembro de 2002, foi condenado a pagar 74,6 mil reais. O
assessor emitiu sete notas fiscais frias em favor da SMP&B no valor total
de 30,6 mil reais por anúncios jamais justificados. Outros 44 mil reais foram
pagos à agência pelo “manuseio e expedição de 50 mil correspondências” jamais
postadas, de acordo com a auditoria.
A participação de Rimoli
nas tramoias auditadas pelo TCU, sobretudo nas operações fraudulentas de
emissão de notas para financiar o valerioduto, certamente chocará seus
seguidores nas redes sociais. Na arena virtual, principalmente no Facebook, o
jornalista é um leão contra os “mensaleiros” do PT. “Eu quero acreditar que o
ser humano é intrinsecamente bom. Mas um fato recente abala essa convicção. Zé
Genoino, o mensaleiro do PT que teve a indulgência do STF e ficará em prisão
domiciliar, ameaça assumir uma cadeira na Câmara”, lamentou o jornalista, no
fim do ano passado, em um post no Facebook. “Trata-se de um político que perdeu
as cordas vocais depois que assinou, em nome do PT, empréstimos fraudulentos
quando presidente do partido”, acusou, logo ele, responsável por notas
fraudulentas em favor do mesmo Marcos Valério.
O jornalista também se
mostrou indignado por causa de críticas do ex-ministro José Dirceu à
ex-ministra Marina Silva, hoje no PSB, segundo mensagem postada no Twitter em 5
de outubro:
Laerte
Rimoli@RimoliLaerte
Zé Dirceu, chefe da
quadrilha do mensalão do PT, condenado pelo STF, cobra humildade da Marina.
Escárnio. Vai pra cadeia, cara.
Corrigida, a dívida de
Rimoli soma 179 mil reais. Foi justamente para evitar o bloqueio de seus bens
pela Justiça que o jornalista entrou com o recurso no TCU para dividir o
pagamento em 36 parcelas, a partir do início deste mês.
Procurado por
CartaCapital, o ex-assessor do ministério informou ter assinado documentos
referentes a pagamentos feitos por gestores que o antecederam no cargo por
ordem de Walter Alvarenga, chefe de gabinete do ministro Caio Carvalho. Mas,
segundo o TCU, as notas frias foram emitidas para a SMP&B entre julho e
dezembro de 2002, período em que Rimoli ocupou a função no ministério.
Confrontado com a informação, o atual assessor parlamentar do PSDB alegou ter
agido com ingenuidade e ter sido vítima da própria “estupidez” gerencial e
administrativa. “Sou jornalista, não burocrata.”
Em um dos contratos,
descobriu o TCU, embora os recursos tivessem sido destinados para três
“Programas de Trabalho”, apenas dois foram consignados, uma forma de gerar
verbas excedentes a serem relocadas em outros contratos. Em seguida, uma série
de aditivos foi autorizada de modo a aumentar o valor dos contratos. Em um
deles, houve uma prorrogação de maio de 2001 a 30 de setembro de 2002, três dias antes
das eleições presidenciais (o tucano José Serra perdeu para Lula).
Entre os artifícios usados
no ministério para colocar dinheiro no “valerioduto”, constatou-se até uma
excursão a Brasília, em novembro de 2001, de 84 estudantes do curso técnico de
turismo de um colégio estadual de São Sebastião do Paraíso (MG), terra do então
ministro Melles. O roteiro incluiu passeios pela capital e almoço em uma
churrascaria. Para organizar o “evento”, a SMP&B recebeu 45 mil reais. Os
auditores descobriram ainda que a empresa subcontratada para organizar a visita
dos colegiais, a MultiAction, também pertencia a Marcos Valério.
Os ministros Melles e
Carvalho não foram responsabilizados pelo TCU. Melles, atualmente deputado
federal pelo DEM de Minas Gerais, pertencia ao antigo PFL quando titular da
pasta. Em 2011, então secretário de Transportes e Obras Públicas de Minas, foi
condenado por improbidade administrativa, ao lado da mulher, Marilda Melles,
ex-prefeita de São Sebastião do Paraíso. Os dois foram denunciados pelo
Ministério Público do Estado por usar recursos públicos para promoção pessoal.
Em 2012, foi obrigado a deixar o cargo e reassumir sua vaga na Câmara dos
Deputados.
Carvalho, último ministro
da pasta na era FHC, foi presidente da São Paulo Turismo S.A., órgão de
promoção turística e eventos da cidade de São Paulo entre 2005 e 2011, nas
administrações de Serra e Gilberto Kassab. Atualmente, ele é
diretor-geral da Enter, empresa de eventos do Grupo Bandeirantes de Comunicação.
Fonte:
Leandro Fortes-Revista Carta Capital - 14/10/2013